Kanye West: Da Redenção ao Início de sua Divindade

“My Beautiful Dark Twisted Fantasy” foi o primeiro passo da transformação de Yeezy em Yeezus

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Sabe aquele disco lançado há algum tempo que você carrega sempre com você em iPod, playlist e coração, mas ninguém mais parece falar sobre ele? A equipe Monkeybuzz coleciona álbuns assim e decidiu tirar cada um deles de seu baú pessoal e trazê-los à luz do dia. Toda semana, damos uma dica de obra que pode não ser nova, mas nunca ficará velha.

Kanye West – My Beautiful Dark Twisted Fantasy (2010)

Antes de se tornar o todo poderoso Yeezus, Kanye West já era o todo poderoso Yeezy, um dos rappers e produtores mais respeitados e influentes da indústria, além de uma figura pública controversa e que cada vez mais a mídia adorava odiar. Desde o começo de sua carreira (com The College Dropout), muito antes de se autoproclamar um deus, West já rumava ao Monte Olimpo do Rap e trabalhava em suas músicas seu profundo experimentalismo e obsessão pelo perfeccionismo, assim como trazia à tona seu ego inflado e a vontade de rimar, basicamente, sobre si. Issso não é novidade para ninguém que acompanhava a carreira do rapper na época ou mesmo para quem o conheceu há pouco tempo, porém, em My Beautiful Dark Twisted Fantasy, isso chegou a níveis nunca vistos antes em toda sua obra e, mais importante que isso, sua extravagância com estes pontos alcançou esses mesmos níveis.

O músico vinha de um álbum completamente diferente, lançado dois anos antes deste. 808s & Heartbreak foi criado em um momento em que Kanye passava por vários problemas pessoais – como a morte de sua mãe e o término de um longo relacionamento – e essa obra o possíbilitou extravasar isso tudo isso da maneira mais “Kanye West” possível. Minimalista, o cinemático álbum se construía somente à base de uma drum machine Roland TR-808, alguns tambores tribais e o uso “exagerado” de auto-tune. Com isso, parecia que West queria se provar de uma vez por todas como um bom músico, mais que um bom rapper ou produtor. Com o sucesso incrível em um disco tão controverso e que já deixava as bases do Hip Hop de lado, o músico estava livre para experimentar com o que bem entendesse – dessa vez, sabendo que seus fãs o seguiriam para qualquer direção que sua ambição o projetasse.

E foi isso o que ele fez em My Beautiful Dark Twisted Fantasy. Quase como um reality show de sua própria vida, West cria nessa obra um resumo de sua vida naqueles anos, rimando sobre seu papel na indústria, fama, celebridades, dinheiro, vida pública e pessoal, além de diversos incidentes envolvendo a mídia (Taylor Swift no VMA de 2009 e o episódio com South Park, só para citar alguns). Ora sendo autoindulgente com isso (e até se vangloriando por alguns momentos), ora assumindo seus erros e, sim, pedindo desculpas (como na faixa Runaway), o rapper criou uma obra que o expôs ainda mais, revelou seu lado bom e ruim ao mesmo tempo, mostrou que ele não era só aquele “vilão” que havia causado certo estrago com seus versos e com suas atitudes no passado. Vale lembrar que aqueles incidentes de 2009 cobraram seu preço e o peso da opinião pública fez com que o músico isolasse do mundo para se recompor como pessoa, artista e criador.

Voltando à cena musical depois de quase oitos meses, o rapper veio se provar mais do que tudo aquela situação que enfrentava, chegando em uma entrevista a dizer que escreveu o álbum como se sua vida dependesse disso. É claro que não há como ignorar a vida pessoal de West, pois sua obra e vida se confundem em uma só, porém, mais importante que isso é enxergar o quanto o músico elevou o nível em do Rap e da música com seu álbum – Kanye sabe disso e deixa ainda mais evidente com versos como “Less talk, more head right now, huh/And my eyes more red than the devil is/And I’m about to take it to another level, bitch”. Este é sim um disco sobre Kanye e só sobre ele, porém feito com uma ambição nunca vista antes dentro do estilo. Fruto de um esforço megalomaniaco (e estimasse que o rapper tenha gasto cerca de três milhões de dólares em sua produção), West produziu um épico álbum que levou o Rap a um patamar totalmente diferente, seja em méritos da produção de beats, conceitualmente ou uso de convidados e samples.

Com um grande time de produtores amparando-lhe em sua extravagante empreitada, Yeezy foge dos ensinamentos tradicionais do Rap, compondo faixas que algumas vezes chegam a nove minutos de duração e com refrões, versos, instrumentais e inserções de convidados que saem completamente daquele molde “verso-refrão-verso” que a indústria seguia. Isso sem contar o número de convidados. Nomes como Rihanna, Alicia Keys, Elton John, John Legend, The-Dream, Fergie, Kid Cudi, Ryan Leslie, Charlie Wilson, Tony Williams e Elly Jackson (La Roux) aparecem só em uma música. Sim, uma só música. All of the Lights pode se tornar uma interessante brincadeira de “Onde está Wally?” com tantos os convidados.

Se tornando um daqueles álbuns que se pode ouvir do começo ao fim sem que nenhuma música passe batida, o disco progride e mostra uma miríade de sonoridades e elementos que Kanye consegue englobar à sua música, Seja nos beats e samples comuns na produção do Rap ou com toda a pompa de um conjunto de cordas ou metais – e já na abertura, em Dark Fantasy -, é possível notar isso. POWER é uma das faixas mais “minimalistas” e mostra uma produção, digamos, pouco mais restrita. Ela usa um sample vocal em loop, batidas vindas das músicas It’s Your Thing, da banda Cold Grits, e Afroamerica, de Continet Number 6, além de samples de 21st Century Schizoid Man de King Crimson. No meio de tudo isso, West usa versos de Malcom X (“No man should have all that power”), Victor Hugo (que originalmente disse “He who opens a school door closes a prison”, Kanye rebate em “The system broken, the school is closed, the prison’s open”) e outros para discutir a relação de poder da sociedade e de seu próprio poder (“They say I was the abomination of Obama’s nation”).

Assim como POWER, cada música apresenta em si um mundo próprio a ser explorado, daquelas que permitem uma longa análise em todo seu conteúdo lírico, nos arranjos, beats, samples, convidados, contexto. Mas, se eu tivesse que resumir o disco em uma só faixa, usaria Monster. Além de toda a maestria no lado da produção (e da participação de gente como Jay-Z, Nicki Minaj, Bon Iver e Rick Ross), suas letras retratam muito do pensamento de Yeezy e de sua conversão para Yeezus (“Think you motherfuckers really really need to cool out / Cause you’ll never get on top of this / So mommy, best advice is just to get on top of this”).

Em My Beautiful Dark Twisted Fantasy Kanye busca nada mais do que a perfeição, dar um passo adiante em sua própria música e na arte em geral. Ego e arrogância certamente estão presentes aqui e isso é inegável, afinal, trata-se de uma obra de West, mas é também inegável a qualidade que o rapper traz à sua obra. Em diversas entrevistas dadas naquela época, o músico citava Michael Jackson como uma de suas principais inspirações (e chega a comentar sobre a morte do músico na faixa All of the Lights) e em como sempre pensava no quão mais longe poderia chegar em relação a tudo que MJ já tinha alcançado. Sua obsessão por fazer algo tão bom tinha como um de seus pilares os pensamentos perfeccionistas de Steve Jobs – e mesmo sua relação com o presente, passado e futuro, como deixa claro na faixa Monster (“I’m living in the future so the present is my past / My presence is a present, kiss my ass”). Kanye respeita o passado, mas não o venera, seu olhar está no futuro e por isso conseguiu criar uma obra tão grandiosa quanto esta.

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ARTISTA: Kanye West
MARCADORES: Fora de Época

Autor:

Apaixonado por música e entusiasta no mundo dos podcasts