Falando na Língua de Talking Heads

“Speaking In Tongues”, maior sucesso comercial do grupo, é a prova que a banda estava à frente de seu tempo

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Sabe aquele disco lançado há algum tempo que você carrega sempre com você em iPod, playlist e coração, mas ninguém mais parece falar sobre ele? A equipe Monkeybuzz coleciona álbuns assim e decidiu tirar cada um deles de seu baú pessoal e trazê-los à luz do dia. Toda semana, damos uma dica de obra que pode não ser nova, mas nunca ficará velha.

Speaking In Tongues

David Byrne sempre sabe muito bem o que está fazendo. Em seu livro Como Funciona A Música, o líder do famoso grupo Talking Heads explica os pormenores da indústria enquanto usa sua história como pano de fundo para familiarizar e mostrar ao leitor que o autor tem gabarito para criar a obra que está sendo lida. Talvez o grande valor do livro resida justamente nas experiências pessoais do músico – principalmente quando vislumbramos o mundo atual com Indie como estilo bem estabelecido na música.

Shows pareciam um conceito ultrapassado para Byrne, uma banda tocar ao vivo em um ambiente minúsculo para as mesmas pessoas não fazia sentido. Nascido no cerne de um movimento cultural importante na cidade de Nova York, Talking Heads surgiu quando o Punk despontava na famosa casa CBGB, mas seguia um caminho oposto. O som, longe da coléra, era dançante e tinha toques de novidade. O que viria a ser conhecido como New Wave disputava espaços semelhantes e públicos nada receptivos, mas, mesmo assim, o grupo conseguiu subir aos poucos na cena local e alcançar novos ouvintes. Indo no sentido contrário do que rolava pela cidade, David pensava em criar espetáculos ao invés de concertos – apresentações que tivessem um conceito por trás, seja na escolha das vestimentas ou por trazer dançarios e jogos de luzes bem pensados.

Speaking In Tongues(1983), maior sucesso do grupo e quinto disco em sua discografia trouxe novamente esse lado performático aos palcos , mas também é o trabalho que se estrutura perfeitamente dentro da sonoridade particular de David e companhia. Viciado em músicas periféricas, como a africana, Byrne imaginou um som que pudesse se comunicar em diferentes esferas musicais sem se tornar especifíco e quis encontrá-lo globalmente através de uma vertente do Rock. A sensação ao ouví-lo atualmente é semelhante a escutar uma playlist do Spotify: passamos por diferentes gêneros, gostamos de tudo e não precisamos nos prender a nenhum elemento de sua história musical para que a sua audição soe natural.

É fácil entender a importância posterior do grupo na indústria como um todo: quantos shows não se tornaram espetáculos para emocionar um público mais amplo? Pull Up The Roots, por exemplo, é certamente uma faixa que influenciou LCD Soundsystem – sua levada Eletrônica e dançante traz o toque incisivo que sempre esteve presente no som da banda de James Murphy (e seu selo musical DFA). O lado esquisito de Byrne – que o fez dividir um ato com St. Vincent – aparece em Making Flippy Flippy, enquanto I Get Wild é a versão do banda para o que poderia ser “Reggae”.

Batidas upbeat, talvez a principal característica de Talking Heads, surgem em Girlfriend is Better e Moon Rocks, sendo dificil entender a existência do Indie Rock em suas vertentes dançantes se esse disco não tivesse sido lançando. Apesar de Pop em diversos aspectos, a voz de Byrne nunca foi objetiva como o status quo exigia nos anos 1980 e tampouco a sonoridade pode ser considerada “popular’. Em compensação, o resultado era perfeito para que seus concertos se tornassem verdadeiros bailes que deixavam seu público em transe, semelhante à música africana estudada pelo vocalista. Logo, o disco soube explorar o que já estava sendo desenvolvido na carreira da banda tornando-o ainda mais potente. Se sua audição fosse justificada com duas músicas, Burning Down The House e This Must Be The Place, dois dos maiores hits do grupo, poderiam ser escolhidas. No entanto, Speaking In Tongues é um trabalho que faz ainda mais sentido quando apreciado algumas décadas após seu lançamento e mostra que David e seu bando sabiam muito bem o que estavam fazendo.

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ARTISTA: Talking Heads
MARCADORES: Fora de Época

Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.