FFS E O Looping Do Tempo

União de Franz Ferdinand com veterano grupo americano traz novidades em disco e shows

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Um dos lançamentos mais curiosos deste ano marca a estreia de FFS. Já ouviu falar? Grupos com iniciais remetem às grandes formações do passado, tipo CSN&Y (Crosby, Stills, Hash & Young) ou ELP (Emerson, Lake And Palmer), solenes, importantes, donas de uma mistura de inegável talento e inquestionável ego. Com o tempo, elas foram extintas ou saíram de cena, voltando ocasionalmente para lançar álbuns ou fazer turnês calcadas na nostalgia. Nada errado nisso, convenhamos. Seria então o FFS mais um caso dessa lógica? Seria uma revisitação de alguma coisa? Sim e não. A sigla entra as iniciais de Franz Ferdinand, conhecida banda escocesa dos anos 00 e uma interessante banda americana setentista, detentora de sucesso considerável na Inglaterra e nos Estados Unidos, mas que entrou para a história como personagem coadjuvante do Rock: Sparks. Sendo assim, “Franz Ferdinand and Sparks” é a assinatura por trás da sigla, a declaração de intenções que se esconde na proposta, um looping temporal, a chance de um fã se apresentar com heróis da infância/adolescência.

Alex Kapranos, líder de Franz Ferdinand, tinha dois anos quando Sparks caiu como uma bomba na Inglaterra, vindo de Los Angeles. Ali, após uma turnê pela Europa, a banda dos irmãos Ron e Russell Mael, chegava para tocar na Velha Ilha, recebendo efusivas saudações da imprensa especializada. Doidões estetas e esquisitos, o pessoal de Sparks propunha uma simpática fusão de Glam Rock com Pop radiofônico. Corria o ano de 1974 quando a banda soltou seu terceiro e mais bem resolvido trabalho até então: Kimono My House, cujo single This Town Ain’t Big Enough for Both of Us surgia como hit nas paradas inglesas, chegando ao Top 5 em pouco tempo. Isso deu ao grupo um sucesso inesperado e duradouro na Inglaterra. Dá pra ver jovens como Kapranos e seus colegas de banda, crescendo com a presença de Sparks no imaginário musical local ou mesmo Morrissey, já com 15 anos em 1974, comparecendo a shows e comprando álbuns de vinil. O fato é que Sparks nunca teve uma carreira que permitisse escapar do status de cult. O grupo teve trajetória mais visível ao longo da década de 1970, perdendo força e importância nos anos 1980, tentando ressurgir nos anos 1990 e só conseguindo algum retorno em termos de visibilidade nos anos 00, quando resolveru empreender turnês dedicadas a executar álbuns em sua totalidade.

Assim foi em 2002, quando lançou um álbum que teve enorme repercussão entre a crítica britânica, Lil’ Beethoven, o que permitiu que Sparks voltasse à rotina de apresentações, trazendo o guitarrista Dean Menta (Faith No More) entre os músicos de apoio. Dois anos depois, Morrissey surgia com uma oferta para apresentações no Meltdown Festival e Mike Patton também encontrou tempo para paparicações infinitas. Nesta mesma época, se deu o encontro com aquele pessoal de Glasgow, que surgira como um raio nas paradas de sucesso, entoando o single Take Me Out. O novíssimo Franz Ferdinand e o ainda jovem Sparks flertaram e se prometeram colaborações num futuro próximo. Dez anos depois, aqui estão eles. É bom que se diga que Sparks não parou após esse promissor início de década. Em 2009, lançou um outro aclamadíssimo álbum, The Seduction Of Ingmar Bergman, o vigésimo segundo de sua carreira. O sucesso do trabalho os levou ao palco do Festival Coachella do ano seguinte.

Mais que mera nostalgia ou revisionismo, FFS é uma junção de forças visando a produção de algo novo. É possível que a sonoridade de Kapranos e cia. influencie o jogo de cenas musical que os irmãos Mael fazem tão bem há tanto tempo. O resultado virá na forma de um álbum homônimo a ser lançado em junho próximo, com a produção de John Congleton. A primeira canção, Johnny Delusional surgiu há pouco no site do grupo e aponta para uma fusão interessante. Os teclados e vocais solenes dos veteranos irmãos americanos estão a serviço de uma levada de baixo e bateria totalmente Franz Ferdinand. O resultado lembra algo de The Killers sem o desejo de soar como U2 no deserto de The Joshua Tree. A segunda canção, Piss Off, também vai pelo mesmo caminho, turbinando com algum sacolejo contemporâneo as operetas de humor peculiar setentista. É velho com cara de novo e interessante, vai.

Com shows marcados para os próximos meses em lugares como Inglaterra (Festival de Glastonbury), Escócia, Croácia, Espanha (Festival de Benicassin) e Berlin (Lollapalooza), além do próprio lançamento do álbum, a chegada de FFS promete ser um projeto mais duradouro do que são as turnês de revisionismo ou as colaborações ocasionais. As bandas criaram algo novo, inédito e é disso que estamos sempre falando por aqui. A conferir.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.