Índia, Guitarras e o Melhor Disco que Você Não Quis Ouvir

Sabe aquele disco lançado há algum tempo que você carrega sempre com você em iPod, playlist e coração, mas ninguém mais parece falar sobre ele? A equipe Monkeybuzz coleciona álbuns assim e decidiu tirar cada um deles de seu baú pessoal e trazê-los à luz do dia. Toda semana, damos uma dica de obra que pode não ser nova, mas nunca ficará velha.

Madonna – Ray of Light

Admita daí que você não esperava ver este disco por aqui que confesso daqui que nunca achei que esse dia chegaria também. Mas Ray of Light é um daqueles discos que você ouve hoje, mais de quinze anos depois de seu lançamento, e ele nunca pareceu tão contemporâneo, então merece ser citado no Fora de Época. O álbum pode não ser lembrado como influenciador pelas mentes mais esquecidas hoje, mas não teve uma alma ligada à música que, naquele 1998, não falou “péra aí, sério?” ao ouvir algo tão alternativo (e fino!) sendo lançado no topo do mainstream. E por que este álbum não é mencionado o quanto merece? Provavelmente por carregar simultaneamente a benção e a maldição de ter sido feito por Madonna.

É interessante como parece que a importância que a moça teve nas primeiras fases da sua carreira, servindo como ícone em revoluções culturais sobre o papel da mulher na sociedade e no conceito de “diva” na indústria fonográfica, já fossem bastante reconhecimento, deixando sua música, principalmente a feita após esse período, sempre de segundo lado. Por isso, antes de te contar sobre Ray of Light, preciso te falar duas outras coisas.

A primeira é o contexto em que ele surgiu na carreira da artista. Em 1996, ela ganhou a crítica com o filme Evita e o mundo das fofocas com a notícia de sua gravidez – dois fatores que interromperam sua produção musical por um tempinho. No meio tempo, a maternidade fez sua cabeça girar em esferas mais espirituais e foi quando ela foi atrás de crenças e práticas ao redor do globo, principalmente na Cabala, com forte influência de budismo e hinduísmo. Pra salada ficar completa, ela mergulhou no que a música Eletrônica aprontava no underground, principalmente na Inglaterra, na hora de compor.

E o que resultou disso impressiona por si só, mas ainda mais quando é inserido na discografia de Madonna. Já tive conversas interessantíssimas sobre ele com as pessoas mais diferentes, desde um produtor de Metal (sim!) que é fã do álbum (aham, isso mesmo), até outras pessoas que escrevem de música e todos são unânimes: Baita disco (sim, essa era a segunda coisa que eu tinha pra contar).

Pra você conhecê-lo, melhor do que começar com seu primeiro single divulgado, Frozen (tocaremos neste assunto de novo já já), penso que vale uma aproximação da maneira que ele se apresenta, com sua primeira faixa (que teve seu clipe vetado da programação de MTVs ao redor do globo por acharem muito parecido com a morte da princesa Diana e até hoje não está em nenhuma conta oficial da cantora ou gravadora no YouTube)(mas isso é detalhe, preste atenção na música), Drowned World/Substitute for Love.

Reparou na ambientação bacana? Tem muito a ver com mais da metade dos lançamentos que seguem a estética de hoje em dia, pode reparar. Você mostra essa faixa pra alguém que não sabe o que está ouvindo (alô, Monkey Listening) e é capaz do cara morrer de vergonha quando descobrir que é Madonna, depois de ter elogiado pra caramba (“ah, super cool, meu, gosto de coisa mais alternativa assim” – pode ter certeza). Mas é isso, Ray of Light inteiro foge à regra não só do que esperamos da tal Rainha do Pop, mas também de um grande lançamento do showbiz como este.

Não me entenda mal, não quero dizer que não há qualidade no mainstream, nem que este não se trata de um trabalho Pop. Quero é te contar que você perdeu mais de quinze anos da sua vida sem querer ouvir um álbum que nunca é um exagero quando alguém se lembra de citá-lo como uma das melhores coisas que já escutou, mesmo se você nunca (e eu não te culpo) se interessou em experimentá-lo.

Voltando à faixa, ouviu as guitarras sutis, ainda que marcantes, que acompanham a voz grave da cantora? Ela e toda a produção do disco são culpa de William Orbit, o produtor britânico que deu forma às ideias de Madonna por todo o álbum (e ganhou um renome absurdo depois desse lançamento e está aí enriquecendo até hoje no mainstream, depois também de ter dado uma forcinha a Damon Albarn e seu Blur em Think Tank e 13). É dele também a cara mais underground da obra: oito de suas treze músicas tem mais de 5 minutos (quantos trabalhos Pop você conhece assim?) e nenhuma das escolhas é lá muito óbvia. A começar por estrear o disco com Frozen, um grande tapa na cara da sociedade que esperava algo como Material Girl ou Like a Virgin.

Mas não fique com a ideia de que é um álbum plenamente etéreo assim. Por um lado, Swim e To Have and Not to Hold (assumidamente inspirada na Bossa Nova) adicionam uma levada mais gostosinha ao todo, enquanto Candy Perfume Girl e o mantra musicado Shanti/Ashtangi carregam um peso bem interessante pra equilibrar,

Mas, por falar em peso, nada se compara a Skin e Sky Fits Heaven, duas músicas (incríveis) que você só ouviria na balada mais alternativa do planeta em 1998 (ou até hoje). E isso reforça a ideia de que as músicas mais dançantes de Ray of Light são ainda mais marcantes – a começar pela faixa-título, uma enorme joia da música Pop -, mesmo quando elas são feitas aos moldes do mercado, como Nothing Really Matters.

Dizem por aí que Madonna já confessou que este é seu disco preferido. Das coisas que vieram depois dele, confesso que pouco me chamou a atenção. Vi seu show pela primeira vez em 2012 e, naquela turnê, nenhuma dessas músicas se encaixavam na narrativa, então ficaram de fora. Uma pena, mas faz sentido.

Parece que Ray of Light é uma obra meio perdida na linha do tempo. Alguns a colocam como base para todo o Eletrônico no Pop na década seguinte (e até hoje), mas são faixas difíceis de serem combinadas com outras da carreira da cantora ou mesmo em uma coletânea Best of de músicas daquele ano.

Felizmente, fica a oportunidade de experimentar este que é considerado por muitos à minha volta como um dos melhores álbuns já lançados. Inclusive, nos prêmios Grammy em 1999, ele só perdeu na categoria Melhor Álbum pra The Miseducation of Lauryn Hill, outro trabalho de qualidade incomparável.

Ou seja, vale a pena abrir a mente e seguir em frente na viagem por batidas eletrõnicas, guitarras e mensagens indianas. Pode ouvir Ray of Light sem medo ou culpa de curtir Pop.

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ARTISTA: Madonna
MARCADORES: Fora de Época

Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.