Jazz em perspectiva

BADBADNOTGOOD e Arthur Verocai discutem passado e futuro do gênero depois de show histórico em parceria, em São Paulo

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Fotos: Laís Aranha

“Esses meninos tem 20, 30 anos. Eu tenho 74, mas estou me sentindo um jovenzinho também.” – Arthur Verocai

Essas foram algumas das muitas palavras emocionadas que o maestro Arthur Verocai disse durante sua participação na apresentação do grupo canadense BADBADNOTGOOD na última quinta-feira (7.11), na Audio. Além de encher os olhos de quem estava presente, a fala de Verocai também destacou um fato importante sobre aquele encontro: naquele palco estavam duas gerações do Jazz, gênero que surgiu no final do século XIX e que deixa marcos na música popular há, pelo menos, cem anos. Muito mudou desde então. Seria impossível fazer um resumo, mas pode-se dizer que o Jazz já carimbou cada continente ao redor do mundo e foi do A Tribe Called Quest ao  “Mambo Number 5” e do John Zorn ao Jamiroquai nessas décadas de história. 

O Jazz brasileiro também tem sua vasta história, especialmente nas décadas de 1960 e 1970 – história esta que está aos poucos sendo revivida por colecionadores de disco, DJs e gravadoras estrangeiras que se interessam pelas misturas brasileiras de Jazz, samba, funk bossa nova e o que mais viesse na telha de grupos como Azymuth e Banda Black Rio e artistas como Ana Mazzotti nesta época. Foi assim que o BADBADNOTGOOD (e muitos, muitos outros) conheceram o disco homônimo de Arthur Verocai, que se tornou um clássico tardio e acabou repetidamente sampleado nas mãos de artistas como MF DOOM e Ludacris.

Na noite de quinta-feira na Audio, toda essa história foi trazida à tona pelas semelhanças e diferenças entre a orquestra de Verocai e o quarteto canadense. Em conversas separadas com o grupo e o maestro antes do show, fiz perguntas pessoais e impessoais sobre o passado e o futuro do Jazz sob a ótica de cada um deles. As respostas você lê abaixo:

Qual foi seu primeiro contato com Jazz?

Alexander Sowinski (bateria): Entrei em contato com o Jazz quando estava aprendendo a tocar bateria. Meu pai achou um professor que era um baterista de Jazz, e foi ele quem me ensinou a tocar. Meu pai me mostrou um pouco de Jazz, mas ele curtia mais um rock (risos). Foi esse professor quem me ajudou a construir minhas habilidades. 

James Hill (teclados): [Meu gosto por Jazz] é inteiramente devido ao meu professor de música do ensino médio, eu não sabia que existia Jazz até que ele me desse um álbum do Chick Corea e de vários outros pianistas. Eu ouvi e foi uma porta de entrada para várias outras coisas.

Chester Hansen (baixo): Meu pai ouvia muito Jazz quando eu era criança e, em termos de tocar, comecei tocando contrabaixo acústico e meu professor me mostrou algumas coisas de Jazz, porque esse era o foco dele. Daí pra frente, eu toquei com pessoas do ensino médio e da faculdade que gostavam muito de Jazz, e isso me levou a curtir também.

Leland Whitty (saxofone): Meu irmão me apresentou John Coltrane quando era pequeno e me levou a curtir esse tipo de música.

Arthur Verocai: Com quatro anos de idade, eu já colocava discos na minha vitrola. Meu pai tinha diversos discos do George Gershwin, que é um cara influenciado pelo Jazz. Gosto de Jazz praticamente desde que nasci. Comecei a tocar violão com cerca de 13, 14 anos, por causa da bossa nova – que, no fim, é um misto de Jazz e samba. 

Quais são as similaridades entre o Jazz e o Hip Hop?

Alex: Eu acho que a primeira entrada é através de samples. As pessoas começaram sampleando batidas de Jazz e rimando por cima delas, e daí pra frente tivemos Ron Carter tocando com o A Tribe Called Quest, artistas como o Robert Glasper e esse tipo de coisa. Eu acho que essa conexão vem desses discos incríveis que são feitos e das pessoas sendo criativas com os samples. Nós mesmos começamos como um grupo de Jazz hip hop, e daí decidimos que queríamos tocar mais músicas composicionais, improvisar e coisas assim.

Arthur Verocai: O Hip Hop é filho do R&B que também tem muito a ver com Jazz. Os dois são ritmos negros, então existe muita influência entre eles. 

Como vocês entraram em contato com o trabalho um do outro?

Chester: Alguns amigos nos mostraram o disco do Verocai.

James: As pessoas [nos nossos círculos] começaram a descobri-lo cada vez mais e o disco se espalhou, ele se tornou muito conhecido muito rapidamente.

Alex: Tem também o sample do MF DOOM nas mixtapes Special Herbs. Eu ouvi lá e não sabia exatamente o que era, mas me lembrei na hora quando ouvi o disco do Verocai.

Chester: Eu lembro de assistir a um vídeo dele tocando “Flying to L.A.” no Luckman Theater [em Los Angeles, CA] quando estava no ensino médio em 2009. Eu assisti muito esse vídeo, e anos depois conheci os álbuns.

Verocai: Já tinha ouvido falar da banda na imprensa e também vi na internet a entrevista que eles fizeram mostrando o meu disco. Aí comecei a me interessar por eles. 

Existe um interesse muito grande de gravadoras, DJs e músicos estrangeiros em discos brasileiros dos anos 1970 e 1980 que partem do Jazz e Funk. Qual a influência desta nossa música ao redor do mundo?

Alex: Eu acho que existe uma liberdade e um espírito livre incríveis na maneira como os músicos brasileiros tocam e nas suas composições e harmonias. Eles estão sempre pegando fogo e é realmente mágico de assistir. 

James: E tem um monte de coisa brasileira para além do Jazz que nos inspira. Eu gosto muito de Chico Buarque, Jorge Ben Jor. Minha favorita de todos os tempos é provavelmente a Gal Costa, seu álbum homônimo foi uma grande porta de entrada para mim.

Alex: Jards Macalé, Milton Nascimento, Gilberto Gil… Tanta coisa.

Arthur Verocai: Além da música americana ser espetacular, sensacional, a música brasileira também tem sua contribuição para a música mundial. Começou com a bossa nova, e eu sou filho dela, mas também interessei muito por Jazz, então minha música tem muita afinidade com a música norte-americana. O interesse deles nos meus discos tem a ver com essa identidade musical, mas eu também coloco um tempero brasileiro, carioca. Eles não têm o mesmo suingue da gente.

Como vocês imaginam o futuro do Jazz?

James: Talvez ele se afaste dos instrumentos acústicos e depois volte aos instrumentos acústicos. Eu acho que a essência do Jazz é muito simples, é basicamente improvisação. Existe uma espécie de linguagem que todo mundo respeita, uma linhagem que vai do blues ao Charlie Parker, do bebop ao fusion, etc. Todos os músicos de Jazz parecem tocar a partir de um vocabulário semelhante, apenas a sonoridade e os instrumentos mudam.

Alex: Eu acho que a popularidade do Jazz no momento prevê qual vai ser a sonoridade em voga. Ela foi de instrumentos acústicos para coisas mais eletrônicas e experimentais nesse sentido, mas acho que agora o acústico está voltando. Como por exemplo a música feita pelo Kamasi Washington e toda a cena de Los Angeles, é um som bastante orgânico.

Verocai: O Jazz é Jazz em qualquer época, em qualquer momento. É só uma questão de pegar aquele espírito. Estava ouvindo o ensaio [do BADBADNOTGOOD] e me remeteu muito a bandas do passado, daquela coisa misteriosa que o Jazz sempre teve. E ele não vai morrer nunca, porque ele é a essência da música.

Como é fazer esse show em conjunto?

James: Nós ainda não tivemos o bastante pra sentar e entender a emoção, mas é absolutamente incrível. 

Verocai: Foi muito legal conhecê-los, eles são muito simpáticos. É incrível poder fazer essa junção da nossa orquestra com o BADBAD. 

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