Los Hermanos: E Agora, o Amanhã, Cadê?

“4”, uma década após seu lançamento, tem sua melancolia aumentada pela história da banda

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Uma das ironias mais tristes desta vida é que a obra de um artista (uma pintura, por exemplo) tem seu valor multiplicado após sua morte. No caso de uma banda, esse fenômeno parece também após seu fim. No caso de Los Hermanos, que lançou 4 em julho de 2005, o debate em questão é se o álbum teria o mesmo valor se não fosse o último de inéditas que o quarteto produziu.

Dez anos depois, não é difícil afirmar que Ventura entrou para a história como uma espécie de “obra prima” da banda, um certo consenso entre os fãs e não-tão-fãs-assim, fato que parece ter ofuscado um pouco a popularidade póstuma do quarto disco. A real é que “popular” não é um caráter que ele parece ter, mesmo sendo lar de um dos maiores hits da banda (Morena), e isso desde a época em que saiu – em parte porque muitos admiradores do som do grupo não aprovaram o som mais “difícil” das doze faixas e em parte porque, naquela época, Los Hermanos já possuia muitos haters (embora não conhecêcemos o termo em 2005).

4 possui uma melancolia diferente dos trabalhos anteriores da banda. Tem pouco a ver com a tristeza que faz sorrir em Bloco do Eu Sozinho, muito menos com o exagero juvenil de sua carnavalesca estreia. Aqui, os sentimentos são rasgados não como quem esbraveja ao oceano, mas com o som reverberando nas paredes de um quarto. Há algo quase claustrofóbico nessas músicas, como se eu-lírico cantasse olhando pela janela sem poder sair, ou contemplando algum tipo de corrente que o prenda ao local. Daí tantas metáforas sobre liberdade, seja em substantivos (mar, barcos, pássaros, horizonte, vento) ou verbos (andar, caminhar, navegar).

Isso faz com que haja um certo desconforto nas músicas, o que contribui para aquele seu aspecto difícil. De certa forma, é como se o que Amarante fez com seu Cavalo tivesse começado ali, já que ele e Camelo parecem ter escrito sobre dificuldades muito particulares sem criar personagens como em composições passadas. E a maturidade musical, alcançada com a ajuda certeira de Kassin na produção, foi essencial na hora de colocar no mundo essas emoções de maneira tão crua. Em suma, 4 é um disco tão triste quanto belo.

Isso torna-se enigmático quando pensamos nele como o álbum de despedida da banda, um “até logo” com gosto de “adeus” – ou seria o contrário? Como bem sabemos, Los Hermanos seguiu com sua carreira no formato dos “shows de reunião”, um gosto amargo do bálsamo de um morto-vivo retirado do sarcófago de tempos em tempos. Não que haja qualquer problema em ganhar dinheiro com sua música, mas a ilusão da atividade para aproveitar a valorização de uma discografia finada vem como um cruel oportunismo para quem abriu por dez anos ou mais seu coração para essas músicas.

E é aí que a amargura de 4 aumenta, quando o álbum serve como final postiço de uma história inacabada. Em vista do que Camelo e Amarante fizeram nos últimos anos, não é improvável que Los Hermanos tivesse energia criativa de sobra para continuar compondo como banda, o que torna-se ainda mais simbólico com os versos que encerram o disco: “Manda avisar que esse daqui/tem muito mais amor pra dar”. Tristemente, sem sair do tom do álbum, a história tomou outro rumo.

Uma década depois, contudo, ao ouvirmos músicas como Sapato Novo, Primeiro Andar e Dois Barcos, fica claro o quanto a missão de Los Hermanos não era ser a voz de uma geração, mas individualmente de muitas pessoas, e o quanto a produção de música brasileira nos anos seguintes parece ter tentado adotar os órfãos da banda só prova a falta que ela faz. Que ao menos saibamos dar a 4 o valor que ele merece, seja por sua qualidade ou por seu papel na história do fã – em seu relacionamento com a banda ou com essas próprias músicas.

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ARTISTA: Los Hermanos
MARCADORES: Aniversário

Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.