Exclusivo: Entropia-Entalpia lança “DEMOLIÇÃO”

Vivência em Angola e no underground paulistano dão o tom do lançamento via MAMBArec

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Fotos: Ariana Miliorini

De acordo com a Lei da Termodinâmica, quanto maior for a desordem de um sistema, maior será a sua entropia. Então, nada é mais adequado do que o nome DEMOLIÇÃO para batizar o EP de Entropia-Entalpia, projeto solo do multi instrumentista Matheus Câmara. Ouça em primeira mão no Monkeybuzz o EP lançado pelo MAMBArec, selo do coletivo MAMBA NEGRA.

DEMOLIÇÃO traz quatro faixas movidas por sonoridades deliciosamente caóticas, longe das classificações tradicionais de estilo musical. Elas aceleram entre o Techno e a House na mesma intensidade que colidem de forma explosiva nos beats orgânicos, desviadas por loopings imprevisíveis. Apesar do desencaixe proposital, parece que tudo se alinha nesse “caos” e cria sentido através da condução impecável feita por batidas hipnóticas afro-brasileiras, que não soam de forma óbvia. Doses letais de sons industriais beirando o intergalático batem na hora certa. O resultado: fritação na pista.

O nome com ares de trocadilho surgiu de uma ideia que Matheus teve junto da cantora Laura Diaz, vocalista do grupo TETO PRETO, uma das mentoras da MAMBA NEGRA e a responsável pelos vídeos do selo. “Eu tinha pensado em colocar apenas o nome demo (de demonstrativo mesmo, risos), pois é um recorte das minhas produções mais agressivas. Por eu ter influências de vários tipos, meu som tem uma identidade, mas não segue um padrão” relata o músico, de 19 anos, que brinca: “É também como se fosse uma amostra de lição de moral. O termo demolição [demo+lição] serve para mostrar, que mesmo novinho, a gente é capaz de fazer um som potente”

INFLUÊNCIAS AFRO

Nascido em Recife, onde cresceu embalado pelo Manguebeat e ritmos nordestinos, Matheus morou por dois anos em Angola. “Eu caminho por muitos estilos diferentes, mas esse EP foi um recorte dessa vivência em Angola… são coisas mais pesadas, num BPM alto, bastante percussivo”.

Quando viveu na África, Matheus dava um jeito de escapulir para bailes roots de Kuduro e dar rolês em shows, como da banda Buraka Som Sistema, sempre escondido da mãe. “Eu morava num bairro cercado. Nas ruas, clima tenso. Você encontra guardinhas e seguranças empunhando metralhadoras enormes. É uma cidade cheia de marcas da Guerra Civil de independência em relação a Portugal”, relata.

A passagem por Angola deixou marcas em sua formação e processo criativo: “Achei massa sacar melhor as origens da música brasileira de perto. Lá tem o Semba, que é primórdio do Samba. E a presença forte de elementos de percussão, que transpassaram na minha produção musical”, explica o músico.

“Eu costumo ver pessoas incorporando elementos percussivos em música Eletrônica sempre num BPM mais baixo. Em Angola, eu via as pessoas fazendo isso num BPM absurdamente alto. Um exemplo é o próprio kuduro, que seria, de certa forma, a “música eletrônica” genuína da região. O estilo é feito com base em BPM muito alto e acelerado”. Conclusão: “Cheguei aqui e não consegui fazer música em BPM menor”.

Quando indagado sobre músicas e artistas angolanos preferidos, Matheus elegeu um artista. “Escolhi somente esse disco porque o Bonga representa muito bem o o que é Angola”. Bonga Kuenda é a alcunha escolhida por José Adelino Barcelo de Carvalho, o FRogério, para ser seu nome artístico. “Quando eu descobri que o nome dele significa ‘Aquele que vê, que está à frente em constante movimento’, eu pirei e me dediquei muito a ouvi-lo”. Bonga lutou contra a colonização e aculturação portuguesa.

Curiosamente, Bonga foi um atleta exímio, a ponto de ganhar importantes títulos no atletismo profissional angolano. O disco foi gravado em Amsterdam, quando ele estava exilado. “Esse álbum me lembra muito as músicas produzidas no Brasil durante a Ditadura Militar, como a Tropicália. Rola um paralelo bem forte de cultura de resistência, entre Angola e o Brasil”.

CAINDO NAS FESTAS UNDERGROUNDS

Há cinco anos, ele resolveu voltar ao Brasil, razão que o motivou a voltar ao trampo de músico profissional. “Muitas vezes, eu me sentia um estranho invadindo a cultura local, queria voltar e o único jeito era morar em São Paulo com meu pai”, conta. Por sorte, rapidamente foi abduzido pelo universo eletrônico das festas undergrounds de SP.

“Assisti a um workshop de produção musical com o L_cio em Recife, depois fui morar em São Paulo e acabei colando muito na Mamba e outros rolês”. Desde o final de 2015, Entropia é residente da MAMBA NEGRA e já tocou em festas do circuito independente da cidade e de outros estados, como a Blum, Sonido Trópico, Mond, Base (Porto Alegre), Subcutâneo (Londrina), Embed (Santa Catarina), Mikatreta, Ressonar (Chapada Diamantina), Kubik (balada pop up de Berlin), 1010 (BH) , Reverse (Recife). Recentemente, ele se apresentou no aclamado festival Coquetel Molotov.

ORIGENS

Entropia iniciou nos acordes musicais pela escaleta até chegar na guitarra, no baixo, piano e violão a partir dos oito anos. “A guitarra é essencial para compor pelo fato de eu ter muito mais habilidade motora para tocá-la do que qualquer outro instrumento. Eu consigo pensar numa progressão de som e traduzir nisso pela guitarra. Assim é mais fácil do que utilizando o computador. Muitas vezes, meu processo criativo começa na guitarra e a partir daí evoluo para a parte sintética, desenho as notinhas no computador, tudo bonitinho. Antes até usava mais guitarra no live… mas eu gosto desse elemento estranho, na real”. Matheus também cita a banda alemã de Krautrock NEU! na lista de influências sonoras.

PERNAMBUCO

Os ritmos folclóricos nordestinos estão presentes no DNA dele. Filho do cantor China, com quem se apresentava tocando guitarra até pouco tempo atrás, ele cresceu no rico universo musical de Pernambuco. No clipe da música Canção que não Morre no Ar, é possível ver Matheus pequenino aprendendo escaleta com o pai.

“Todo fim de semana, eu ia para Itamaracá com meus avós. Dançar na ciranda da Lia fizeram eu me sentir pela primeira vez imerso numa espécie de pista”.

Entropia também atua na curadoria da RÁDIO VIRUSSS, lançou um single pela coletânea do selo Ballet Fractal e trabalha em outro EP, previsto para ser lançadono início de 2018 pela Sweetuf Records. Através de sintetizadores, pedais e drum machine, Entropia traz uma sonoridade que mescla grooves orgânicos, percussivos a elementos industriais e minimalistas.

O Estúdio Margem produziu as artes do EP utilizando desenhos feitos à mão por amigos quando eram crianças.

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