Hype & Vintage: “Eu Vejo Um Museu de Grandes Novidades”

A sensação de que o passado e o presente se misturam na música talvez não seja algo propriamente de hoje

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Em nossa época, já estamos cada vez mais acostumados a ver novidades com cara de velharia. É que o hype está mais vintage do que nunca e tudo aquilo que atinge status de cool é algo de essência nova, mas feito com elementos que já conhecemos de décadas passadas, talvez de um tempo que nem mesmo vivemos, mas que já nos era familiar por fotos e vídeos antes e agora se mistura com nosso presente.

E de onde será que vem essa confusão temporal que mistura hoje e ontem? Será que nossa perspectiva sobre a própria passagem do tempo tem fundamento ou estamos acostumados a chamar as coisas de “velhas” e “novas” sem parar pra pensar no que isso significa? E, por último, o que isso tem a ver com música (afinal, não estranhe, você está mesmo lendo o Monkeybuzz)? Dê o play e entre na reflexão.

“Essa música já é velha, é do ano passado” – quem é que nunca esteve em um diálogo desses? Com tantos lançamentos acontecendo a cada dia, é comum nossa sensação de que uma faixa que era novidade há alguns meses não só perdeu seu frescor, mas já foi arquivada e está condenada a juntar poeira em alguma gaveta da nossa memória. Quando falamos de música (não da arte como um todo, mas de música como essas que noticiamos e resenhamos aqui no site diariamente), estamos falando de todo um mercado, de uma indústria, que incentiva nosso consumo imediato de seus produtos e com ele vem essa nossa perspectiva alterada do que é velho e novo, antigo ou atual.

O outro lado da moeda é a cobrança de lançamentos por parte dos músicos. Há um número limitado, ainda que grande, de combinações de notas e acordes, então outros elementos entram em questão na hora de compor e produzir, desde os instrumentos escolhidos até técnicas de captação de áudio, passando por ritmos e escolhas das letras. E quando as opções parecem escassas, uma ideia recorrente é voltar os olhos para aquilo que já foi feito antes e ver o que podemos aproveitar do passado e relançá-lo em uma versão contemporânea.

Quem nunca ouviu alguém comentar que tal banda ou música de hoje parece ter saído dos anos X? A frequência com que isso é observado já poderia ser o suficiente pra afirmarmos que o som do nosso tempo é feito do passado. Mas será que teria outra forma para os artistas produzirem hoje em dia além dessa?

É importante dizer que quando falo de “passado”, me refiro ao passado recente, aquilo que aconteceu nas últimas décadas. Nossa dificuldade é às vezes entender o quanto o que aconteceu nos anos 60 é recente e que, em uma perspectiva maior, vivemos na mesma época dos Beatles – não só porque metade da banda está viva e na ativa, mas por 50 anos não representar um período grande sob uma perspectiva histórica.

“Acho que as pessoas fixam a análise do tempo histórico a partir do seu nascimento”, diz o historiador Ailton Matos Jr., “assim, se um fato ocorreu 30 anos antes do meu nascimento, ele é algo tão velho quanto algo que aconteceu há 300 anos”. Então, se pra mim o que aconteceu na década de 1970 é antigo, na dinâmica com que as coisas acontecem no mundo, elas são recentes dentro de uma dinâmica maior, macroscópica, quando penso no mundo e em seus acontecimentos.

Ou seja, uma banda que se baseia em um estilo surgido há 40 anos faz um som, na verdade, muito contemporâneo.

Ainda existe a ideia de que tudo em qualquer arte é feito dentro de uma dinâmica em que tudo é feito com base naquilo já produzido antes – e quem já teve aula de História da Arte vai se lembrar bem disso. A diferença é que, dentro da Indústria Fonográfica e de tudo o que ocorreu com a música nos últimos 100 anos, todos os processos evolutivos foram rápidos demais. Fora dessa área também.

“Atualmente, vemos o tempo por uma perspectiva mais célere”, diz Ailton,” e isso tem relação com a quantidade de informações que recebemos, a maneira como reagimos e as representações que vamos construindo da realidade. Tudo passa a ser utilitário e efêmero. Em pouco tempo temos uma tecnologia obsoleta, roupas velhas, amigos antigos etc. Vamos consumindo bens, serviços e pessoas. Aquilo que era novo, logo se torna passado. Afinal, precisamos avançar”.

Como tudo o que acontece no mundo, isso não nos passa batido (mesmo se você nunca parou para pensar nisso) e produz dentro de nós algumas coisas. Uma delas – e, se você conversa com pessoas bem mais velhas e é atento aos mais novos, sabe disso muito bem – é a sensação de que o tempo passa sim muito rapidamente.

Por causa disso, somos ensinados desde cedo a sermos saudosistas, às vezes até por uma época que nunca vivemos (e, por consequência disso, ela nos parece parte de um passado já enterrado). Recuperar elementos do passado e trazê-los pra produção de hoje é também uma maneira de aproveitar melhor as coisas boas que foram atropeladas pela produção acelerada e uma alternativa de driblarmos o inevitável passar do tempo.

Talvez, uma alternativa a isso seja não colocar uma data de validade nas músicas que você ama, por mais que você goste de consumir coisas novas. Afinal, a melhor “viagem no tempo” que podemos fazer, a maneira mais eficiente de trazer o passado para perto, é em um nível pessoal com os discos e faixas que te remetem a uma época que você viveu com aquela trilha sonora.

E aproveitar bem a música feita hoje, por mais vintage que ela seja, é garantir uma oportunidade de reviver esta época daqui a algumas décadas. E é possível que, ao chegarmos lá, tenhamos uma noção bem diferente de tudo isso – ou vamos de uma vez só entender que aquilo criado no século 20 ainda permanece mesmo novo ao percebermos que o que era vintage em 2013 continuará chamado assim daqui muitos anos.

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Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.