Hip Hop, Premiações e Empoderamento

“Straight Outta Compton” explica descontentamento e polêmicas no Oscar 2016

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Se existiu uma polêmica em relação à maior premiação do cinema, o Oscar, ela está totalmente conectada com a falta de indicações a negros em 2016. Sua apresentação, conduzida por Chris Rock, teve muita ironia e farpas disparadas, mas teve também um sincero pedido por “oportunidades iguais e renovação” ao invés de simplesmente uma presença gratuita no evento. Apesar de alguma diversidade nos prêmios e discursos – Sam Smith dedicou seu prêmio de melhor canção aos homossexuais, enquanto Alejandro Iñárritu fez um discurso poderoso no qual afirma que “temos que viver em um mundo em a cor da pele importa menos que o tamanho do cabelo” -, não vimos nenhum negro subir ao palco para receber prêmios, apenas para apresentá-los. Aparentemente, a presidente da Academia, Cherryl Boone, ajudou a contornar a situação após um mea culpa em relação à questão e por direcionar o evento a rir da polêmica enquanto a satiriza.

No entanto, não faz esquecer que Concussion (com Will Smith), Os Oito Odiados (Samuel L. Jackson) e Creed (Michael B. Jordan), exemplos de películas com grandes atuações negras, foram lembradas marginalmente pela Academia. Um filme relacionado à música torna tal discussão inteligível e compreensível a todos. Straight Outta Compton – A História da N.W.A. , filme que conta a história do seminal grupo de Rap N.W.A, é o motivo pelo qual a polêmica ganha ainda mais sentido, apesar de sua singela indicação de Melhor Roteiro Original. Retratado em Compton, cidade próxima a Los Angeles e historicamente um dos pólos de disputa criminosa de gangues mais notórios dos EUA (como retratado no relato de Kendrick Lamar em M.A.A.D City), o longa poderia ser sintetizado como um discurso de empoderamento de negros com atitude (niggers with attitude, o significado da sigla no nome do grupo).

A história do coletivo nasce da discriminação e condenação da maioria da população de Compton por policiais sobretudo brancos ou “negros racistas”. Ao encontrar uma saída da situação violenta da região através da música, N.W.A começa a destituir as músicas feitas por brancos das paradas de sucesso, ao mesmo tempo em que se porta como contraventor musical. Dr Dre, Eazy-E, Ice Cube, MC Ren e DJ Yella são representados com maestria no filme e se enquadram no perfil típico de atuações cinebiográficas lembradas pela academia. A atuação de O’Shea Jackson Jr., filho de Ice Cube, como seu pai no filme é digna de uma lembrança calorosa em premiações, mas não foi sequer lembrado entre as indicações.

Através de atuações que aproximam os atores de suas contrapartidas verdadeiras, o filme ganha mais veracidade e torna-se um prato cheio para fãs de Hip Hop e música em geral se deliciarem. Toda a história do grupo funde-se com a desmitificação de um gênero marginalizado que acaba por ganhar multidões coloridas nos EUA e contraverter o status das turnês de rockstars no país através de letras que enaltecem o conflito diário de negros nas periferias norte-americanas e que mexiam com o sentimento mais profundo de seus espectadores ao vivo. Canções como Fuck The Police, Gangsta Gangsta e Express Yourself se tornaram hinos por terem conteúdo verdadeiro e condizente com a realidade da maioria dos ouvintes – ou por simplesmente retratarem uma vida que um novo público desconhecia e poderia consumir sem se envolver com a triste realidade.

Tal problemática também foi compartilhada no último Grammy Awards quando o seu grande momento foi a impressionante apresentação de Kendrick Lamar. Nela, o rapper sai de uma prisão para lutar contra o sistema no qual está inserido através das músicas de um disco que pode ser a afirmação da cultura negra na atualidade. Lamar não ganhou o prêmio geral de melhor álbum, mas outras cinco estatuetas que não o fizeram esquecer o que sentia ali: “obrigado, racistas” foi a frase de sua derradeira subida ao palanque naquela noite.

Se a questão da falta de presença negra em premiações e eventos está em voga, Straight Outta Compton acaba por se mostrar uma película que entra em total sintona com a pequena diversidade da Academia em 2016 – seu conteúdo contraventor é um prato cheio para que um juri majoritariamente conservador não queira se envolver em tais questões e acabe por excluí-las do debate. Mostra a transformação das esferas culturais nos EUA em meados dos anos 1980 e acaba demonstrando que o conflito, 30 anos depois, ainda é extremamente corrente e nada silencioso. Grammy e Oscar que o digam.

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ARTISTA: N.W.A
MARCADORES: Discussão

Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.