Mouse, profissão: DJ

Enquanto não volta a comandar pistas por aí, Mouse aproveita para garimpar samples, se aperfeiçoar e, como tantos outros DJs, se refugiar na Twitch; ele contou sua história de mais de 20 anos de amor pelos toca-discos e como a quarentena aumentou ainda mais essa paixão

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Fotos: Gilson Cardoso

“Essa é uma pergunta que tem rondado o mundo dos DJs. Vai ser emocionante pegar uma pista depois de um período como esse. Acho que, nos primeiros sets que eu for fazer, quero tocar só músicas que eu gosto, nem aí para a pista (risos)”. Essa é a resposta de Wellington Rodrigues, o DJ Mouse, para a pergunta “qual será a primeira música do seu set quando ‘tudo isso’ passar?”.

Cria de São Miguel, zona leste de São Paulo, Mouse é residente do Groove Urbano e idealizador, ao lado de DJ Tidas, da Bailou, ambas festas de Hip Hop de Campinas. E é mais um dos tantos DJs sofrendo com a interrupção repentina e necessária de praticamente toda a agenda de 2020. “Foi complicado. Você tá acostumado com uma rotina de viajar, tocar ali, tocar aqui e de repente, de repente mesmo, você não tem mais isso. Eu tava com uma agenda garantida de março até junho, tudo preenchido”.

Além de praticar, no mínimo, uma hora por dia, uma das saídas encontradas por Mouse e outros DJs, especialmente do universo do Hip Hop, tanto para arejar a mente quanto para seguir tocando e se apresentando, foi a utilização da Twitch. “Na concepção de vários DJs, é a plataforma que mais vale a pena. É democrática, não tem muitas restrições e ela é feita justamente para isso, não é como o Instagram”, defende. Uma vantagem importante da Twitch vem da questão dos direitos autorais: diferentemente do Instagram, que costuma derrubar vídeos caso acuse o uso de faixas sem autorização, a Twitch notifica os usuários após a live e pode até emudecer trechos, mas não exclui o conteúdo após ele ser publicado. “Você pode fazer a live tranquilo, sem se preocupar se, do nada, a live vai cair. Era um espaço dominado pela galera do game e agora os DJs tão começando a invadir, tá todo mundo muito unido e tem sido a válvula de escape”.

“Quando você tem uma boa técnica e tá afiado no seu equipamento, você consegue lidar com qualquer situação. Se você der uma melancia para o Lebron James e mandar ele acertar em um latão bem longe, ele vai acertar. Não é no alto, não é uma cesta, mas ele vai acertar. É tão natural que fica mecânico”

Mouse conta que, entre os DJs, o astral frente a esse ano tão incerto tem variado. Há quem tenha deixado as pick-ups de molho à espera de uma resolução e há quem tenha se dedicado mais do que nunca – na prática e no garimpo. Ele pertence ao segundo grupo. “Tô tendo tempo para voltar a pesquisar mais. Tocar em festa demanda tempo, desgasta, tocando de quinta a domingo… É o que eu tenho feito. Treinar é tão fundamental quanto pesquisar, é a conciliação entre as duas coisas que faz você ir além”.

A paixão de Mouse pela mixagem começou há quase duas décadas, quando ele tinha entre 12 e 13 anos. Ele e um vizinho, dono de um toca-discos antigo e de um rádio de tocar CD, colocavam um mixer entre os aparelhos e passavam as faixas de um para o outro. “Ele me ensinou e falou que isso era mixar (risos), do disco para o CD, do CD para o disco”, relembra. Pouco tempo depois, em 2002, Mouse começou a, de fato, entender e praticar a mixagem, principalmente influenciado pelo ambiente escolar, cheio de referências ao Hip Hop. “Eu já era ligado em Rap desde a época de escola, em 1999. No intervalo, os caras ligavam o som e já rolavam umas rodas de break e tinha uma casa, lá em São Miguel, a Cashbox, que a gente chamava de terraço. Eu ia de domingo nas matinês e ficava prestando atenção nos DJs tocando. Já senti que era o que eu queria ser, foi meio que instantâneo”.

Agora, tantos anos e pistas comandadas depois, Mouse domina a arte do scratch – e suas diversas variações –, mas nem sempre foi assim. Segundo ele, uma das limitações para o aprimoramento da técnica é simplesmente a falta de equipamento à altura. Em resumo: não basta querer. “Eu já entendia a técnica e a importância do lance performático, do quanto isso diferenciava um DJ, mas eu não tinha recurso. Um bom toca-discos, um bom mixer. Então, no começo, eu só mixava. Depois, com um equipamento melhor, você começa a treinar e a criar confiança para inserir isso no set. Scratch não é barulho, não é só arranhar. É harmônico. O toca-discos é o nosso instrumento, tem que soar musical”.

Durante a quarentena, uma das obsessões de Mouse é a caça por samples e a inserção da união original X sampleada, cirúrgica e musical, durante um set. Arthur Verocai e Ludacris, War e Racionais MCs, Jay Z e Menahan Street Band, são muitas e imprevistas as conexões que uma boa pesquisa  de samples pode proporcionar. “Há 20 anos, demorava demais para você descobrir um sample. Era só escutando mesmo, caçando, pegando informação com outros DJs, que muitas vezes não queriam nem passar. Hoje tem até o WhoSampled. Só não tem boas informações quem não quer. E com tempo livre, dá para ir longe, expandir mesmo”.

Com saudades de assumir as pick-ups por aí, Mouse ao menos teve a sorte de, pouco antes da quarentena, assistir a um show que rendeu inspiração para todos os meses seguintes. No dia 13 de março, algo como o “último fim de semana antes disso tudo”, ele assistiu ao show do Slum Village, no Sesc Pompeia, como parte do Nublu Festival. Antes do show, o DJ que acompanhava o grupo na noite fez um set de 20 minutos para guardar na memória. “A primeira virada eu já fiquei de cara, hipnotizado. Foram 20 minutos só, mas foram ‘os’ 20 minutos”. E, segundo Mouse, um eterno apaixonado pela arte dos rabiscos – que definitivamente não são só barulhos –, a inspiração pode vir de qualquer DJ que o instigue a fazer as bolachas girarem. “Qualquer DJ passa a ser referência quando ele te inspira a fazer algo. Tem DJ que eu termino de assistir e logo depois já corro ligar os toca-discos”.

Um conselho para quem está começando na arte dos toca-discos…

Praticar, entender, estudar. Com os recursos de hoje em dia, pode ficar um pouco banalizado. Não seja dependente de equipamento e de “macete”. Aprender a tocar e mixar mesmo. Não é errado usar as tecnologias que existem, mas é fundamental saber, também, transitar fora disso. Porque existem situações em que elas podem não estar disponíveis. Quando você tem uma boa técnica e tá afiado no seu equipamento, você consegue lidar com qualquer situação. Se você der uma melancia para o Lebron James e mandar ele acertar em um latão bem longe, ele vai acertar. Não é no alto, não é uma cesta, mas ele vai acertar. É tão natural que fica mecânico. Ser DJ é assim: exige prática e intimidade com o equipamento. E quanto mais você aperfeiçoar a sua técnica, mais seguro você fica para ser criativo. Outro conselho é pesquisar coisas distantes dos estilos que você toca. Adquirir conhecimento para além do seu repertório, do seu set.

Referências estrangeiras

Jazzy Jeff

– Mix Master Mike

– Skratch Bastid

– DJ Craze

– Roc Raida

Referências nacionais

–  KL Jay (“Referência para todos. Carisma, técnica e tudo”)

– Nuts

– Erick Jay

– DJ Soares

– Dj Magreen

– DJ King

– Dubstrong

5 rappers (vivos ou mortos) para você assumir as pick-ups

– Notorious B.I.G.

– Marcelo D2

– Kamau

– A Tribe Called Quest

– Big L

(“Essas foram as referências e os MCs que vieram na minha cabeça primeiro. Mas são incontáveis os DJs e artistas em que eu me inspiro” – Mouse)

Pode pedir música para DJ?

Eu não posso falar em nome de outros DJs, mas a minha maneira de lidar com isso é a seguinte: se a pessoa me pede uma música que tem a ver com o contexto que eu tô tocando e a música é boa – eu posso ter outra música no pente, mas toco a música que ele me pede na hora. Há casos da pessoa te lembrar de uma música. Porque tem a ver com o set. É óbvio que isso acontece muito pouco, geralmente vem pedir um som que não tem nada a ver com o que tá rolando. Eu atendo pedidos, mas depende do pedido (risos). E depende do DJ, pode ter a ver também e o cara não tocar.

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ARTISTA: DJ Mouse