Honey Bomb Records: Pequenos Passos Polinizadores

Monkeybuzz realizou primeira turnê conjunta do selo e conta experiência de bandas novas na estrada

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Desde a virada da década de 2010, a Internet torna-se cada vez mais um real instrumento de trabalho para as bandas brasileiras. Redes sociais como Orkut e Myspace já haviam se tornado populares no início do século, mas a consolidação de meios como Soundcloud e Facebook e a diminuição dos custos de banda larga permitiram que a música brasileira dos mais remotos lugares pudesse se tornar acessível. O movimento eclodiu, bandas surgiram e produziam de suas casas via Garage Band, Fruity Loops e Ableton, sons se aproximaram e pessoas se conectaram de outra forma. Talvez o resultado coletivo disso tudo pode ser definido pela popularização dos selos de música independente.

Honey Bomb Records é um interessante exemplo. Nascido de um grupo de amigos com influências diferentes e ainda sim, extremamente conectados através de uma única banda, Catavento, o selo vem transformando Caxias do Sul (RS) através de shows e festivais de cinema e moda, entre outras coisas em seu espaço de convivência alternativo, Casa Paralela, um local idiosincrático e transformado coletivamente. A turnê do grupo HALA demonstrou o choque cultural ao icônico Rock Gaúcho. “Estamos sendo importantes para região e mostrando-se uma alternativa válida ao Rock tradicional do nosso estado”, afirmou Jonas Bender, que comanda o selo, “desde que iniciamos nossos trabalhos no começo do ano passado, vemos como as coisas tem crescido por aqui sob diferentes formas”.

BIKE no terraço do Mi Casa Hostel e etc em Sorocaba (Hafa Bulleto, Diego Xavier, Julito Cavalcante e Gustavo Athayde)

Ao mesmo tempo, os pequenos passos virtuais que o selo realizou no ano passado, desde a promoção do ótimo disco de lançamento da Catavento, Lost Youth Against the Rush, permitiram que as abelhas começassem a polinizar outras cabeças, principalmente as psicodélicas. Bandas entraram para a seleção da Honey Bomb: a capixaba My Magic Glowing Lens, a meio brasileira-americana Winter e, mais recentemente, a paulista BIKE. “A psicodelia é algo que dá a sensação de viagem – as letras são fundamentais para também trazer essa psicodelia à tona”, afirma Julito Cavalcante, idealizador da viagem ácida de 1943. “É um conjunto, mas acho que as músicas são muito livres, permitem mais experimentação e liberdade para ficar tocando uma música por muito tempo, por exemplo”, diz ele.

Surpreende imaginar que diante do papel exercido fisicamente em Caxias do Sul e virtualmente através dos diversos pontos de contato alçados, o selo nunca havia feito uma turnê conjunta com seus selecionados. Em parceria com o Monkeybuzz na produção, essa viagem com Catavento e BIKE passou por cinco cidades do estado de São Paulo. Durante cinco dias, compartilhamos uma van na turnê que passou por Campinas (Bar do Zé), São Carlos (GIG), São Paulo (Bolovo), Sorocaba (Mi Casa Hostel e etc) e Piracicaba (Casarão Music Studio) sem parar, tocando diariamente como pede e exige uma turnê de verdade.

Jonas Bender, Leonardo Rech e Eduardo Panozzo em Piracicaba

Faz parte do processo de formação de público ao qual toda banda deve passar, se essa deseja crescer: Sem tocar e desbravar novos territórios, acaba-se não saindo do lugar. “O público ao vivo estabelece uma relação diferente… é o real né?, segundo Jonas, “o fideliza ainda mais, porque cada uma dessas bandas cria experiências em seus shows e mostram quem são além da música”. Em carne e osso, é possível entender o conceito de “viagem” e os pontos tangentes entre as duas bandas – enquanto BIKE apresenta uma sonoridade nostálgica dos 1960 que abraça realmente a psicodelia inconsciente que estamos acostumados, Catavento é um experimento intenso de diversas colagens, por vezes histéricas ou relaxadas, que realizam um trajeto inesperado e visceral.

O fato de tocarem juntas na estrada permite a criação de laços necessários de afinidade e mostra-se importante para o fortalecimento da identidade do selo e das bandas. “Por mais dificil que seja viabilizar a logística, facilita mais coisas no final”, afirma o guitarrista Diego Xavier (BIKE), “podemos trocar experiências, nos aproximar, conhecer o repertório do outro e coisas novas”. A transformação dos atos é notável quando se toca todo dia: a aproximação rolou em participações especiais de ambas as bandas nos shows na Bolovo e no Casarão, permissão que só a amizade criada poderia estabelecer – “fortalece pra caramba, são passos de formiga que vamos dando aos poucos e crescendo”, conta ele.

BIKE se apresentando em Piracicaba, uma das datas mais cheias da turnê

O espírito do grupo gaúcho surpreendeu em todos os shows, um misto de diversas influências que parecem se materializar sob uma forma única como Catavento. Chama atenção a intensidade e a vontade sincera da jovem banda em transformar cada concerto em uma experiência única. Os guitarristas e vocalistas Leonardo Rech e Leonardo Lucena, calmos e serenos no dia a dia, são mutantes no palco, jogam-se de um lado para o outro e tem uma presença pouco preocupada com aparência, mas com a essência. “É muito difícil de explicar, uma energia que muitas vezes vem do além”, diz Rech, “eu abro meu peito e meu coração no palco e é o jeito que eu consigo me expressar. Na verdade, é um sonho sendo materializado, então você quer dar o melhor de si e aproveitar ao mesmo tempo”. Já Lucena afirma sinceramente que é “uma das coisas que nos faz conectar à nossa essência. Lá dentro, tá tudo muito agitado e intenso e usamos a música como veículo para chegar até ela”.

Leonardo Lucena na apresentação explosiva da Catavento na Bolovo

A estrada e as rotas criadas são de fundamental importância para o crescimento de bandas e da cena independente como um todo. BIKE, mesmo estabelecido em São Paulo, não havia tocado nas cidades e nos lugares da maioria das datas. É “tocar uma vez para poder voltar outras vezes e assim continuar o processo” diz o experiente vocalista da banda, que se apresenta por aí desde 2003 e que compartilha seu trabalho com bandas como Macaco Bong e Sara Não Tem Nome. Para uma banda que sai de seu local de origem, é sempre “uma moral, uma estrelinha”, afirma Diego, e te faz acreditar no trabalho, já que “a maioria das pessoas não vê o investimento e o planejamento que fazemos – muitos veem como hobby o que a gente faz”.

Para Catavento, que já tocou em Brasília, Curitiba e em São Paulo, são dois pontos que se unem: contatos e percepção do que está acontecendo longe de sua região. “Conhecer a galera que tá fazendo nos dá muita força a continuar traçando o nosso caminho e nos ajuda a criar coisas novas” diz Johnny Boaventura, tecladista e vocalista do grupo. Já para Rech “é legal ver o giro das bandas. Ficamos na casa (dos grupos) Francisco El Hombre e Aeromoças e Tenistas Russas, a primeira estava em turnê e a segunda estava literalmente saindo para o Nordeste. É importante ver as coisas acontecendo, te dá muita motivação”.

Catavento em Sorocaba

Se os menores atos em um cenário independente tem reflexos impressionantes, o que dizer quando tudo se torna acessível na Internet? Sem ela, o elogiado trabalho de estreia de BIKE não teria tido sua masterização feita por Rob Grant (Tame Impala, Pond): “já havia feito isso com outras bandas minhas, como The Vain e Negative Mantras”, revela Julito, “mas a verdade é que, se antes eu colava cartazes em lojas de skate pra encontrar público, hoje toda essa galera está consumindo nossa música na rede”. O processo trabalhoso e contínuo é enxergado como um “joguinho de videogame que vai passando por várias fases. Passando perrengues para conquistar novas coisas” pelo baixista Eduardo Panozzo da Catavento.

Logo, a primeira turnê da Honey Bomb Records é mais um dos pequenos passos polinizadores para o selo se transformar e expandir. Sair de seu envelope regional para alçançar lugares inesperados dentro e fora do país, pois, enquanto se trabalha virtualmente, a contrapartida do contato físico ainda é o grande ponto de intersecção entre um fã e um ouvinte. Quem esteve presente nessa viagem carregada de psicodelia sabe que, aos poucos, tudo vai recebendo o devido aprendizado e reconhecimento quando se desbrava e criam-se laços colaborativos – sem eles, não somos nada. “É um processo de adaptação, é o que salva”, finaliza Jonas sobre a economia colaborativa na música, “são as caracteristicas para fazer o que a gente ama. Isso sempre foi feito, só estamos usando as ferramentas atuais para poder tornar isso viável” – o que acontece de maneira ainda produtiva quando dois ou mais nomes se reúnem na realização de um trabalho coletivo infinito e apaixonante como esse.

BIKE incorporou a viagem psicodélica na turnê

Para entender melhor o clima da van, comandada pelo histórico motorista Joel (68) (que, há mais de doze anos, vem transportando bandas pelo Brasil), a playlist abaixo traz algumas músicas que marcaram a turnê para todos os envolvidos.

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ARTISTA: BIKE, Catavento
MARCADORES: Artigo

Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.