Feito de funk, D’Ogum

Em novo EP, rapper paulista resgata gênero musical para cantar sobre suas origens; “Vem com esse papel de unir duas gerações e fazer com que elas conversem – é um som com uma linguagem antiga, mas roupagem moderna”

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Fotos: Vítor Manon

O disco chama Feito de Funk e chega com uma capa ensolarada e litorânea, com seu título dourado reluzindo na composição. Mas se, a partir desses códigos, a expectativa do ouvinte é encontrar um batidão, um pancadão, a primeira faixa já situa nossos ouvidos em outro lugar: o do funk como esse termo nasceu na música, aquele derivado do soul e R&B, o som grooveado do baixo com a percussão ao fundo. Como é de se imaginar, esse breve plot twist era exatamente o que D’Ogum queria com o EP, produzido por Vibox e com contribuições de Meg Pedrozzo, Nego Iego e Anark.

“Toda vez que eu estou em um Uber e me perguntam o que faço, digo ‘faço música, escuta o meu disco’, aí ‘qual o nome do seu disco?’, ‘é Feito de Funk’, aí as pessoas que não gostam e têm preconceito já fazem uma cara assim”, contou ele ao Monkeybuzz, “aí eu dou uma insistida – ‘não, dá o play aí’ –, e é muito interessante como elas tomam um susto, porque não estavam esperando esse tipo de música. ‘Isso é funk?’, ‘sim, isso é funk’”.

Nas plataformas de streaming desde julho, o EP é o primeiro lançamento de Lucas Sousa da Silva sob o nome D’Ogum desde Do Banzo ao Orun, seu álbum de estreia, de 2019. Este novo trabalho distancia-se do rap e hip hop de outros momentos da carreira, como nos grupos Universo Paralelo e Projeto Preto. A proposta de Feito de Funk é um passeio simultâneo pela história do gênero e, em paralelo, pela vida pessoal de Lucas.

“Comecei sendo MC de funk paulista mesmo, depois que conheci a cultura hip hop e me debrucei sobre o rap, que comecei a usar como ferramenta de trabalho mesmo”, explica ele. “É algo que atravessa a minha pessoalidade, e atravessa a pessoalidade do ritmo até chegar ao Brasil. Porque, em questão rítmica, ele era completamente diferente nos Estados Unidos do que temos hoje por aqui – que chegou como Miami Bass e depois foi ganhando características sonoras do nosso próprio território mesmo, fazendo também uma morada rítmica nas religiões de matrizes africanas, como nos pontos de candomblé. Isso se relaciona totalmente com a minha história, porque houve um momento na minha vida em que o candomblé chegou também”.

“Percebi que os mais velhos da cultura hip hop na minha bolha estavam meio desligados do que rola na atualidade, e os mais novos também meio desligados com o que já foi um dia. Esse disco vem com esse papel de unir essas duas gerações e fazer com que elas conversem. É um som com uma linguagem antiga, mas roupagem moderna”

Filho de nordestinos, nascido e criado em São Bernardo do Campo (na Grande São Paulo), D’Ogum comenta ser muito curioso e interessado em conhecer “as origens das coisas”, o que serve tanto à música, quanto à existência. “Como sou um músico desbravador, o primeiro da minha família, olho para a história da música negra e, para mim, isso é um prato cheio. Fazendo um disco como esse, vejo outras possibilidades e me brilha muito os olhos. Quero aprender, quero mergulhar em outras possibilidades”, conta ele. D’Ogum destaca que o disco vem também como uma proposta de pesquisa, uma busca por origens musicais e culturais, com a qual ele deseja percorrer em outras linguagens. “Como trabalho com cinema, tenho um grande objetivo de fazer um filme sobre esse disco, de explorar outras formas literárias e somar com outros artistas de outras áreas para falar sobre esse projeto”.

Lucas, aos 25 anos de idade, diz que observou sua “bolha” e notou certa desconexão entre gerações, o que aguçou a criatividade e despertou o desejo de amarrar o conceito do repertório. “Percebi que os mais velhos da cultura hip hop na minha bolha estavam meio desligados do que rola na atualidade, e os mais novos também meio desligados com o que já foi um dia. Esse disco vem com esse papel de unir essas duas gerações e fazer com que elas conversem. É um som com uma linguagem antiga, mas roupagem moderna. Com um mês de lançamento, já consigo identificar que ele conversa com as duas gerações”.

Para os ouvidos contemporâneos, Feito de Funk segue algumas tendências que estão até mesmo no mainstream hoje em dia: “Você vê Anderson .Paak e Bruno Mars com essa pegada funk também, que é sensacional, a própria Beyoncé que trouxe [em RENAISSANCE] também essa e outras propostas. Para quem não planejou, para quem não analisou mercado nem nada, só fez, eu estou achando o máximo, porque, querendo ou não, isso aproxima as pessoas do meu som”. Sobre seus contemporâneos, ele diz: “A maioria das pessoas da minha idade está fazendo o que está em voga mesmo, roupagens mais novas, como o trap. Eu gosto de escutar, mas, para fazer… estou em outro momento”.

E como tem sido a resposta a Feito de Funk desde seu lançamento, há cerca de um mês? “A reação das pessoas, mano, tem de tudo”, D’Ogum responde. “Pessoas que já acompanhavam meu trabalho esperavam a mesma linha de narrativa, o mesmo tipo de som, tomaram um susto. Algumas delas estranharam, mas a grande maioria gostou muito dessa nova proposta. E eu tenho recebido isso de pessoas mais velhas – o que tem me agradado muito –, que estão entrando em contato para falar que esse som trouxe memórias de suas adolescências, dos bailes black, todo esse fervor que o funk foi lá atrás. E muita gente nova vem dizer que gostou, que se identificou e que é algo muito diferente do que está saindo hoje em dia, principalmente no nicho que eu faço parte, que é o rap, o trap e suas vertentes. Essas pessoas mais novas falam ‘meu falecido pai ouvia esse tipo de música, ela me traz uma nostalgia’. Acho que a palavra que marca esse retorno do meu trabalho é nostalgia”.

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ARTISTA: D'Ogum

Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.