Meditando com Caleb Giles

O rapper e produtor nova-iorquino reflete sobre processos mentais e padrões destrutivos, tema central de “Meditations”, quarto projeto solo de sua carreira

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Fotos: Chris Currence

“Ondas quebrando + chuva + Meditations, uma experiência pura e relaxante” e “Fodido na quebrada ouvindo Caleb Giles”. Foi assim que ouvintes descreveram duas distintas situações nas quais estavam sacando o novo álbum do rapper Caleb Giles. Também produtor e multi-instrumentista, o nova-iorquino de apenas 22 anos cria canções que, ao mesmo tempo, expressam a solidão e – especialmente em Meditation (2020) – buscam romper com os ciclos viciosos e escapar de padrões destrutivos.

O novo disco é o quarto trabalho solo da carreira do artista, que possui outros três álbuns e fez parte do coletivo de Jazz experimental Standing on The Corner. Com 10 faixas e cerca de 27 minutos, o projeto começou a ser composto pouco depois do lançamento de Under The Shade (2019), mas foi somente em novembro que Caleb domou os caminhos artísticos do álbum. Antes de se mudar para Nova York aos 10 anos de idade, ele viveu em Detroit, Cincinnati e Knoxville e foi influenciado, maternalmente, pelo Gospel e o Soul de gigantes como Sam Cooke, além de, geograficamente, construir uma íntima relação com o Rap sulista de T.I. e Jezzy.

Quando perguntado se realmente medita ou se o título do álbum é uma metáfora, o artista é categórico: “meditação é qualquer prática focalizada, uma atividade. Pessoas que entram no carro e dirigem para o trabalho, ou fazem café toda manhã – é um tipo de meditação. Tempo para uma atividade fixa no dia a dia. Estou meditando sobre as emoções, ideias e histórias nas músicas e meu ato de escrever e falar sobre também é uma meditação”.

Durante a entrevista, o morador do Bronx reforça que Meditations é, principalmente, resultado de reflexões de seu último ano. Na entrevista, ele menciona um término de relacionamento no verão passado como um dos acontecimentos chave e, na descrição do trabalho no Bandcamp, diz que precisou usar os macetes certeiros para acessar essa nova parte de si mesmo que foi descoberta com a composição dos sons.

Aqui, ele fala sobre o disco, as autodescobertas recentes e as estratégias para se desvencilhar das angústias e aflições que surgem durante a evolução pessoal e artística – um dos temas centrais do ótimo Meditations.

Meditations é bastante baseado em autoconhecimento. O que você aprendeu sobre si mesmo no último ano?

Eu acho que percebi que tenho diferentes habilidades que me separam dos meus iguais. Eu já sabia disso, mas agora penso que sou realmente bom no que eu faço e simplesmente me sinto mais confiante na minha habilidade como compositor. E é assim que eu acordava todo dia durante o processo de criação desse disco. Eu tava pronto para qualquer coisa, apenas tentando dar o meu melhor.

Em uma entrevista ao Audiomack você menciona sua intuição como um “salva-vidas”. Me conta melhor sobre isso?

Todo mundo tem intuição natural, é como se fosse um músculo do corpo, mas você pode refiná-la com sabedoria e tempo. Eu passei por muitas mudanças, como todo mundo durante essa quarentena, e sinto que evoluí minha intuição pensando mais sobre o que eu faço no dia a dia, o que eu vejo, onde eu estou. Há certos macetes que podem acelerar sua evolução na vida, em outros níveis de compreensão. Permitem que você alivie a pressão ou um luto mental, mas podem te catapultar para novos níveis de compreensão de luto, tristeza, felicidade, coisas desse tipo. Eu olho para esses macetes como trampolins.

Você produz, rima, toca instrumentos. Quais suas principais inspirações em cada área?

Para esse álbum em específico e sobre instrumentação, muito de Mingus Plays Piano (1964). O piano era um ponto, uma área de foco bem importante na criação do álbum. Em termos de rima eu estava ouvindo muito… Eu não sei, coisas básicas. Eu não tava ouvindo muita coisa no fim das contas, mas eu acho que no começo da quarentena era Drake, JAY-Z… Nada muito maluco. Para produção, eu estava ouvindo um álbum chamado Untrue (2007), desse produtor britânico chamado Burial. Em produção em si eu acho que pode ter me influenciado um pouco, tipo, espacialmente e em termos de virtude da produção.

“Todo mundo tem intuição natural, é como se fosse um músculo do corpo, mas você pode refiná-la com sabedoria e tempo”

Como é seu processo de produção?

Depende do dia e do sentimento que eu estou. No Meditations, comecei a compor no piano e depois vieram uns samples. Nesse disco eu usei os samples como inspiração. Achava um sample, ouvia, fazia uma música com ele e depois tirava o sample. Algumas vezes tirar era justamente o que estava faltando, em outras eu tirava e retocava o sample. No Meditations, eu tinha o sample como uma carta na manga e aí só o removia. Muita coisa que se ouve no corte final do disco é resultado disso.

E sobre a arte de capa? É basicamente uma tipografia, mas ainda dá para ver parte do seu cabelo ali.

Eu sabia desde o começo que eu queria as cores azul e branco. Eu estava conversando com meu parceiro Devlin, que fez todas as minhas artes de capa e mesu vídeos nesses últimos anos, e ele disse: “Mano, a gente devia fazer uma placa!”. Eu tinha uma referência no meu celular, tinha visto essa placa massa no Harlem um tempo atrás, e ele conhecia um cara que poderia pintar daquele jeito pra gente. Ele comprou uma placa de vidro e chamou o mano dele, Mat Rousso, que é um pintor de placas daqui de Nova York. O que a gente vê na capa sou eu segurando a placa sobre minha cabeça na frente de uma parede branca.

Recentemente, artistas como você, MIKE, Pink Siifu, Maxo e outros têm fomentado uma nova cena no underground, especialmente em Nova Iorque. Você considera isso um movimento? O que aproxima vocês?

Eu acredito que existe muito poder na música que está sendo produzida por esses artistas. É definitivamente um movimento. O que nos aproxima naturalmente é o conteúdo da música, um sentimento unificado, nossa idade! Então sentimos coisas parecidas sobre os problemas contemporâneos, coisas assim. No fim do dia, são só pessoas boas.

Eu sinto que vocês todos têm um profundo interesse em processos mentais.

É proeminente. Para continuar expandindo e crescendo você precisa processar as coisas pelas quais você passou, coisas que você precisa finalizar. É um ponto vital na minha música, processar e seguir em frente. É fácil permanecer no mesmo lugar. Eu conheço muitas pessoas que estão presas nos “loops”, nos mesmos hábitos, pensamentos. Eu me recuso a estar nesses “loops”, então é importante por mim trabalhar nas coisas, nas ideias.

Quando você percebeu que tinha que romper os “loops” para crescer?

No último inverno. Eu tava passando por muita coisa emocionalmente e em grande parte era por eu estar continuando em padrões destrutivos. Então, eu tive de tomar a decisão de me sentir desconfortável e sair fora desses padrões. Isso eventualmente abre portas para você continuar a ir cada vez mais longe.

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ARTISTA: Caleb Giles