Festival DoSol – Celeiro da Música Potiguar

Evento mostra sua importância para região e amplia seus horizontes pelo Nordeste

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Fotos: Anderson Silva e RadaR

Um festival de música torna-se importante e permite sua continuidade quando encontra o seu propósito. Divulgar uma cena local, criar um evento interessante e desenvolver um formato que possa divulgar ao máximo a sua ideia são algumas das possibilidades para encontrar esse “sentido”. Muitas vezes, não é o bastante para tornar um conceito em realidade. Pela primeira vez, o Monkeybuzz pôde estar presente em um dos eventos da categoria mais importantes do Brasil, o Festival DoSol, que mostra-se um celeiro e fomentador de novos talentos em seu estado de origem, Rio Grande do Norte, próximo à sua décima edição.

Desta vez, é muito mais do que um evento no RN, já que multiplicou-se além das fronteiras e encontrou novos lares em mais de dez cidades do Pernambuco, Paraíba, Alagoas e Bahia. Muito além do seu fim de semana de abertura entre os dias 6 e 8 de Novembro em Natal, o festival só irá acabar no dia 28/11 na paradisíaca Fernando de Noronha.

Formato

A sua edição conceitual ocorre em Natal nos arredores da região portuária da cidade. Semelhante à arquitetura de centros históricos de cidades brasileiras, a rua Chile e seus paralelepipedos fazem qualquer um se sentir em casa e tornam o formato do festival extremamente interessante. A rua é fechada e suas casas de shows tornam-se partes integrantes do festival com uma programação gigantesca que obriga os seus visitantes a dividirem suas atenções entre as diversas atrações, caso queiram ver tudo (o que é algo praticamente impossível). Logo, nada de ficar parado em um só lugar para ver seu artista favorito, pois a movimentação é a chave do evento ao redor de seus cinco palcos. Com uma programação que reverencia a música potiguar, mas abre espaço para o país e o mundo, pode-se ver de tudo um pouco.

Diversidade de Estilos

Na sexta-feira, 06, a programação se resumia ao Centro Cultural DoSol e bandas de Rock Alternativo. Passando do Noise ao Hardcore, do Instrumental ao Indie Rock, o dia parecia uma celebração ao estilo que encabeça o festival como um todo. Ao mesmo tempo, os outros dias revelaram que a curadoria desejava sair desse clima para trazer coisas diferentes ao evento. Hip Hop, Pop Rock e Math Rock misturavam-se em mais de cinco palcos, permitindo ao mesmo tempo diversidade a quem desejasse e foco para quem estava em busca de novas referências ao seu gênero favorito. Bandas locais, como Plutão Já Foi Planeta, Koogu, Dusouto, Camarones Orquestra Guitarrística, Igapó das Almas e Mahmed mostram que o público adotou a cena local e que o festival encontrou o seu sentido ao tornar-se o instrumento de voz para que novos nomes da região sejam descobertos.

Cena Potiguar

Pode-se dizer, com certeza, que os olhares do país para a música potiguar nunca estiveram tão focalizados, pois a cena local está fervendo bandas interessantes, com alguns novos nomes que podem despontar em breve pelo Brasil. Plutão Já Foi Planeta é um dos exemplos, provando-se um dos concertos mais abraçados e cantados pelo público presente. Seu Pop Rock é grudento, flerta com outros estilos e é extremamente necessário na cena musical atual – abriga aqueles que não estão necessariamente no festival pelo Rock & Roll, mas por outros estilos.

Já Koogu tem um pouco de Math Rock em sua mistura de referências e traz bases cíclicas em camadas para criar efeitos de crescimento e explosão. Certamente, foi um dos shows mais hipnotizantes do evento e mostra que o lado instrumental na cidade tem alguns grandes coadjuvantes. Ruido de Máquina é peso puro em sua instrumentação, uma mistura de Nu Metal e Stoner Rock, enquanto The Sinks tem um estrelada formação com João Toledo (Molho Negro) nas guitarras e vocais, Anderson Foca (Camarones) no baixo e Edimar Filho(Black Drawing Chalks) na bateria, trazendo Hardcore de essência as suas composições.

Surpresas

Dentro de uma programação tão gigantesca, alguns nomes dentro do line up mostraram-se ótimas surpresas ao vivo. Aláfia de São Paulo, por exemplo, tem referências diversas de música negra como Funk de raiz, R&B, Jazz e Afrobeat entre outros. Na verdade, é dificil definir o estilo do grupo, sendo que a mistura de culturas africanas à sua essência com uma banda de onze membros fez de sua apresentação uma intensa festa. Com letras politizadas e um repertório baseado em seu último disco, Corpura, o grupo fez um dos melhores shows do evento. Já El Efecto, banda com mais de treze anos de estrada no Rio de Janeiro, tem uma performance de palco arrebatadora, passando por vários estilos musicais, como Cumbia e Baião – elementos regionais incoporados ao Rock carioca e com um pouco mais de inclinação ao Hardcore do início de carreira de Los Hermanos. Outro com letras e protestos em seu concerto, o grupo mostrou para um público já conhecedor de suas composições, o terreno certeiro para sua volta.

Rico Dalasam mostrou que seu Hip Hop focado em questões sexuais além das desigualdades sociais comuns ao gênero possui uma voz impressionante dentro da nova geração musical. Estava em total sintonia com um dos melhores shows do DoSol: Thiago Pethit, a clara exemplificação de que a música torna-se muito maior quando realmente significa algo para seu compositor. Seu show, bastante dançante, foi surpresa para alguns e aposta certa para quem acompanha sua carreira. Aeroplano de Belém do Pará trouxe um pouco de Rock Alternativo com certas referências do Shoegaze ao evento – uma fuga ao regionalismo musical do estado – enquanto Boys Bad News tem em sua essência a vontade e a execução de Royal Blood, podendo encontrar no vácuo de seus fãs um grande potencial de divulgação de sua obra.

Melhores Momentos

Algumas bandas fizeram shows memoravéis. Thiago Pethit lotou o Centro Cultural DoSol como em nenhum outro momento e mostrou que sua atitude e identidade visual o fizeram se tornar grande dentro e fora do universo da Internet. Seu Rock Alternativo bastante trabalhado torna-se gigante no palco com sua banda (menor que usual) e foi o umas das apresentações com maior sintonia entre público e artista (com direito a mosh e beijos no público). Mahmed é da casa e seu recente desbravamento para o Sudeste do país e seu primeiro disco parecem ter trazido um reconhecimento ainda maior da audiência local. Por incrível que pareça, seu som instrumental era cantado pelos presentes através de cada riff e melodia tocada. Lê Almeida (RJ) é definitivamente uma das maiores referências em Noise no país e fez o melhor show da sexta-feira. Fuck the New School é uma as melhores músicas do ano, com certeza.

Movéis Coloniais de Acaju abandonou o seu último e questionado disco para abraçar os hits do passado, transformando seu show em um verdadeiro carnaval. Já Igapó das Almas, outra banda que apareceu em nossa coluna Ouça, fez um dos concertos mais espirituais do festival ao mostrar zelo e cuidado aos detalhes instrumentais (o uso de instrumentos inusitados no palco como um berrante chamou atenção). Em relação ao Rock e suas vertentes, a banda paulista Magüerbes fez uma apresentação arrebatadora e inesperada. O vocalista Haroldo Paranhos se livra do modus operandi tradicional de shows para ficar frente a frente ao público e no chão, longe do palco. Muddy Brothers (ES) fez um concerto lotado e foi o único resquício de Rock setentista no evento. Já Water Rats trouxe uma mistura de Garage Punk com referências mais Stoner Rock como Danzig no melhor show do contâiner instalado na rua, enquanto Dead Fish mostrou sua importância para o cenário Hardcore braasileiro no concerto mais explosivo do festival: Hits atrás de hits e um público interagindo como nunca através de bate-cabeças e invasões no palco.

Carne Doce vive um momento especial no ano ao figurar em diversos festivais longe de seu estado de origem, Goiás. É impressionante como o tempo de estrada, a maior confiança e o contato diário tão necessário a uma banda transformaram seu show aos poucos. Agora, Salma e seus companheiros permitem-se experimentar mais, explorar outras musicalidades e tem em sua imensidão de referências um elemento que traz o público ainda mais perto: a vontade em fazer todos dançarem. O ritmo da banda deixa todos, inevitavelmente, em movimento. Aeromoças e Tenistas Russas provaram que seu novo disco, Positrônico é feito para ser ouvido ao vivo. Por fim, o último show do sábado, Figueroas, foi o mais divertido de todos. Seja pela vontade natural em ser brega, pela presença de palco de Givly Simons ou por conseguir unir todos os públicos do Festival DoSol, o projeto de Lambada provou que a brincadeira está só começando.

Se o intenso fim de semana poderia categorizar o evento como uma figura obrigatória para quem curte música pelo Brasil, o desbravamento pelo nordeste prova que a curadoria está desempenhando um papel importante dentro da cena local. Permite que novos artistas surjam e adquiram público, enquanto podem compartilhar histórias com bandas que se consolidam cada vez mais no cenário brasileiro. O Festival DoSol é a prova viva que tais ações nasceram de pequenos projetos que estão colhendo seus frutos agora, e se ele nasceu como forma de sobrevivência, podemos dizer que sua continuidade deve-se ao fomento da música independente potiguar.

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Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.