Mia Berrin e a nostalgia recente do Pom Pom Squad

Líder da banda nova-iorquina conta como referências que vão de Grunge a “As Virgens Suicidas” inspiraram o álbum de estreia “Death Of A Cheerleader”

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Fotos: Sammy Ray Nelson

Do delicioso exagero de uma temporada de Ru Paul’s Drag Race à esquisitice bela de David Lynch. Cultura Tumblr e o início da carreia de Sofia Coppola. Courtney Love em um vestido de seda e a estética de um Rookie Yearbook. Como a sensação mundial Olivia Rodrigo, o Pom Pom Squad é mais um representante de uma ode ao passado. A um não instante passado. Se em 2019 o grupo lançou o, digamos, introspectivo EP Ow, agora foi a vez da vocalista e líder Mia Berrin organizar as referências e canalizá-las de forma mais poderosa (e gritada). O álbum de estreia da banda do Brooklyn, Death Of A Cheerleader, chegou ao mundo há duas semanas pela City Slang.

O projeto é o retrato de uma mente criativa que teve o ápice da adolescência nos anos 2010 e costura referências que vão de filmes (já) clássicos dos anos 2000 a covers da década de 1960, como um revivalismo do revivalismo. E o espírito inquieto, que quer juntar tudo de uma vez, vem justamente dessa avalanche de aventuras artísticas pelas quais a vocalista passou durante a juventude. “Acho que descobri que queria seguir na música bem tarde, se comparado com outras pessoas. Na verdade, quando era criança fazia qualquer coisa criativa que pudesse fazer: desenhava, dançava, comecei a fazer teatro e achei que essa parte de atriz tomaria meu foco total e que a música seria como um hobby. Aprendi a tocar guitarra com 14 anos e a escrever músicas aos 15, mas era uma coisa que eu não mostrava para ninguém, sabe? E tocava covers de Weezer no meu quarto. Aí fui para a faculdade estudar artes cênicas e entendi que aquilo não era para mim. Música sempre foi meu lugar de conforto para emoções”, reflete Mia Berrin, em entrevista ao Monkeybuzz.

Voltemos ao título: Death Of A Cheerleader. Precisa de um título mais sugestivo do que esse? Matar um dos maiores símbolos culturais de um padrão feminino imposto durante a adolescência nos Estados Unidos – na cultura pop e na vida real. Destruir estereótipos tóxicos, que perturbaram a cabeça de Mia e de várias garotas, é o mote do trabalho. “Eu descreveria o Pom Pom Squad como um projeto multifacetado, mas musicalmente falando é Grunge, Pop, Indie Rock, Punk. Acho que é uma ode ao passado e ao presente da música. Mas o objetivo do projeto é subverter normas culturais impostas por brancos norte-americanos e ver como as pessoas reagem a isso”.

De família de origem latina e negra e se identificando queer, Mia considera fundamental estabelecer uma conexão honesta com o público. E, ao mesmo tempo, DOAC nasce como um esforço quase terapêutico – e que não faz concessões a respeito de como seu conteúdo atingirá o ouvinte. “Acho que, quando estou escrevendo e gravando, meu foco é em mim e porque escrevi aquilo. Honestamente, a melhor forma de atingir as pessoas num nível pessoal é fazendo aquilo de maneira pessoal. Quando eu escrevo, a maior parte vem de um lugar bem pessoal e, estranhamente, quanto mais específico um som soa mais ele se conecta com os ouvintes. É isso que eu quero passar, quero dar espaço para alguém que talvez precise. É o propósito da música e é por isso que acabo voltando para ela. Porque eu sempre quis que existisse uma música que poderia descrever o que sinto. E fazer essa música para outras pessoas é um ótimo desafio”.

Em entrevista concedida há dois meses, Mia disse ser “nova em se sentir alegre”. Pergunto como tem sido a experiência. “É ótimo! Quando disse isso foi meio zoando (risos). Acho que na minha vida toda, sentia muita pressão para ser perfeita. Porque cresci pensando que não importava o que eu fizesse enquanto existissem estruturas culturais que estavam contra mim. Mas aí entendi que não vou e nem posso ser uma alienada nessa sociedade. Isso foi uma das coisas que deram a faísca para o álbum e realmente me libertou para viver a minha vida e abraçar mais quem eu era e o que poderia ser. Destruindo esses padrões do que eu deveria desejar – a feminilidade, a branquitude, meio que tudo que me prendia e que me fazia pensar que eu deveria seguir aquele modelo”.

Mia Berrin em isolamento

Teve menos espaço para me comparar com as pessoas, porque de uma hora para outra estavam adiando e cancelando tudo. Meio que rolou um equalizador. Longe do circuito de shows, eu não me preocupei com ‘quem será que conseguiu esse show’, ‘quem vai tocar naquela casa, ‘quem vai conseguir mais espaço na mídia’. Então, me apeguei apenas ao meu projeto. E a outra parte de estar isolada foi que eu não tinha contato com a turma da minha banda. Antes, eu escrevia algo e levava para eles para a gente tocar e pensar, mas nessa fase tive que pensar mais sozinha, achar as soluções, fosse tocando guitarra ou no meu laptop. Foi bom entender que posso ser cheia de recursos. De repente, comecei a sentir umas inseguranças que nunca tinha sentido, por conta de ser o primeiro álbum. Mas por ser tão desafiador é muito gratificante. E voltando a ideia de ‘cheia de recursos’, houve material de demos que foram direto para o álbum. Coisas do isolamento”.

Os códigos do Pom Pom Squad

“Os visuais e as músicas foram construídos juntos. Já havia algumas músicas encaminhadas, mas, quando entendi como queria que o álbum começasse e terminasse, foi mais fácil entender os espaços entre essa construção. E os visuais vieram juntos. O álbum acaba sendo uma ‘meditação’ em torno de várias referências e os visuais também seguem essa linha. Ser uma pessoa queer, essa ideia de linguagem codificada… Há alguns anos, se você tentasse descobrir se outra pessoa era gay, você perguntava “você é amigo da Dorothy”, a do Mágico de Oz. A linguagem queer é importante para a comunidade. É ter consciência das mesmas referências, saber sobre artistas que falam pelas pessoas queer. Também pensei na ideia de sampling que vem do Hip Hop. O sample seria como esse equalizador que conecta gêneros diferentes. Frank Ocean referenciando Elliott Smith. São artistas diferentes, mas ter essa referência no sample os coloca no mesmo campo e faz fãs de Frank Ocean conhecerem Elliott Smith e vice-versa”.

“Eu descreveria o Pom Pom Squad como um projeto multifacetado, mas musicalmente falando é Grunge, Pop, Indie Rock, Punk. Talvez seja uma ode ao passado e ao presente da música. Mas acho que o objetivo é subverter normas culturais impostas por brancos norte-americanos e ver como as pessoas reagem a isso”

Easter eggs, citações diretas e referências escancaradas deixam a audição de Death of a Cheerleader ainda mais divertida e curiosa. Seja pela faixa “Lux”, homenagem a uma personagem do cinema, ou pelo ótimo cover do hit-lado-b-das-FMs-românticas, “Crimson and Clover”, da banda Tommy James & The Shondells. “Já conhecia essa música, mas comecei a ouvi-la realmente durante a quarentena. Ela é tão estranha. Acho que cria uma dinâmica que deveria ser romântica e doce. Mas a produção é estranha, eu me sinto estranha ouvindo e gosto disso”. Já “Lux”, composta há mais de cinco anos, tem como inspiração um clássico que fez a cabeça de Mia durante a adolescência. “Foi a primeira música boa que escrevi. As Virgens Suicidas (2000) é um dos meus filmes favoritos, sou fã da Sofia Coppola. Eu não sou uma mulher branca, mas há algo de universal na experiência de ser adolescente, principalmente garotas. Eu me conecto com aquela solidão, com a tentativa desesperada de se descobrir, como Lux no filme. A cena em que ela está no campo de futebol, na manhã seguinte à noite em que eles transaram, falou muito comigo pelo medo que eu tinha da intimidade, da vulnerabilidade. Meio que usei essa personagem para substituir meus sentimentos. Penso nesse projeto como forma de encarnar coisas, e essa música foi esse esforço inicial”.

Sobre o futuro ou a “meta” a ser batida pelo trabalho de estreia, o grupo nova-iorquino, segundo Mia, quer oferecer ao público identificação e conforto. Ou nas palavras dela: ajudar, rapidamente, as pessoas a não sentirem ódio delas mesmas. Mas, além disso, o Pom Pom Squad está aqui para desapontar. “Não de maneira pessimista. Para mim, foi quando descobri as riot girls. Eu era adolescente e amava, mas aí cresci e vi que não havia muito espaço para garotas negras ou garotas de cor. Percebi que essas vozes não eram consideradas e nem surgia um espaço para serem incluídas. Isso me desapontou. Mas me ajudou no ato radical de me jogar nos espaços. Eu quero que aconteça isso com quem ouve Pom Pom Squad. Que pensem: amo a banda, mas não me identifico com a Mia por isso, isso e isso. Então, vou formar minha própria banda”.

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ARTISTA: Pom Pom Squad