Existe Pós-Britpop?

Novo Rock inglês poderia ser considerado extensão do estilo?

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Lá na Faculdade de História, a gente aprende várias coisas importantes, várias verdades decisivas, que nos ajudam a compreender melhor o tanto de informação truncada que vemos por aí. É uma complementação às vezes cruel para o jornalista, que é naturalmente ensinado a manipular palavras e detalhes, de maneira a criar situações e ampliar – ou diminuir – o impacto destes dados sobre o leitor. Querem um exemplo? O rótulo Pós-Britpop. Não existe. Há condições históricas que permitem notar o surgimento de um grupo de artistas ingleses no início dos anos 1990, que, através da imprensa, foram agrupados num rótulo capaz de abraçar uma diversidade de propostas estéticas surgidas na mesma época, com uma mesma função.

A partir daí, temos o que se chamou de Britpop. E ponto final. Além disso, o próprio “movimento” Britpop é algo discutível sob o ponto de vista artístico, ainda que possamos admitir certa coerência na coisa toda. E a duração disso tudo foi curta, não chegando a dez anos. A partir de determinado momento, já não havia mais Britpop sendo feito na Inglaterra. Se a legitimidade do próprio Britpop enquanto uma força criativa no Rock é questionável, o dirá uma tentativa de forjar uma releitura dele, supostamente empreendida hoje em dia, por bandas da Velha Ilha? Vamos ver a razão para o ceticismo do articulista ranzinza.

Se há algo que é legítimo no Britpop é a sua origem. No início dos anos 1990, a Inglaterra vivia duas realidades. A primeira, menos grave, era a presença massiva de artistas americanos nas listas dos mais ouvidos e mais vendidos do país. Os jovens ingleses ouviam muito mais Rap e Grunge que qualquer banda ou artista local, numa cena que abraçava os grupos do fim dos anos 1980, que misturaram influências eletrônicas ao Rock Alternativo britânico, criando algo chamado Acid Rock pela imprensa na época. Era a vez dos grupos de Manchester, The Stone Roses e Happy Mondays à frente, definindo um novo Rock Psicodélico, tendo ecstasy como combustível químico preferencial nas grandes festas e eventos celebratórios. Ainda que houvesse um bom número de artistas interessantes nesta onda pós-lisérgica, não houve poder de fogo nesta cena para modificar algo em termos mercadológicos. Era preciso algo maior para trazer de volta o interesse dos jovens.

A segunda realidade vivida pelos ingleses no início dos anos 1990 era a chegada do neoliberalismo globalizante, na euforia da nova década, do alardeado fim da experiência socialista nos países do Leste Europeu, da criação da União Europeia, do fim do governo Thatcher, eventos que aconteceram condensados em dois, três anos, afetando o país de diversas formas. Não de maneira intencional, não como algo planejado, mas um grupo de bandas, então já atuantes nos subterrâneos, em busca de espaço para tocar, empreendia, cada uma à sua maneira, alguma revitalização de elementos musicais extremamente ingleses, surgidos no passado recente ou distante, entre eles, o Glam Rock de David Bowie, o Rock sessentista de The Beatles ou a introspecção sentimental de The Smiths. Não demorou para que uma destas bandas subterrâneas fosse contratada e cravasse uma canção nas paradas de sucesso mais alternativas. De uma forma inconsciente, boa parte da juventude inglesa da época esperava por algo assim. E tal momento chegou em 1992, quando dois singles varreram as rádios do país: “The Drowners, de Suede (debutando) e “Popscene” de Blur (soltando o segundo disco, mas já na estrada desde o fim da década anterior). A capa da revista Select de abril de 1993 mostrava o Brett Anderson, vocalista de Suede, com uma bandeira britânica e a frase “Yanks, go home!”. O resto é história.

Se houve um marco inicial, houve um canto de cisne no Britpop. Enquanto existiu, entre 1993 e 1998, o estilo serviu ao propósito de revelar artistas novos e falar de um cotidiano muito inglês, que parecia deixado sob o tapete até então. Puxados por Oasis, Blur e uma horda de bandas de todos os tamanhos, os jovens ingleses lotaram estádios, compraram discos, exaltaram novos ídolos, seja ouvindo as letras que compunham, seja colocando posters na parede do quarto. Oasis, inclusive, ao lançar seu segundo álbum, What’s The Story Morning Glory, em 1995, conseguiu cravar uma canção na posição de hit mundial, a saber, Wonderwall. Outra, Don’t Look Back In Anger, chegou bem perto disso. Mesmo assim, não é possível dizer que as bandas inglesas desta época obtiveram muita fama, público e projeção fora dos domínios territoriais.

Esta curta duração do Britpop se confirmou por várias frentes e discos, em 1997. O lançamento do terceiro disco de Radiohead, OK Computer, apontava para uma nova temática para as bandas inglesas em atividade: a percepção da tristeza pré-milênio, da perda de fé no futuro, da distopia total. O abandono de Blur em relação às crônicas do cotidiano inglês, sua mola mestra até então, ao lançar um álbum homônimo (o quinto da carreira), com muitas influências do Rock Alternativo americano. Os terceiros álbuns das carreiras de The Verve e Oasis, que, por motivos distintos, apontaram para o esgotamento de assunto, sendo que o primeiro, Urban Hymns, continha um hit mundial, Bittersweet Symphony, enquanto o segundo, apesar de muito bem feito e com valor ainda não reconhecido, mostrava uma banda cansada, drogada e megalômana no estúdio. Com a chegada de uma nova geração de bandas, Travis, Coldplay, Muse e Elbow à frente, o Britpop estava, definitivamente encerrado.

“E por que estava encerrado?”, você perguntará. Por vários fatores, especialmente, a mudança do momento histórico. Se no início dos anos 1990, o panorama era de mudança de paradigma na Europa, o começo dos anos 2000, do novo milênio, é de afirmação da União Europeia, do atentado de 11 de setembro, de guerra ao terror, de paranoia mundial. Por outro lado, é tempo de intensa demanda tecnológica, de alterações essenciais nas formas de ouvir e apreciar a música popular, sobretudo com o gradativo enfraquecimento da indústria musical através da difusão dos formatos digitais e dos nascentes serviços de streaming. A gente pensa que esses fatores da vida cotidiana existem à parte, mas estamos errados. Tudo isso influencia decisivamente a possibilidade de reflexão mínima para compor, gravar a lançar música e não foi diferente com as bandas inglesas, novas e velhas.

O Rock estava dividido no início dos anos 00. De um lado do Atlântico, The Strokes e The White Stripes protagonizavam uma cena em que o estilo era levado à virada dos anos 1970/80, enfatizando uma música vibrante, enguitarrada, básica. Do outro lado, Radiohead e seus filhotes, Coldplay, Travis, Muse e Keane, vinham com a responsabilidade de manter a relevância da década anterior, mas optaram por caminhos distintos. A banda de Thom Yorke entregou-se ao experimentalismo, que veio sob a forma de vários álbuns eletrônicos, mantendo a onda distópica inaugurada lá atrás. Coldplay e Muse enveredaram pelo popficação desta matriz, levando a música de Radiohead a passear por horizontes menos herméticos e, mais importante, com grande aceitação do público. Uma escala abaixo vieram Travis e Keane, que, mesmo populares, não abriram mão de certa dose de experimentação e relevância em seus trabalhos. Atrás dessa gente, uma grande quantidade de bandas estava nos mesmos subterrâneos da Velha Ilha, em busca de chances para tocar e acontecer. Grupos influenciados justamente pelo downsizing que formações americanas haviam promovido no Rock, com destaque para The Libertines, Bloc Party, Franz Ferdinand, Kaiser Chiefs, Arctic Monkeys, Klaxons, The Kooks e Kasabian.

Ainda que estas bandas tenham conexões óbvias com o cotidiano da vida na Inglaterra de hoje, não dá pra falar que elas ou as que estão agora nos subterrâneos, sejam parte de algum movimento estético ou temporal nítido, como foi o Britpop. Pelo contrário, a música popular de hoje não parece, pelo menos por enquanto, afeita a qualquer setorização desta natureza, caminhando para uma direção em que existem artistas encontráveis na grande mídia e artistas encontrados nas mídias alternativas, fornecendo assim, indicadores de qualidade, visibilidade e relevância totalmente subjetivos. Claro, sempre houve gente nos holofotes e fora deles, mas hoje, com a ampliação do alcance da mídia, pouco sobra de diferente ou imprevisível nesta ordem. Pode ser que mude logo, ou não. O fato é que as bandas do Britpop original estariam hoje inseridas, caso surgissem agora, num grande rótulo chamado “Música Alternativa Inglesa”. E passa a régua.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.