Festival Bananada 2017: Ponto de Encontro da Nova Música Brasileira

Evento goiano mostra-se imperdível para quem quer entender o som feito no país hoje

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Fotos: Fotos: Rodrigo Gianesi

Ano após o ano, o Festival Bananada só cresce – também em número de palcos e bandas, mas, principalmente, em importância no cenário de festivais de música no Brasil e no coração de fãs e profissionais do meio. O festival de Goiânia deixou de ser há muito tempo um mero evento na cidade para se tornar um grande acontecimento no ano. Com 19 anos de idade, soube se reinventar diversas vezes e aproximar públicos que outrora poderiam não ser adeptos ao Rock, mas que sempre gostaram de música – sem nunca se esquecer que é, sim, um festival que respira o estilo que abraça sua cidade de origem.

Se a programação principal que acontece no fim de semana é quando o Bananada alcança seu maior público, diversos showcases espalhados pela cidade ao longo da semana tornam-se o momento em que novas descobertas e pequenos palcos se revelam. Nomes como My Magical Glowing Lens, Supervão, Ombu, Papisa, Miêta e Peixefante apareceram somente durante esse período, transformando algumas casas da cidade em palcos para selos, coletivos e agentes musicais mostrarem seu trabalho, como Honey Bomb Records, Balaclava Records, Dia da Música e PWR, para citar alguns. Um aquecimento tanto para a audiência do festival como também para as próprias bandas, que se veem empenhadas em mostrar seu trabalho para estar na programação principal no futuro.

My Magical Glowing Lens

Ao mesmo tempo, existe a possibilidade de novas interações acontecerem, como a impressionante divisão de palcos, em uma plena quarta-feira, entre Ventre e E a Terra Nunca Me Pareceu Tão Distante, que transformaram-se em uma superbanda em um pequeno teatro – um dos momentos mais marcantes de todo o evento. As duas bandas, aliás, fizeram concertos elogiados na sexta-feira e mostraram que tem dois dos shows mais poderosos e viscerais no Brasil atualmente.

E A Terra Nunca Me Pareceu Tão Distante + Ventre

A realização do Bananada para o grande público aconteceu, de verdade, na quinta-feira quando a cultura e a música de Goiânia foram colocadas em primeiro plano. A Orquestra Filarmônica de Goiás, Rollin Chamas (um ícone histórico dentro da cena roqueira da cidade) e Boogarins, seu filho prodígio internacional, fizeram apresentações gratuitas no Centro Cultural Oscar Nieymeyer – três shows bem distintos, mas que abriram as portas para um evento que já revelava-se diferente do que estamos acostumados. Cervejas e bebidas com preço abaixo do normal, água de graça e banheiros decentes de verdade (distantes do padrão “químico” visto em qualquer evento de grande porte) tornavam o festival aconchegante mesmo com uma capacidade para 10 mil pessoas.

Boogarins

O destaque da noite ficou por conta de Boogarins, que, mesmo sendo uma banda local, não toca com tanta frequência na cidade, o que torna cada novo concerto um novo acontecimento na cidade. Com novas músicas, recursos e possibilidades, o grupo mostrou a versão em português de sua última música, A Pattern Repeated On, e fez para muitos o seu melhor show em Goiânia. Nele, o público entrou de um jeito e saiu de outro completamente diferente, tamanha a viagem e alcance de suas composições em uma apresentação flexível que tenta improvisar e desconstruir-se sempre.

Luziluzia

Na sexta-feira, com todos os palcos disponíveis, era possível ter noção de como as coisas rolariam daqui pra frente: Chilli Beans e Skol trazendo os maiores shows, enquanto Slap e Spotify/Casa do Mancha – estes pontualmente localizados um em frente ao outro – com os nomes “menores”, mas com uma programação de fazer inveja a qualquer festival no país. A partir das 23 horas, Slap tornava-se El Club, mostrando a nova cara do Bananada: o flerte inevitável e importante com a Eletrônica, gênero musical que cada vez mais vai tomando os grandes centros do Brasil. Nomes como Selvagem, Cersv, Jaloo e o goiano Neguimbeats passaram pelo pequeno “clube”, enquanto Aeromoças e Tenistas Russas mostraria no palco Chilli Beans seu novo repertório Eletrônico, com ares diferentes que parece colocar o grupo no lugar certo.

Raça

Brvnks

O Palco Spotify/Casa do Mancha abrigou na sexta-feira (e no Bananada como um todo), os melhores e menores concertos. Passaram por ali Raça (em sua primeira e ótima aparição em festivais), Luziluzia – a banda com “menos ensaio de Goiânia”, mas talvez com o maior talento local ao dividir músicos de Boogarins e Carne Doce -, que mostrou que seu novo EP com baladas sensuais e composições íntimas, E A Terra Nunca Me Pareceu Tão Distante e os pais de uma Psicodelia própria, Hierofante Púrpura. Nos outros dias, a programação trouxe Ultravespa (banda de Fernando Almeida, vocal e guitarra em Boogarins), JP Cardoso (projeto solo de músico mineiro com uma formação com Diego Valentino, ex-Supercordas no baixo, e Mancha na bateria), Luiza Lian, em um performance audiovisual que ganhou o posto de melhor show do festival para muitos, Tagore, El Toro Fuerte, Brvnks, Koogu e Wry – ou seja, quem desejasse poderia ficar nesse palco para entender como a nova música brasileira está se transformando. Terno Rei e Clearance, dois nomes que se apresentaram no gigante palco Skol, fizeram bons concertos para os novos fãs de Indie e, mesmo dominando suas performances, poderiam ter feito melhor proveito de uma ambientação mais intimista.

Terno Rei

JP Cardoso

E a Terra Nunca Me Pareceu Tão Distante

No entanto, não seria um festival com essa capacidade se não houvessem os grandes nomes. BaianaSystem, Liniker e os Caramelows, Céu, Karol Conká, Tulipa Ruiz, Far From Alaska e Mano Brown, além de Os Mutantes (que, mesmo sendo uma banda de Sérgio Dias, movimentou um grande público no sábado), mostraram que os headliners conquistam bastante o público local. Se não existe tanta novidade em alguns destes nomes figurarem atualmente na programação de festivais (com exceção de Brown, que iniciou sua turnê naquela semana), suas apresentações sempre são experiências distintas e ótimas – sendo BaianaSystem o momento apoteótico e necessário em qualquer festival. No entanto, uma das coisas mais bonitas no Bananada 2017 foi perceber como as bandas locais trazem públicos tão grandes quanto os headliners.

Liniker

Mano Brown

Boogarins já havia lotado a quinta-feira, mas Carne Doce parece seguir igual escalada de evolução e mostra-se um nome tão forte quanto localmente. Movimentando um impressionante público que cantava a maioria das músicas e se aglomerava no Palco Skol, a banda fez um show que finalmente se tornou menos burocrático e mais performático, deixando a inocência de lado para se colocar no papel merecido de destaque. A vocalista Salma Jô, por exemplo, está cada vez mais solta e desinibida quando sobe ao palco, sendo ela o epicentro necessário para fazer tudo girar e ter sentido. Outra apresentação goiana imensa foi o “duelo” entre Hellbenders e Black Drawing Chalks – esse último sendo um dos que ajudaram a definir o que é um show de Rock na cidade -, que fizeram um espetáculo digno de arenas. A escalada e o público para as bandas locais só mostra o respeito e o celeiro de talentos que surge constantemente na cena local.

Carne Doce

Far From Alaska

Por fim, vale ressaltar a grande participação e protagonismo feminino no Bananada 2017. Seja através da escolha de nomes que já trazem o imediatismo necessário em suas letras – como Ventre e Carne Doce – ou por colocar Céu, Karol Conká, Maria Gadu, Tulipa Ruiz, Far From Alaska, Brvnks, Luiza Lian e Bruna Mendez, entre outras cantoras, em grandes ou pequenos palcos, o festival soube dialogar muito bem com uma questão tão importante e não poupou esforços para destacar as mulheres, papel que eventos como o Coquetel Molotov de Recife vem desempenhando tão profundamente em suas edições e que parece criar frutos positivos pelo país. Se tais nomes não fossem o bastante, Rakta e Teto Preto roubaram os holofotes ao trazer os concertos mais chocantes de domingo – a primeira com uma apresentação rubro-enevoada viajante e a segunda ao colocar a vocalista Angela Carneosso nua no palco em uma performance inesperada pelo grande público.

Céu

Teto Preto

Karol Conká

A experiência do Bananada, do começo ao fim, é necessária e fundamental para a cena musical brasileira ao se tornar, nos últimos anos, o ponto de encontro de novos e renomados artistas, profissionais da música e, principalmente, fãs de música de todo o Brasil. Se a aproximação ao universo Eletrônico parece trazê-lo as novas tendências musicais no país, o Hip Hop é um gênero que deveria ter ainda mais papel na programação, dado que uns de seus headliners, Mano Brown, foi uma nome quase solitário entre as atrações (apenas Síntese e Moita fizeram um showcase junto ao selo Risco durante a semana). Poucas cidades tem tamanha capacidade de juntar um público jovem e sedento por shows como Goiânia, algo nitidamente notado pelo número de festivais de diferentes estilos que passam pela cidade e que trazem milhares de pessoas. Ainda assim, se for para conhecer música nova, o Festival Bananada destaca-se além dos demais e mostra-se o local certeiro na capital goiana.

Luiza Lian

Este artigo foi escrito com as imagens e olhares compartilhados do fotógrafo Rodrigo Gianesi.

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Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.