Feist: Prazer em Recebê-la

Cantora canadense lança álbum “Pleasure” em abril e expectativa só aumenta

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Terminei de ouvir Pleasure, novíssima canção lançada por Leslie Feist, faixa-título de seu quinto álbum, com previsão para o fim de abril. Refleti sobre a vida, olhei para o vazio e pensei: PJ Harvey, é você? Tamanha mistura de emoções, alternância de intensidade e desejo de expressão só poderiam, hoje em dia, vir de cantoras que seguem esta escola, na qual a querida Polly Jean é pós-doutora. Mas não, era Feist, de um jeito inegavelmente seu, a adentrar os portões deste terreno. Nada poderia ser mais bem vindo, uma vez que a canadense é uma artista de extremo talento, na boa tradição de mulheres cantantes deste início de século. Mesmo assim, ainda que a canção seja inegavelmente feistiana, há um aceno interessante em relação ao porvir e este é nosso assunto aí. Que Feist é essa que vem aí?

A comparação com PJ é inevitável e aponta, sim, para um provável disco muito mais “terreno” do que os outros que integram a carreira de Feist. Meu preferido é o terceiro, The Reminder, lançado há, caramba, dez anos. Foi também o trabalho que levou a canadense à visibilidade maior, um pouco além dos limites do underground mundial. Ela se firmava como uma artista capaz de misturar acústico e eletrônico em nome de uma musicalidade de origem alternativa, mas com potencial para grudar no ouvindo. Ainda assim, pela sutileza, por uma beleza convencional de melhor amiga pela qual nutrimos amor platônico, ela se impôs e despontou. Há neste álbum várias canções legais como The Limit To Your Love (que dediquei à minha futura esposa na época), I Feel It All e a docinha 1234. Mesmo que haja uma proximidade elegante com um Pop classudo e aveludado, era possível ver que Feist, ao compor todas as canções, produzir o álbum e tocar piano, baixo e guitarra, não era só mais uma voz a surgir.

Uma olhada para os discos anteriores só comprovava que a moça não era apenas mais uma a disputar um lugar no desfile interminável de vozes e rostos que a mídia coloca pra jogo todos os dias. Ali estava uma cantora com mais de dez anos de labuta na cena alternativa canadense e uma participação no celebrando combão underground Broken Social Scene, que surgiu como referência de música independente no início do milênio. Houve espaço até para emplacar um hit bonitinho entre os não alternativos, a fofa Mushaboom, que se tornou tema de propaganda de perfume nos canais da TV a cabo. Havia, portanto, uma artista em formação avançada, com dotes inegáveis, carisma e que seria afofada por gente graúda, de Wilco a Kings Of Convenience, passando por participações até em álbum comemorativo do programa The Muppet Show.

O ponto de mudança talvez tenha vindo com o lançamento do álbum de 2011, o impressionante Metals. Nele, já não há muitos traços da Feist fofa e doce de The Reminder, mas um mulherão que surgia em meio ao batismo de fogo de desilusões, solidão e todos os males do mundo líquido de hoje. Canções maiores que a vida vinham enfileiradas, uma após a outra, desfilando uma maturidade pé no chão/pragmática em relação a tudo. Destaque absoluto para coisas como How Come You Never Go There, na qual há espaço para um tangenciamento R&B com vocais de apoio e metais discretos, num senso de comunhão perplexa diante da pergunta não respondida do título. The Bad In Each Other, a faixa de abertura, igualmente bela e sentida, teoriza sobre nossos lados negros da Força e como lidamos com eles quando vivemos a dois. E o quanto isso vai desmanchando qualquer imagem positiva possível. No meio do caminho, um autêntico Blues moderno encarnado em Caught A Long Wind, um lamento no meio do deserto de possibilidades da alma entristecida.

Olhando de forma teleológica para a carreira de Feist, é possível cravar que Pleasure tem tudo para ser uma ampliação da perplexidade muda de Metals, com ênfase numa força interior que compele a pessoa a praguejar e se reconstruir ao mesmo tempo. Tem tudo para ser um disco de acerto de contas, confessional e forte, como se Feist estivesse disposta a mostrar uma série de motivos para desistir e viver isolada no alto de uma montanha, mas, ao optar pelo contrário, enfrentou toda sorte de cacetadas emocionais. Podemos esperar por mais da Feist mulherão, às voltas com o incêndio de …E O Vento Levou do que sua versão comédia romântica noventista com classe. As apostas estão abertas.

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ARTISTA: Feist

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.