Fuga para o campo: duplas de obras para te acompanhar no “retiro”

Siga nossas sugestões de obras – sempre uma musical e outra literária – para uma imersão bucólica

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Que tal adentrar no universo distante da atmosfera poluída e cenário caótico das cidades grandes à hora do rush? Neste artigo vamos sugerir uma folga em dose dupla e te levar para a brisa fresca e matinal típicos dos montes das Minas Gerais. Apostando no imaginário que um bom livro é capaz de criar através da escolha certa de palavras assim como o clima propício da massa sonora do querido Folk, esse artigo vai sugerir sempre uma dupla de obras para sua imersão.

As obras literárias não se prendem a um estilo determinado, embora sempre variem dentro de um bucolismo idílico mais ou menos romântico. Já os álbuns seguem uma linha estilística sempre dentro do que costumamos chamar de Chamber Folk, desde o mais tradicional até suas variações atuais. Seguindo diretamente de meu artigo anterior sobre o Folk dedilhado, mas, desta vez, um pouco mais distante do minimalismo melancólico e introvertido de Davy Graham e seus herdeiros, vamos entrar num universo do estilo um pouco distinto, ainda que correlato. O Chamber Folk, ainda que partilhe muitas coisas em comum com sua outra versão do Folk Baroque, é muito mais bucólico, atmosférico e romântico do que seu primo. Então, vamos para a aura campestre e florida das planícies com nossas duplas de sugestões :

The Byrds e Tomás Antônio Gonzaga

Embora The Byrds tenha uma sonoridade Rock herdada de Los Angeles que muitas vezes recai muito mais ao psicodélico e às suas influências britânicas contemporâneas, seu segundo álbum, Turn! Turn! Turn!, de 1965, mira assumidamente na sonoridade Chamber Folk, vocais abertos em vozes aéreas e guitarras dedilhadas que, por figurarem nos primórdios do estilo, estarão acompanhados do basilar Tomás antônio Gonzaga e sua Marília de Dirceu.

“Se encontrares louvada uma beleza,
Marília, não lhe invejes a ventura,
Que tens quem leve à mais remota idade
A tua formosura”

Joanna Newson e Catulo

Apoiada na sonoridade clássica de sua harpa e dentro de um universo primaveril, cheio de referências à símbolos de fertilidade tal qual à estação do ano que evoca, de frutos como pêssegos, ameixas, pêras e animais como cisnes, Joanna Newson em seu álbum Milk-Eye Mender e seu timbre muito particular vem acompanhado do poeta latino Catulo, no clima de seus “cem beijos e mais beijo sem fim”.

“Odeio e amo. Talvez me perguntes por quê? Não sei mas sinto que é assim, e sofro.”

Sharon Van Etten e Federico García Lorca

Afogando os desejos reprimidos nas águas outonais do rio Samsara em versão norte-americana, adentramos à neblina do estilo (caminho quase sem volta a partir de agora) com Sharon Van Etten em seu Tramp muito bem acompanhados de Lorca em sua ótima forma na reunião poética de Sonetos do Amor Obscuro.

“Não me deixeis perder o que ganhei
e decora as águas do teu rio,
com folhas de meu outono alienado”

Fleet Foxes e Raduan Nassar

Nossas duplas estão sempre habitando universos culturais distintos. Desta vez, o grupo norte-americano dos Fleet Foxes vem com seu excelente álbum de estreia homônimo, e, graças à beleza sensível da relação com o irmão evocada na canção Blue Ridge Mountains, claramente nostálgica e saudando tempos felizes que já não existem mais, vem acompanhados da obra-prima brasileira de Raduan Nassar, Lavoura Arcaica.

“Eu estava deitado no assoalho do meu quarto, numa velha pensão interiorana, quando meu irmão chegou pra me levar de volta […] ‘não te esperava’”

Bon Iver e Emily Brontë

A beleza rústica de Bon Iver e atmosfera pesada que evocam imediatamente o frio típico das regiões mais próximas aos pólos de seu álbum homônimo casam muito bem com a extrema sensibilidade com que Emily Brontë conseguiu dar vida em seu premiado romance O Morro dos Ventos Uivantes. Um suéter de lã e um bom chá preto são pedidas perfeitas para se deixar levar por uma paixão tão bela e intensa como a de Heathcliff e Catherine.

“Meu amor por Linton é como folhagem da mata: o tempo há de mudá-lo como o inverno muda as árvores, isso eu sei muito bem. E o meu amor por Heathcliff é como as rochas eternas que ficam debaixo do chão; uma fonte de felicidade quase invisível, mas necessária.”

Oliver Wilde e Paulo Mendes Campos

Nesta “bonus track”, no que se pode chamar de versão contemporânea do estilo, tipicamente heterogênea e cheia de uma mistura de elementos, mas mantendo a mesma massa sonora que nos transporta a uma atmosfera nebulosa, o dono de um dos melhores álbuns do ano, A Brief Introduction to Unnatural Light Years, Oliver Wilde vem acompanhado da obra prima do incrível cronista Paulo Mendes Campos, O Amor Acaba, por conta não só de sua ironia sutil, mas também do extremo cuidado com o acabamento da própria obra, ambos conseguem extrair de modo poético extremamente belo o que está por trás do acabamento desinteressante de nossa vida cotidiana.

“O amor acaba na poeira que vertem os crepúsculos, caindo imperceptível no beijo de ir e vir; em salas esmaltadas com sangue, suor e desespero; nos roteiros do tédio para o tédio, na barca, no trem, no ônibus, ida e volta de nada para nada; em cavernas de sala e quarto conjugados o amor se eriça e acaba.”

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Autor:

é músico e escreve sobre arte