Qual é a importância do Grupo Rumo para a música brasileira? “Por enquanto, nenhuma”, respondeu, certa vez, Luiz Tatit. Uma resposta dessas, vinda de um dos membros fundadores do grupo, pode parecer uma injustiça tremenda, mas, ironicamente, ela diz mais do que sua simplicidade sugere. Ainda que menos conhecido dentro do rótulo genérico da MPB, o grupo formado por Akira Ueno, Ciça Tuccori, Gal Oppido, Geraldo Leite, Hélio Ziskind, Luiz Tatit, Ná Ozzetti, Paulo Tatit, Pedro Mourão, Zecarlos Ribeiro é um capítulo à parte dentro da música experimental nacional.
Batizado inicialmente como Rumo de Música Popular, o grupo foi fundado em 1974 por estudantes da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo. Misturando integrantes com referências distintas (de Yes a Noel Rosa, passando por Schoenberg), o Rumo visava responder a uma pergunta valiosa e desafiadora: qual o próximo passo para a música? Envolvidos dentro da cena experimental paulistana, muitas vezes conhecida como vanguarda paulista/paulistana, o Rumo encontrou sua resposta dentro do cotidiano, na fala popular e nos diálogos que, aparentemente, não evocam melodias. Não se tratava apenas de colocar uma melodia na fala, mas lustrar e dar brilho às notas que apareciam nesta troca de palavras. As conversas entre pais e filhos, conhecidos e desconhecidos, amantes e loucos foram munição de oito discos que manuseiam essas possibilidades até as últimas consequências.
Mesmo com espírito experimental beirando o avant-garde, o Rumo também conquistou notoriedade revisitando músicas do cancioneiro popular brasileiro, mais uma demonstração da impressionante aptidão para reimaginar melodias, harmonias e estéticas. Essa seleção tem como objetivo celebrar a inventividade e a criatividade de um dos grupos mais originais da música brasileira.
“Encontro”
A abertura do primeiro disco do grupo é uma imediata representação do encontro com a canção na fala cotidiana. Entre dodecafonismo e música progressiva, é uma síntese da proposta do Rumo.
“A Pulga e a Daninha”
Apesar do experimentalismo ser a tônica, a composição do disco de estreia explora algumas das particularidades da fala dentro da canção infantil – algo trabalhado como disco completo mais tarde na história do Rumo.
“Verdadeiro Amor”
A imprevisibilidade da melodia cantada por Ná Ozzetti constrói o verdadeiro sentimento do amor. É justamente por não saber aonde esse amor vai que a canção nos emociona.
“Ninguém Chora por Você”
Com violão choroso, Tatit e Ozzetti cantam como pais aconselhando um filho que quer chorar, mas não o faz. A poesia está na união entre acordes comoventes e a defesa por um choro sem culpa.
“Carnaval do Geraldo”
Uma releitura do que seria o Carnaval para uma pessoa introvertida. No lugar do minimalismo, entram arranjos de vozes ritmados e encorpados, traduzindo inseguranças possíveis de alguém avesso a multidões.
“Seja Breve”
Em Rumo Aos Antigos (1981), o grupo reinventa arranjos para clássicos escondidos da música brasileira – sobretudo canções que se aproximam da fala cotidiana. Aqui, eles experimentam novos rumos para Noel Rosa.
“Canjiquinha Quente”
Composta originalmente por Sinhô em 1930, a canção une estridências vocais a um arranjo que poderia ser descrito como uma espécie de Novos Baianos progressivo.
“A Banda de Cá e o Bando de Lá”
Em Diletantismo (1983), o grupo incrementou suas produções, mas assegurando a proposta conceitual da fala. A primeira faixa do registro contrapõe o ritmo constante à imprevisibilidade da melodia vocal.
“Ladeira da Memória”
A canção mais conhecida do grupo é uma homenagem à cidade de São Paulo do ponto de vista daqueles que andam incessantemente pela metrópole. Chico Buarque a regravou anos depois para o documentário do Grupo Rumo.
“Falta Alguma Coisa”
Ainda dentro do cotidiano paulistano apressado, a faixa dá forma ao sentimento de ter esquecido algo e ficar remoendo na cabeça o que poderia ser – um talento único de concretizar sensações muito específicas.
“Delírio, Meu!”
Na primeira faixa de Caprichoso (1986), é possível escutar claramente as influências do rock progressivo dos anos 1970 – tanto na introdução apoteótica como nos versos quebrados e virtuosos.
“Bem Alto”
Com clipe exibido pelo Fantástico nos anos 1980, a canção denuncia, com humor ácido, como o cotidiano da metrópole redunda em descaso a aqueles que pedem ajuda.
“Canção do Carro”
Quero Passear (1988) traz o experimento da musicalização da fala a partir do viés das canções infanto-juvenis. Aqui, há uma exploração de elementos onomatopeicos com temas lúdicos – prenúncio do que viria a ser o grupo Palavra Cantada, comandado por Paulo Tatit.
“A Noite no Castelo”
Hélio Ziskind se consagraria tempos depois por compor trilhas de Castelo Rá-Tim-Bum e outros programas infantis da TV Cultura. Aqui, já é possível perceber essa estética inconfundível.
“Toque o Tambor”
A canção abre o disco mais recente do Rumo, Universo (2019), um trabalho que mantém a essência original, porém a retrabalha a partir de timbres eletrônicos e vivências do século 21.