Metronomy à procura da simplicidade

“Acho que tenho me tornado mais hippie”; Joseph Mount fala sobre o processo de produção e a influência do isolamento em “Small World”, disco lançado hoje (18/02) pela banda britânica

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Fotos: Alex Waespi

E lá se vão mais de 15 anos desde o lançamento de Pip Paine (Pay the £ 5000 You Owe) (2006), álbum de estreia do Metronomy, que trazia uma faceta crua da música eletrônica alinhada a uma espécie de “esquisitice” própria – que chamou a atenção da cena alternativa. De certa maneira, o trabalho dialogava musicalmente com bandas que compunham a tal cena New Rave britânica da mesma época, algo como um indie-rock-dance-punk-eletrônica-new balance-ray ban wayfarer, liderada por Klaxons, New Young Pony Club, e de carona a nossa brasileira Cansei de Ser Sexy sentava na janelinha. A banda de um homem só criada pelo inglês Joseph Mount orbitava nesse momento musical e, ao mesmo tempo, sinalizava que estava além do zeitgeist. Talvez se encaixasse ali por não haver outra gaveta propícia para a crítica.

Em 2008, Nights Out colocou o Metronomy no mapa musical mundial, impulsionado por “Heartbreaker” e “On Dancefloors”, que tocavam, por exemplo, na Oi Fm em alta rotação. Foi com este trabalho que a banda, completada ao vivo por Oscar Cash, Olugbenga Adelekan, Michael Lovett e Anna Prior ganhou maior projeção. Ainda com um som quebrado e frio, que os aproximava mais dos robôs Kraftwerk do que dos Talking Heads, era um álbum mais humano e sentimental, de sensibilidade por trás dos sintetizadores. A discografia se incrementou com The English Riviera, dos hits de pista indie “The Bay” e “The Look”, Love Letters (2014), Summer 08 (2016) e Metronomy Forever (2019), que credenciaram o grupo como um dos grandes representantes do rock eletrônico na década passada. E hoje (18 de fevereiro), a banda lança Small World, sétimo álbum da carreira.

“Bom, agora quando eu lanço um álbum fico mais ansioso para saber quantas pessoas querem falar comigo sobre o trabalho. Acho que fico até mais preocupado do que antes. Mas sempre que lanço fico feliz por ver várias pessoas quererem falar comigo, então é ok, mas não fica mais divertido, porque é o momento em que você está mais vulnerável, por exemplo, para críticas”, conta Joseph Mount. Small World é um convite íntimo que inicia a jornada com “Life and Death” e fecha com “I Have Seen Enough”, em um repertório que ressoa a efemeridade do ciclo da vida e a simplicidade necessária para apreciá-lo. “As canções foram escritas durante o primeiro lockdown aqui no Reino Unido em 2020. Eu queria ser mais aberto para escrever um álbum, que as músicas fossem mais expressivas. Com tudo que aconteceu, é claro que o ambiente em que eu estava escrevendo mudou. Acho que tenho me tornado mais hippie, penso mais sobre o que eu realmente preciso para ser feliz, e, preso em casa, comecei a entender que não preciso consumir muitas coisas”, reflete Mount, que disse que a inspiração para a música foi pensar na satisfação com o que já se tem, sem pensar em coisas que “estão lá fora”. “Gravei em Margate, no sudeste da Inglaterra. Não é, de longe, onde eu vivo. Não demorou muito, foram uns 20 dias. Acho que a pandemia me fez ser mais organizado, estava relaxado fazendo”.

Além da estática pandêmica, Mount estava confiante e, prestes a completar 40 anos de idade, mais maduro e espontâneo com relação ao ofício de ser músico. “Tudo estava muito parado, então não teve nenhum tipo de pressão, foi estranho. Acredito que quanto mais álbuns eu faço, mais me sinto confortável. Vou me sentindo mais igual às pessoas que trabalham no meio da música, que escrevem sobre música, quem compõe, sabe? É mais sobre se sentir confiante, eu acho. Intencionalmente, eu queria que esse trabalho fosse divertido de fazer, relaxante, então foi estresse zero”.

“It’s Good To The Be Back”, carro-chefe do disco, é, como o título anuncia, um statement de retorno do Metronomy. É uma faixa mais eufórica e chega até a destoar do resto do repertório. Mount concorda. “É verdade (risos). Para mim, é a música mais incomum ali, e me parece muito bom voltar com uma música que soe assim. E a letra também me pareceu muito boa para perder a oportunidade de ser lançada como primeiro single”.

A doce e surreal “Love Factory” é um dos destaques do disco – contei para ele que era minha provável favorita – e mostra o lado mais amoroso de Mount, mas sem deixar de lado uma dose de peculiaridade. “Pode ser a minha favorita também. Tive a ideia de tentar fazer músicas que começassem com frases ou pequenas ideias de palavras. Amo a ideia meio romântica de uma ‘fábrica de amor’, uma fábrica que fabrica você por causa do amor ou alguma outra coisa estranha que acontece. Mas comecei a pensar em diferentes coisas e pessoas que me inspiraram para esta música e me veio a ideia de que seria um pai cantando para uma filha e dizendo coisas, ensinando sobre o mundo. E percebi que era mais sobre o fim do mundo, onde duas pessoas, um pai e uma filha fazendo tudo o que querem, se divertindo e ignorando o fato de que o mundo estava acabando”. Mount parece estar com sua liberdade criativa ainda mais aflorada e, segundo ele, falar sobre suas inspirações tem sido cada dia mais fácil. “No passado, eu me envergonhava falando sobre músicas, como elas nascem e tal. Mas agora comecei a pensar diferente e que a gente não tem que se sentir assim já que algumas das melhores músicas são inspiradas ou falam sobre coisas bem malucas”.

Uma constante na carreira de Joseph Mount é a criatividade aplicada para além do quesito musical. Cada álbum do Metronomy tem uma energia visual muito específica nas capas de discos, direção de arte dos vídeos, looks e o próprio material de divulgação. Uma variedade de produções e exercícios criativos que, de alguma forma, resguardam a identidade do artista. “Eu tiro influência de tudo e fico obcecado por algumas coisas, mas é meio difícil especificar o que são elas, eu amo arquitetura, mas não fico obcecado por vários estilos, curto um específico, sabe? Fico obcecado também por artistas e seus métodos, tipo o David Hockney. O trabalho dele foi mudando de maneira sutil estilisticamente falando, mas ele começou a fazer pinturas no iPad, continua sendo bem ele, mas mudou totalmente também. Gosto de artistas que podem até mudar a forma de se expressar, saindo de uma pintura, por exemplo, e indo para colagem ou desenho, mas você vê que é ele ainda. Acredito nisso, eu posso usar qualquer tipo de forma de fazer música e você ainda vai me ver nela”.

“Acho que tenho me tornado mais hippie, penso mais sobre o que eu realmente preciso para ser feliz. Isso inspirou as músicas de ‘Small World’. Pensar no que já tenho, sem me preocupar com o que há para ser consumido lá fora”

Para o lançamento do dia, uma capa que remete ao cenário de uma pintura impressionista do século XIX. Vendo pela tela do computador ou do celular você pode até se confundir se ela realmente não é uma pintura. “Então, é uma foto que minha mãe tirou, na real estou agora falando com você da casa dos meus pais e ela foi tirada em um jardim público aqui do lado, em 1995. O lugar não se parece mais com isso, mas acho muito linda a paisagem e, como você disse, parece uma pintura que absorve o cenário. Amo a ideia de usar algo que minha mãe fez”. Além do conceito estético de trazer memórias afetivas, Small World é guiado pela humanidade partilhada entre indivíduos do mesmo convívio, da mesma paisagem cotidiana. “Quis trazer o sentimento de quando ouvia música no carro dos meus pais, ouvindo o que eles gostavam de ouvir. Fazer um álbum que tivesse como norte uma experiência simples de se ouvir música. Na produção, eu tentei fazer o que era mais simples possível, só tem uns 4 ou 5 instrumentos em cada faixa. Tem guitarra, piano, bateria, órgão. E amo a ideia de tentar deixar tradicional, tipo, uma banda e suas camadas, não ter muito sintetizador. O conceito por trás da produção foi tentar deixar o mais vivo e real possível, tentar deixar natural”.

Queridinho de público e crítica, headliner de festivais de médio porte e em um momento confortável na carreira, Mount divide seu tempo no Metronomy com a Hot Wave Publishing, sua editora musical, uma investida focada em nomes emergentes.”Sou muito interessado em ajudar artistas novos. Por um tempo pensei ‘como posso estar envolvido com a turma mais nova?’ e não queria ser um intruso, sabe? Nunca seria um empresário, então esta forma me pareceu muito boa para ajudar. Achar esses artistas, trabalhar com eles, ajudá-los a se desenvolverem, é uma parada que é muito boa, te completa e é de grande ajuda para pessoas que estão começando, não é caridade (risos), é uma gravadora também”.

“No passado, eu me envergonhava falando sobre músicas, como elas nascem e tal. Mas agora comecei a pensar diferente e que a gente não tem que se sentir assim já que algumas das melhores músicas são inspiradas ou falam sobre coisas bem malucas”

Ano passado, na linha “apoiando a nova cena”, Posse EP Volume 1 foi lançado sob produção e liderança de Mount. São cinco faixas com a participação de jovens artistas britânicas, como Biig Piig, Sorry, Folly Group, Pinty, spill tab e Brian Nasty. Já em Small World, o músico convidou o Porridge Radio para participar da faixa “Hold Me Tonight”. “O álbum novo tem uma coisa mais madura, mas eu quero sempre trabalhar com pessoas jovens e empolgantes, seja o projeto que for”. Inclusive, por meio do Instagram, Mount chegou à arte do nosso amigo de Monkeybuzz Gabriel Rolim, que trabalhou na pós-produção FX do clipe de “The Light”.

Com a chegada do sétimo trabalho também vem uma turnê e, quem sabe, uma nova oportunidade de ver a banda passando pelo Brasil – seria a sexta apresentação do Metronomy por aqui. “É sempre bom estar aí. Da última vez, eu fiz meio que uma caçada de arquitetura, em cada cidade eu procurava por obras do Oscar Niemeyer, foi muito bom”.

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ARTISTA: Metronomy