Mulher-elétrica IV

Nesta edição: Ana Frango Elétrico, Ana Paia, Marcelle DiscoNeXa, Xan e Desirée Marantes

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Não foi intencional, mas, quando vi, tinha reunido somente entrevistadas que não nasceram em São Paulo. Apenas duas delas moram na capital, as outras duas estavam de passagem e uma delas eu fiz questão de ir até Sorocaba para fazer nosso bate-papo. 

Há alguns outros traços que as interligam para além dos instrumentos que optaram tocar. Seja o início na igreja, por também serem compositoras ou produtoras, as conversas desta edição navegaram por novos caminhos. Se não acabaram de lançar discos, estão em vias de, todas com realidades muito específicas. 

Conforme nos aproximamos do final do ano, isso também significa chegar perto da edição final deste especial, no próximo mês. Percebi também que ao que conseguiria conversar com mais pessoas também fui dificultando a execução dessa matéria. No momento, realizei 21 das 25 entrevistas e ensaios que fazem parte desse especial. 

Se o primeiro mês parece tímido em comparação com as últimas partes, os papos também foram se tornando mais elásticos, abrigando diferentes experiências sobre trajetórias e vivências que tentam se virar com música no país. Esse mês ainda chega com um espírito “flex”, uma vez que todas as entrevistadas realizam funções diversas para além de seus próprios projetos. 

Vou parar de dar spoilers:

ANA FRANGO ELÉTRICO

O disco Little Electric Chicken Heart (2019) mal tinha sido lançado e Ana Frango Elétrico já estava de volta ao estúdio. Dessa vez, assumiu a responsabilidade da produção musical do primeiro disco dos paulistanos da Sophia Chablau e uma Enorme Perda de Tempo, que será lançado no ano que vem.

Também é a responsável pela produção de seu elogiado segundo trabalho, no qual a carioca disse que decidiu começar com uma intenção em mente: “pensando padrões, receitas de bolo, que tem a ver com a parte técnica e com a subjetividade”. Depois de se perguntar sobre os elementos que a faziam gostar mais de uns do que de outros, buscou certos lugares sonoros. 

Se ele soa grandioso, isso vem diretamente da ambição de sua criadora, que cita o trabalho de Yoko Ono nos discos de John Lennon como uma de suas influências. O resultado dessas canções é o que dá tom a um dos melhores discos nacionais do ano. Até gringo confirma. O canal do Youtube The Needle Drop, de Anthony Fantano, resenhou LECH e cravou uma bela de uma nota 8 – para a comoção na internet. Levando em consideração que ele raramente dá notas 10 em suas resenhas, onde poucos alcançaram a alcunha, entre eles To Pimp a Butterfly (2015) de Kendrick Lamar e You Won’t Get What You Want (2018) do Daughters, tire suas conclusões. 

“Ao contrário do Mormaço Queima (2018), que foi uma experiência muito livre, de contorno das coisas, sinto que esse eu sabia vários lugares que queria chegar”, explica sobre as diferenças entre os processos. Isso também tem a ver com o fato de que o novo trabalho foi gestado em outro tempo. 

No primeiro disco, gravou aos 18 anos as canções que havia escrito aos 16. Seu primeiro show aconteceu um ano antes com o seu outro projeto, a banda Almoço Nu, que conta com apenas um single lançado, mas está em vias de lançar dois “álbuns pequenos”. Desde 2016, Ana acredita que fez 70 shows como Frango Elétrico, entre performances com e sem banda. 

“Comecei com voz e guitarra. Eu não tocava tanta guitarra e fui a partir dela explorando. Mas, hoje em dia a minha performance tem a ver com guitarra, o timbre, a maneira que se toca, o som que tira dela, os movimentos em cima dela. A minha pesquisa performática tem muito a ver com a guitarra. Nesse novo show, que fiz só um, estou descobrindo também como é não estar com ela. O que é meu corpo.”

Parte do processo da compositora também existe em entender para onde deseja seguir, qual era o cenário pós-Mormaço. No intuito de “interpretar” as próprias músicas, fez as pazes com o lugar de cantora. “Estou descobrindo a minha voz. Uma nova voz porque é muito doido, estou em idade que a voz muda. Acho que vida inteira, né? A Gal Costa, por exemplo”, reflete sobre o tempo. Além de Gal, cita Nora Ney e Amy Winehouse como referências.

Quais foram as conclusões sobre o processo depois da produção? 

Cismei que queria uma sala grande de bateria. Estava gostando de umas coisas dos anos 1950, queria sopro o disco inteiro, queria cantar com mais calma, queria tocar guitarra… Explorar um som novo e queria gravar um pouco de uma guitarra que eu estava mais esperta em fazer, um som de Strato. Resumir um som que é meu, pós-shows do Mormaço. Era isso, essa vontade de começar a explorar novos sons, de tocar o meu som que já era e de gravar junto. O Mormaço era muito específico no tempo, muito fluído, de não ter clique. E também não queria gravar com clique, queria gravar junto, uma banda ao vivo. Antes queria que tivesse uma banda por trás de uma sala grande, pensando a subjetividade da poética inserida ali. O pequeno elétrico coração galinha tem a ver com o pequeno que é muito grande, com grande que é muito pequeno, com nossos afetos. Enfim, sempre tem coisas assim. Little Electric Chicken Heart, lembro de pensar em fazer um vídeo de um churrasco vendo os corações de galinha. Tem um pouco de poética visual do cotidiano, mundano, ordinário também. 

Como foi fazer as pazes com o papel de intérprete? 

A Nora Ney me marcou muito, ela me deu uma vontade de poder cantar. Tem também uma imposição de como a mulher deve cantar, que voz é essa, que maneira é essa de cantar. Eu era muito revoltada com a questão de intérprete, no sentido da composição, de poder cantar o que eu queria, que letras são essas que a gente tem que cantar que são feitas por homens sempre? Acho que era uma implicância minha com isso. E no começo era jovial também. Comecei a gravar o Mormaço com 18, eram músicas dos meus 16. Era muito pensando no sentido da minha voz, eu não tenho que ter essa voz grande o tempo inteiro. Era muito isso de eu não precisar cantar porque ao mesmo tempo tudo é. Era inocente também de achar que isso não era.

Vi o vídeo em que você fala sobre paralelismo miúdo, conta um pouco sobre isso? 

Paralelismo miúdo (risada). Essa poética tem a ver com LECH e Mormaço Queima, de pequeno e grande. Descobrindo a poesia, no sentido da possibilidade de inverter a linguagem. Tem a ver com Yoko Ono, tipo o “Imagine”, imagine isso, faço aquilo, então comecei a ir por esse caminho do ‘você pensando’, que lugar é esse de você ser tão potente. Não só do ‘você me abandonou, você me faz chorar’, que eu gosto também. Tenho um pouco de dificuldade de expressar meus sentimentos nas músicas. Gostaria que fosse mais fluido. Assim, quando eu vejo, estou escondendo tudo. “No Bico do Mamilo” é uma música de amor. Olha como eu falo! Só consigo falar assim, escondendo. É até um exercício, nesse disco tem umas que já me colocam mais, me escondendo menos. Ele tem muito isso, de eu poder sentir um pouco. 

O Mormaço saiu no susto? 

Senti que eu tinha que gravar aquilo. Eu olho e penso: ‘louca’, no sentido de como eu tocava. Queria registrar porque via muita gente que por perfeccionismo não registrava muita coisa que eu curtia. Fui impulsiva e fico vontade de fazer com mais calma as coisas. Mas acho que não tem muito a ver comigo. 

ANA PAIA

O primeiro comentário do clipe “Mais um dia” da sorocabana Ana Paia diz o seguinte: “Snail Mail brasileira”. A comparação foi sabiamente pontuada pelo mineiro Wagner Almeida, pois claramente é uma das referências da compositora e guitarrista. Com apenas um EP lançado, o Atelofobia (2017), e dois singles, ela pretende jogar no mundo novas músicas no início do ano que vem. 

Sua primeira apresentação como Ana Paia aconteceu no ano passado, em um evento da produtora independente Lobotomia. “A gente geralmente faz uma intro e já começa, é um show muito curto, uns 20 minutos. Dá para tocar duas vezes o set do show porque às vezes eu fico nervosa e acabo só indo, então acaba mais rápido”, conta Ana, que tem 23 anos mas diz que “as pessoas geralmente falam 17”. A jovem escreve poemas e toca desde a adolescência, quando o pai a ensinou a tocar bateria porque precisavam de alguém na igreja. Hoje em dia, divide-se em três ocupações principais: “Estudo para me tornar auxiliar de veterinária, gosto muito de bicho. É minha namorada, bicho e música.”

Seu lance era mais de tocar do que cantar?

Eu tocava na igreja, o primeiro instrumento que eu toquei na verdade foi bateria com o meu pai. Depois, ele me ensinou uns acordes no violão, mas eu larguei porque eu só jogava bola, não estava muito interessada na música. Tocava porque não tinha gente na igreja para tocar, meu pai me ensinou a tocar violão e bateria. Teve uma época em que fui para o baixo porque também não tinha baixista, ele me ensinou o básico. Mais para frente, eu comecei a ouvir umas bandas de Punk-rock, então comecei a tocar a guitarra. Depois fui me descobrindo aos poucos, do que eu gostava mesmo de fazer. Tocar mesmo, eu toco guitarra. É o que mais curto, mas ainda não sei muito. Sei o básico que aprendi com meu pai, depois fui pegando sozinha cifra, tirando de ouvido. 

O que você mais gosta de música? 

Antigamente, eram mais essas bandinhas de Punk-rock, mas agora eu gosto mais Turnover, American Football, Soccer Mommy. No Brasil, El Toro Fuerte e Raça. Gosto dessas bandas, mas eu não sei se capto elas nas minhas músicas porque eu não fico pensando em fazer uma música parecida com a Soccer Mommy ou Raça, eu só faço.

A galera geralmente fala que lembra Indie americano?

É mais uns amigos meus da Geração Perdida. O Wagner Almeida comentou lá no vídeo que estava parecendo Snail Mail. Fiquei feliz porque se um dia eles vieram para o Brasil eu vou muito querer abrir o show deles. Referência mesmo tive que pegar banda de mina gringa. Assim que lancei o EP comecei a entrar nesse meio de procurar banda de mina porque eu não conhecia nenhuma daqui. Agora acabei de conhecer a Crime Caqui, puta som da hora. 

Do primeiro EP para agora, onde você sente que chegou e para onde quer ir?

Acho muito da hora, não imaginava tudo isso porque sou muito insegura com o que eu faço. Pensava que a gente ia gravar o EP e ninguém ia ligar, ainda mais pelo primeiro EP ser em inglês, três músicas em inglês e uma em português. Achava que ninguém ia dar bola. Mas, na verdade, todo mundo começou a abraçar o que eu estava fazendo. De lá pra cá, eu jamais imaginei que eu ia abrir para o Jair Naves, que eu gosto muito. 

MARCELLE DISCONEXA

Em seu terceiro disco, Marcelle Fonseca ou apenas Marcelle, assumiu a identidade de DiscoNeXa. O novo registro foi lançado no final de agosto, tem produção de Samuel Fraga e conta com participação especial de Manoel Cordeiro (“Malibu”) e de Julia Valiengo (“Desconcentração”). Quando não está tramando ideias para seu projeto solo, que estreou em 2012 com o disco 0ne Oh 1, a compositora sergipana também assina as faixas da banda Olympyc – ao lado de Fraga – e faz parte da banda da Jadsa. 

Enquanto divide-se entre os diferentes parceiros criativos, continua escrevendo as próprias canções: “quanto mais conseguimos desanuviar do que não vinga, no sentido de não conseguir fazer o tanto de show que a gente gostaria e nas condições que a gente queria, vai se distraindo fazendo música que é o que gostamos de fazer. É sempre o mesmo processo, que é meio solitário, simples e tranquilo.” Morando na capital paulista há oito anos, nesse tempo, fez backing vocal para Anelis Assumpção e presenciou alguns momentos transformadores. “Os shows que mais me marcaram foram os que mais me instigaram, e me deixaram cheia de vida. E que emanaram a mensagem que é a música, a vida que a música traz”, relembra. 

Do Equivocada (2017) para o DiscoNeXa, como esse sobrenome surge e quando vira um ou vira o outro? 

Isso foi uma coincidência, não tinha essa intenção de ficar mudando. Me chamo Marcelle Fonseca e tem uma cantora evangélica com o mesmo nome. Quando começamos a gravar decidi assinar só como Marcelle. Eu já tinha a brincadeira do Equivocada nas redes sociais, e na época pensei que seria um bom nome para o disco porque combinava com algumas coisas. No DiscoNeXa, aconteceu de novo quando começamos a pensar no conceito do disco porque as canções vão surgindo, então vai se criando um link, uma unidade. Comecei a pensar em um nome e por coincidência calhou de ser um adjetivo e uma nova nomenclatura. Pensei: por que não? As pessoas vão achar confuso? Vão. Tô aqui para explicar? Não. Pensando no conceito da minha arte é que o faz sentido para o que eu apresento, na forma como eu me mostro para o mundo. Não quero que as pessoas esperem que eu seja a mesma coisa, a mesma artista, quero mesmo que elas achem que no próximo disco eu posso virar um número. Qualquer coisa pode acontecer. Me atrai muito a arte, a música por esse aspecto, de poder de transformação conforme o tempo passa. A arte é um reflexo do artista e do seu tempo, daquele momento, então poder mostrar isso já no nome cai muito bem. 

Em que aspectos DiscoNeXa e Equivocada se distanciam e se aproximam?

Um disco do outro é algo muito particular, entendo que a maior unidade que há entre eles sou eu e a minha forma de compor. Tem outro aspecto também que eu acho que denota essa diferença, que é a minha evolução como artista. Esse disco novo é bem mais sofisticado que o outro. Sempre, só consigo fazer música de uma maneira muito simples, quero que a música continue sendo simples. Não gosto de arranjos mirabolantes e contratempos para ficar mais difícil, sou o contrário disso. Sempre tentei fazer com que minha música e a mensagem chegassem no ouvinte e espectador da maneira mais simples possível. Nesse sentido, tento fazer nos três discos com que a música seja a mais Pop, popular e simples. Isso fica nos dois discos, mas acho que o DiscoNeXa é mais Pop, Eletrônico, por isso ele tem uma audição mais fácil, talvez.

Você falou sobre ser um processo solitário na hora de criar, sempre foi algo entre você e o violão?

Faz tempo que eu não começo algo escrevendo no caderninho, tem sido mais no violão. Demoro para transcrever no caderninho das letras porque eu não uso ele para compor, só uso para ver se a letra escrita faz sentido, ver como fica o formato de estrofes e dos versos. É legal poder visualizar e imaginar o refrão, depois visualizar o mapa da música, pensar em uma parte que se repete ou não. Sou uma cantora que não queria ser cantora, morria de medo do palco. Tenho uma prima que é cantora e ela ficava me chamando para ir com ela, forçou essa barra em mim. Sempre escrevi e compus, quase nunca mostrei. Comecei a mostrar as coisas mais no Equivocada. Acho que sou antes compositora e depois cantora. É engraçado como as coisas se confundem porque aprendi a tocar violão para poder compor minhas músicas, nunca tive vontade de ser uma musicista e tocar super bem. Tinha vontade de falar umas coisas e musicar o que eu escrevia, não queria ser cantora. Quando fiz os primeiros shows, virava para a banda antes de subir no palco e falava ‘gente, que seja o mais rápido e menos doloroso possível’ porque eu ficava realmente travada e tensa. Com o tempo, fui pegando um amor pelo palco e hoje o que eu mais amo fazer é show, mais do que gravar, compor, ensaiar. É um momento muito sublime de entrega dos dois lados. Gosto da gentileza e da sutileza que vive junto da visceralidade do palco. Todo mundo que está na sala faz parte do show. Esse momento só existe ali, então é muito mais especial que qualquer outra parte do processo. Adquiri a segurança como cantora quando consegui me chamar intérprete tanto de músicas que são minhas quanto de outras pessoas. Isso de ter começado a fazer música com outras pessoas, de ter começado uma outra banda, tudo isso foi me formando como cantora. 

Como a guitarra surgiu nesse processo? 

Não sei exatamente responder. Foi muito natural por causa da necessidade de ter um formato menor porque nem sempre podemos apresentar com banda completa. Precisei pensar em outra maneira de apresentar minhas músicas. Não queria fazer voz e violão porque não ia combinar. Comecei a pensar nesse formato de pocket e foi assim que fiz a transição de vez. Até então, realmente, era só um processo de tocar para compor, o violão me bastava. Quando comecei a pensar em um show e a pegar o gosto pela coisa fui picada pelo bichinho do pedal, fiquei louca querendo comprar uns pedais porque a guitarra é um mundo maravilhoso. Não sou uma exímia musicista, a guitarra é um novo mundo, no sentido de que qualquer ruído é um som, uma possibilidade. A música vai ganhando outras camadas em um único instrumento, é mágico. Todos os instrumentos são mágicos. Conforme você vai adicionando coisas, vai aumentando o arranjo e pensando na cara da música. A guitarra por esse lance de você poder alterar entre os pedais, essa infinidade de possibilidades foi me deixando com mais tesão na coisa. O que eu percebo que gosto cada vez mais é o som que não parece guita. Gosto dessa pira. Tem guitarristas que tem essa pira da guitarra mesmo, Fender e pá. Eu gosto de uma outra pira que não se parece com a guitarra. 

Você sente que a cidade impactou na sua composição?

Com certeza. A abrangência de temas aumentou, a vivência com a rua e com as coisas que são diferentes. Existe isso, de semelhante atrair semelhante, mas aqui em São Paulo a gente anda só. Quando andamos só, a tendência é de observar mais coisas e quando paramos, a minha tendência pelo menos, é de me aprofundar mais nisso. Por exemplo, esse teatro (sede da Cia. Pessoal do Faroeste, na Luz) eu não conhecia até minhas amigas fazerem uma ocupação aqui, minha sensação é que as pessoas que conheço acabam se tornando uma ponte para outras coisas. O que acontece aqui, no torno desse teatro, não é o que acontece no restante da cidade de São Paulo, aqui é a Cracolândia. Só que isso aqui é o Brasil profundo, é o Brasil que a gente não habita porque vivemos em uma bolha, observamos os lugares que podemos observar, mas às vezes não mudamos de ambiente. São Paulo mudou minha forma de compor porque mudou minha maneira de ver, de agir, de sentir e de aprofundar nas coisas. Acho que sou uma pessoa muito menos medrosa do que eu era porque hoje vivo aqui e tive possibilidade de viver outras coisas, de abrir minha cabeça e meu corpo para receber essas coisas novas.

XAN

Quando não está envolvida com a Tuyo, tocando guitarra ou teclas, a multi-instrumentista paranaense Xan desenvolve seu projeto autoral, que contará com um álbum novo em 2020, muito provavelmente chamado de Xantanaz. A história da compositora com o trio curitibano vem de longa data, quando tocavam na Simonami. Antes dessa banda, Xan também teve outros projetos: Hardcore na Te Vejo em Breve, Metal progressivo na Metapolis e Deathcore na AGRAPHON. Decidiu jogar tudo para o alto e estudar audiovisual. Nesse contexto, fez documentários, filmes e clipes como diretora. Retornou para o universo da música em 2018, lançando três álbuns lo-fi desde então: “O primeiro é bem experimental, bem ‘Noisão’, tipo Noise mesmo. O segundo também segue nessa pegada. O terceiro é mais Pop eletrônico. Tentei fugir da música, mas a parada é uma doença que só vem”, conta a artista multimídia. No momento, está em processo de entender como ter mais pessoas envolvidas em suas composições – “para acrescentar no role”. O som seguirá a sua linha estética: “ mistura Pós-Rock, Black Metal, um som meio atmosférico, triste e cabuloso.”

Seu som solo: você produz desde quando? Como começou?

Meu rolê com a música começou desde cedo porque minha avó me obrigava a ir na igreja. A única coisa que me mantinha lá dentro era o louvor, os instrumentos, a possibilidade de poder tocar tudo o que estava lá. Uma coisa legal da igreja era que se faltava a pessoa do teclado, eu ia pro teclado. Faltava o cidadão da batera, eu ia e fazia batera simples – ficava nessa suruba de instrumentos. Além da escola diária porque eu tocava quarta, sexta, sábado e domingo, estilo show, todos esses dias eram um show. Nessa prática de igreja, eu fui adquirindo bastante conhecimento, a teoria veio depois, mas de ouvido e de ler a outra pessoa que tava tocando foi vindo desse primeiro momento. Demorou bastante para eu começar a produzir coisas porque eu sempre fui a pessoa tocava e não criava. Isso com uns 14 anos. Agora eu tenho 30, tiazona (risos). Mais tarde eu fui me desvencilhando desse lugar. Entrei em outros movimentos, na banda de Hardcore chamada Te Vejo em Breve. A gente tem uns dois ou três álbuns lançados na internet, era uma coisa daquela época Emo, todo mundo queria fazer esse Hardcore melódico. Todo mundo produzia junto, eu não estava peitando nada. Depois veio a Simonami, uma banda que eu tinha com a galera da Tuyo. Começamos nesse rolê porque a gente odiava as mesmas coisas, tinha o mesmo background de igreja, e sem querer, a gente queria falar mal da igreja. Isso foi aflorando com o tempo até que todo mundo largou a ideia de uma divindade, esse ateísmo geral é recente. Com a Simonami nós gravamos em alguns lugares. Depois a banda acabou bem em um momento que eu estava desistindo da música porque eu queria trabalhar com outras coisas, queria mexer com cinema. Comecei a estudar produção audiovisual. Eu tinha muito ranço da música porque a gente se fodia muito, fazíamos de tudo para acontecer e nada dava certo. Com a Simonami as coisas davam um pouquinho mais certo, só que não dava também. Eu estava desistindo por isso. Então, fui trampar com audiovisual por um tempo, mas nunca larguei de vez. Quando eu vi já estava mexendo com algo na música. Foi nessa época que quis produzir sozinha meus três álbuns Lo-fi. Só em 2018 eu comecei voltar a fazer som de verdade e pensar na minha carreira artística. Tentei fugir da música, mas a parada é uma doença que só vem. 

Por que você desistiu de produzir suas coisas?

Não dava certo, tentávamos muito. Super entendo que não dê certo porque tem muita gente querendo fazer. Mas, também tem muita gente para ouvir. Um álbum tem 30 minutos e quantos 30 minutos tem dentro da sua semana, por exemplo? Acho que dá para todo mundo fazer e todo mundo se ouvir. Desanimei por causa de uma sequência de coisas. Fui percebendo que não tem como fugir da parada, eu curto fazer. Um desses singles que estou produzindo agora é com o Machado, tem outro completo com a Tuyo, mas esse com ele deu uma acendida em mim em algo que estava morto, que é a felicidade de ver uma coisa produzida depois de ralar bastante. Hoje estou mais feliz em fazer som, voltar a carregar guitarra, case, essas porras tudo pesadas. Antes, eu não queria carregar nada. Agora eu vejo as coisas dando um pouco mais certo, vejo pessoas que tão dando certo e têm um som parecido com o meu. Passei a acreditar no meu som e nas minhas escolhas em relação à melodia, harmonia, timbres e no contexto geral da situação da música. Não é uma track, é o artista, quem eu sou atrás da música. Sempre fui a pessoa que não queria saber somente do filme ou da música, queria saber da pessoa que estava por trás, no que ela pensava, quem ela é, o todo. Nesse sentido, a primeira pessoa trans que eu vi fazendo música foi a Mel da Banda Uó e foi uma puta inspiração para mim, no sentido de pensar também ‘porra, quantas pessoas podem ver o meu trampo e sentir que elas podem fazer também?’. Sendo que eu vi pouquíssimas pessoas fazendo um trampo que eu pudesse me inspirar. Meu rolê não é só sobre mim, ele também sobre todas as pessoas que são iguais a mim. Isso me dá uma puta força de querer fazer as paradas porque tem um monte de gente igual a mim vindo aí. Igual a mim não só em relação a ser uma mulher trans, mas de outras fitas. 

Você tem essas músicas guardadas há muito tempo? 

Se for ver nos meus HDs em casa tem muita coisa, tenho ideias que estão mais ou menos trabalhadas, tem beats e composições, conseguiria fechar um álbum agora. A letra que eu quero colocar na minha música é uma parada que mexeu comigo, é uma joia que me deram de presente e está lá na minha gaveta, mas porra, joia é para ser vestida, para dar close na rua. Cada uma dessas músicas é uma dessas joias, fui vendo que tem um monte e até queria entrar de cara no estúdio para fechar um álbum fechado, mas ainda não estou na condição. Por isso que comecei com os singles. Canção mesmo eu faço desde sempre. Antes eu fazia mais no violão porque era o único instrumento que eu tinha acesso. Hoje eu faço tudo no estúdio, a guitarra e o violão ainda estão lá, mas eu mexo mais no Ableton Live, faço meus beats em qualquer lugar que eu esteja com o computador. 

Já está pensando em como elas ficam ao vivo?

Estou começando a produzir, mas ele vai ter uma variação dessas coisas. Ter um momento violão, tristão, daí um momento de eletrônico. Também estou tentando colocar na minha música o gutural. Depois do Hardcore, fui pro Metal, passei pro Metalcore, toquei baixo em uma banda de Metal progressivo e em uma outra de Deathcore. Era muito massa porque é uma coisa que eu sei fazer, é até bizarro uma travesti cantando um gutural. Estou tentando implementar essa técnica na música popular porque acredito que meu som mesmo não sendo popular, dá fazer ele ser popular. Tipo o som da Tuyo não é popular, mas é um som que minha mãe ouve. Quero tentar misturar essas coisas que eu gosto e deixar isso Pop. Como eu vou deixar o gutural virar pista? Estou nesse processo de fazer a mistura das coisas. Tem rolado e acho que vai acontecer. 

E a guitarra e o violão você sempre tocou? Prefere um ou outro?

Não prefiro nenhum. É engraçado, minha relação com a guitarra sempre foi de muito amor ou de muito ódio. Não ouvi ninguém falando que não curte guitarra nas outras entrevistas. Sempre achei a guitarra muito foda, muito massa, tive ídolos masculinos, que eu queria ser eles, virtuosa igual a eles. Interessante até que esses ídolos que eu tinha na guitarra eram os caras do Glam, Hardrock, metaleiro, que usava as make e era uma mina, só que não era uma mina, né. Com o tempo, fui percebendo que a guitarra é muito masturbação. Não via as pessoas fazendo coisas diferentes com a guitarra e eu também não conseguia fazer muita coisa diferente. Como era uma coisa de homem, via a guitarra como o futebol. Eu tocava porque eu sempre toquei e estava dentro do rolê do Rock. Era um assunto que eu não queria falar na mesa. Eu dominava a guitarra, mas com o tempo fui perdendo a pira. Acho que isso tem a ver com fato de ter parado de fazer som. Fui voltar a ter pira de guitarra quando eu comecei a ver mais minas tocando de um jeito diferente e não tentavam ser os guitarristas virtuosos e clássicos, que era o que eu tentava ser e não conseguia. Hoje em dia, a minha relação com a guitarra é do tipo ela está lá ao lado das minhas coisas, quando dá vontade eu toco. Não é uma paixão, tenho paixão por fazer música. Em algum momento eu trago ela ou faço uma música em cima, sei lá. Uso mas é uma ferramenta igual notepad, controladora, microfone, não tenho essa romantização. Quando estou no palco curto muito. Na próxima tour que vai ser só teclas, sei que vou sentir falta. 

DESIRÉE MARANTES

Há 20 anos colecionando equipamentos e instrumentos diferentes, a produtora e multi-instrumentista gaúcha Desirée Marantes precisou dizer alguns “nãos” para conseguir focar em seu projeto solo, o Harmônicos do Universo. Além de produzir os seus próprios projetos, divide seu tempo com outras bandas e ideias. Por exemplo, desde 2015 é voluntária no Girls e Ladies Rock Camp, além de ter começado o Girls Rock Camp Porto Alegre. Fora o trabalho no próprio selo, o Hérnia de Discos, que atualmente divide-se nas funções com Cint Murphy, do In Venus. De vez em quando, ela também organiza o evento “Pedalaço das Minas: Tudo o que você quis saber sobre pedais mas tinha vergonha de perguntar”, para trocar experiências com quem quiser chegar junto. 

Atualmente, está trabalhando com a Crime Caqui, a única banda que ela topou produzir depois que decidiu se debruçar no mundo das composições. Ao longo dos anos também participou de diversas bandas, duos e grupos diferentes. Hoje em dia, participa do trio Mirantes e Hikikomori (ao lado de Sara Não Tem Nome). Não sei se é exatamente um spoiler, mas Desi já tem o nome das músicas, as palavras dos títulos formam uma frase – “Tentei criar algo que deixasse o mundo um pouco mais agradável”. 

“Sai de um negócio onde falava: ‘nunca vou gravar disco, só vou fazer show ao vivo porque as pessoas têm que me ver construindo um negócio, acho que essa é a posição mais vulnerável que posso estar frente ao público’. Passei disso para ‘ah, vou ter disco e até vou repetir umas músicas’. Quero tentar achar um equilíbrio”. 

Sua casa funciona como estúdio, inclusive, conta com uma garagem equipada com a bateria que a Larissa Conforto deixou no país antes de mudar para Portugal, um globo espelhado, luzes que piscam, vários teclados, guitarras, coisa doidas e coisas mil. O espaço também é dividido com os seus gatos, discos e peças de instrumentos. 

“Até que produzi muita coisa esse ano, na verdade, até pela falta de trabalho de freelancer (em pesquisa de inovação). Quando vi que estava ficando muito deprimida fui focando minha energia em outras coisas. Tá todo mundo louco, tá todo mundo deprimido, mal, se não tiver uns pilares para te segurar fodeu”.

Quantas edições você participou do Girls Rock Camp?  

Em Porto Alegre, está indo para a quarta. Essa semana eu resolvi me desligar do Camp de lá porque o objetivo que eu tinha foi atingido. O Camp é uma coisa da comunidade, não dá para ser de uma pessoa. Acredito nisso para tudo na vida, não é uma figura que centraliza e faz o negócio. E também quando tu tá fazendo um negócio, projeto, demora um tempo, alguns anos para o bagulho andar com as próprias pernas. O primeiro foi uma loucura. Fui no Camp de Sorocaba, em 2015, e no momento que vi aquilo acontecer com vários princípios que sigo na vida, em relação à música, em relação a ensino de instrumento, foi muito bom. Todo mundo devia tocar, todo mundo deveria ter a oportunidade de fazer um ‘plim’ num instrumento sem ser criticado por isso. Mano, faz vários ‘plims’, se tu achar o negócio bonito, legal. É isso que a gente quer passar, ‘vai lá, tu consegue, quem disse que isso tá errado?’. Se tu errou, erra de novo de propósito. Como as pessoas vão saber se é um erro se a música é sua? Então, você vai falando essas coisas e vê que funciona. Fui no primeiro Camp como registro de áudio porque assim como a maioria das mulheres, não tinha entendido que o Camp era para meninas que não tocavam nada, achei que era para meninas que já tocavam e iam lá ter aula. O instrumento que eu me indicaria para tocar foi o único que estudei formalmente que foi o violino, não entendi que poderia dar aula de guitarra para criança. Me inscrevi na única coisa que eu sabia na lista de voluntário que era registro de áudio, gravar as entrevistas para os vídeos e tal. Quando cheguei lá, vi que poderia ter sido tudo, instrutora de guitarra, de baixo, de teclado, até produtora das bandas porque a maioria das minas que iam lá nunca tinham tido contato com instrumento. Minha função era essa: fazer com que elas se sentissem empoderadas para tocar qualquer coisa e as que já tinham mais noção era dar um auxílio ou técnica para ajudá-las a se desenvolver melhor. Na questão da produção das bandas, era mostrar para elas que elas conseguem fazer uma música sozinha. O papel é muito mais estimular, escutá-las. Foi aí que pensei ‘por que só tem nessa cidade?’. Só tem lá porque precisa de um esforço enorme e precisa começar a contar com apoio da comunidade para fazer acontecer. 

Aconteceu junto do Hérnia? 

Comecei a conversar com a Liege Milk, baterista do Medialunas. Nesse mesmo ano a gente foi no Ladies Camp Rock, que é para adultas. Ficamos hospedadas na mesma casa e a Liege levantou a ideia de fazermos um selo. Como trabalho há 12 anos com pesquisa de inovação e tendência, achei um selo meio antiquado, mas sou uma pessoa flexível e comecei a pesquisar sobre o assunto. Descobri que cada selo tem um perfil diferente e nenhum daqueles era o que eu queria fazer. Sou uma pessoa tímida, introvertida, não divulgo as próprias coisas que eu faço. Não queria estar no papel de enviar newsletter para as pessoas ouvirem alguma banda, porque quem sou eu para dizer qual banda é boa ou não? Faço curadoria de notícia, de informação, mas aí já é demais. Sou muito da ideia de que tem músicas que te tocam e outras não e isso não significa que seja ruim ou não. Começamos a conversar com outras voluntárias, algumas entraram junto inicialmente e depois saíram. Eu queria muito me envolver com produção musical, há muito tempo gravo em casa e gosto de colaborar, tenho uma boa noção de quando consigo contribuir com algo e quando não tenho nada para falar. Acabou que fizemos alguns lançamentos, estávamos empolgadas e fizemos um mini festival no Breve. O festival foi maravilhoso, mas foi um desastre. Continuei trabalhando porque sou frita dos trabalhos e das ideias. Por exemplo, decidi na segunda que ia sair do Camp de Porto Alegre e já estou pensando em como fazer um Camp aqui ou algo que eu consiga organizar com mais facilidade porque uma semana inteira é um bagulho muito intenso. Fiquei sozinha por um tempo no Hérnia e comecei a fazer uns negócios, foi quando fiz a residência da Saskia aqui em casa. Louca, né? Mas tinha possibilidade, sabe? São 20 anos colecionando equipamento, tenho mil coisas bizarras, um monte de pedal, posso dividir isso com alguém. Mesmo nessa época foi quando conheci a Cintia da In Venus porque a gente lançou In Venus, mas não conhecia ela. Fui no show e convidei ela para vir em casa bater um papo, veio ela e o Ro, nós ficamos quatro horas falando sem parar, a Cintia quase me ofereceu um emprego porque ela é sócia de uma empresa de coisa de tendência. Vimos que tínhamos muita coisa em comum. Sou muito criativa e tenho um pouco mais de dificuldade para me organizar, não que não consiga seguir cronogramas, mas preciso de um tempo maior até chegar nessa maturidade de editar, cortar, entender como as coisas estão funcionando. Chamei a Cintia para trabalhar comigo na Hérnia, expliquei que estava sozinha e o que tinha para fazer, estava fazendo o Camp de Porto de Alegre, a partir de agosto minha vida acaba para outras coisas, de agosto até final de janeiro é só Camp. Ela aceitou. Funcionamos bem como dupla. No final do ano passado, percebemos que estávamos dando muita atenção para outros projetos e deixando os nossos projetos de lado. Combinamos então dela focar mais no In Venus e eu vou fazer a gravação do Crime Caqui que eu já tinha me comprometido, é uma banda que estou gostando de trabalhar e depois vou fazer meu disco. Tenho falado não para as pessoas desde maio, não posso, parece meio escroto, mas é uma realidade. Se eu vivesse só de produção musical teria pego um monte de coisa porque acho que trabalho razoavelmente rápido com as coisas, mas como eu só gasto dinheiro música, não é a minha realidade.

Do seu disco, quais são as referências de som que você queria trazer?

Cara, na verdade, está sendo engraçado porque eu nunca tive muitas referências. Não conheço muitos grupos que fazem o que eu estou fazendo. Por exemplo, a maioria das pessoas usa loop para reproduzir uma canção sozinho, tocar mil instrumentos, tocar um hit, um sucesso ou uma composição pronta. Eu sempre quis que o Harmônicos fosse uma experiência participativa, no sentido de eu não sei o que vou fazer e as pessoas também não sabem, estamos na mesma situação, não chego com as coisas prontas. Sempre faço umas cartinhas, um baralho para as pessoas abrirem e puxarem uma frase reflexiva – esses dias fiquei com preguiça porque li umas frases e parecia meio coaching. Os primeiros shows que eu fiz, levava umas tintas, papel e canetinha e falava para as pessoas desenharem a música se quisessem. Não acho que o fato de tu ser independente ou de não ter tantos recursos impeça de pensar em trazer mais coisas para show. Até porque me parece que falta muito profissionalismo na área da música, mesmo quem é amador, mesmo quem não vive disso. Às vezes, chega a ser falta de respeito com o público, como você faz um show que as pessoas estão pagando para entrar e você não vai estudar para se apresentar, não vai procurar se desenvolver constantemente? Do início do Harmônicos (final de 2015) até agora, minha própria maneira de tocar foi mudando, porque no começo tocava só guitarra depois comecei a tocar violino também, comecei a tocar teclas. O negócio de loop é muito legal, mas é limitador porque não existe um equipamento de loop que faça as coisas que eu quero fazer. Acho legal a pessoa ver tu indo lá e fazendo as coisas, que não é um processo mágico. Tem shows que eu explico, mostro para o público os pedais de loop e o que eles fazem, gravo e vou mostrando. Agora, o processo de gravação tem sido muito engraçado porque todas as coisas que tenho no Spotify são shows ao vivo, não tem edição, tem nota desafinada, o som não é ideal, é um som de show. E também ao longo dos shows tu vai trocando de equipamento, vai pesquisando novas maneiras de fazer. Quando comecei a gravar a primeira coisa que eu fiz foi uma pré-produção porque pensei em ter um negócio de entretenimento para as pessoas assistirem e se darem conta do que estou fazendo, elas começam a torcer ‘tipo ela errou o loop, nossa agora acertou e pra onde ela vai agora?’, pelo menos é isso que o pessoal tem me falado depois de show. Só que tem um outro negócio que eu total tinha desconsiderado que é o lance de quando você toca as primeiras notas de uma música e a pessoa já reconhece a música porque é nesse momento que ela se sente inteligente ‘tipo, ah essa música é tal, do disco tal e ano tal’. Quando tu vai no show da banda que tu gosta e escuta a música preferida, arrepia o pelinho do braço. Por isso, pensei em repetir algumas coisas, mesmo que eu não execute exatamente igual eu gravei, tem que ter algum elemento e acho que isso vai melhorar. Então, sai de um negócio onde nunca vou gravar disco, só vou fazer show ao vivo porque as pessoas têm que me ver construindo um negócio, acho que essa é a posição mais vulnerável que posso estar frente ao público, mas passei disso para ‘ah, vou ter disco e até vou repetir umas músicas’. Quero tentar achar um equilíbrio nisso. Comecei a fazer uma pré-produção e achei alguns temas, uma base que me agradava, posso até te mostrar duas que estão prontas. Depois comecei a tentar a gravar mesmo, primeiro fiz uma microfonação sem nada para ir testando, deixava montado na garagem e, quanto tinha tempo, descia para tocar.

Você falou que estudou violino, como surgiu o resto?

Com três anos de idade, eu pedi para a minha família um violino de Natal, mas só toquei com 15, foi meu primeiro instrumento. Na minha família ninguém tocava, todo mundo era do esporte. Lembro até de ficar chateada porque pedi o violino e eles me deram uma raquete de tênis. Não sei porque eu queria, lembro de ter visto crianças tocando violino em algum vídeo e ficado impressionada. Com 14 anos, comecei a trabalhar, juntei dinheiro e comprei um violino. Minha família viu essa obsessão e me colocaram para estudar, ter aulas. Minha mãe decidiu colocar meus irmãos para tocar também, cada um em um instrumento. Tenho mais cinco irmãos, somos em seis. Quando eles ficaram adolescentes pararam de tocar, tem só uma irmã que toca guitarra. Mas eles tocavam muito bem, tive que me esforçar três vezes mais para aprender o que eles aprendiam porque eram crianças, aprendiam mais fácil, quando a gente começa mais velha já começa toda travada. Estudei violino por muitos anos, levei a sério, só que o negócio do erudito é muito opressor, não sei como está agora. Não sei como comparar também com outros instrumentos, mas acho que o violino é a guitarra dos clássicos, o violinista é o fodão, é o spalla, quem cumprimenta o maestro primeiro é o violinista, tem toda uma hierarquia. A maneira como se ensinam as coisas, era um negócio que fazia muito mal para mim, não preciso que ninguém me diga que o que eu estou fazendo não está bom, sei disso, mas é assim que as pessoas ensinam. Era uma coisa que quando comecei eu amava de paixão e no final não queria nem ver. Comecei a ter ataque de pânico, crise de ansiedade, em apresentação passava mal. Chegou uma hora que parei de tocar, fiquei uns cinco, seis anos sem abrir o estojo do violino, tadinho. Mas não consegui ficar muito tempo sem tocar música porque nessa época conheci o meu melhor amigo até hoje, que era fã de Nirvana e tocava guitarra. Ele sabia que eu tocava violino e me pediu para tocarmos juntos um dia, mas como eu não queria mais tocar violino comprei um baixo para tocarmos juntos. Teve um dia que fui na casa dele, ele começou a me mostrar uma música e ele tocava guitarra perfeitamente igual à música. Só que ele começou a cantar e eu não entendi se ele estava brincando comigo porque a letra da música era outra, não era desafinado, só era outra melodia, e ele achava que estava cantando igual. Achei aquilo maravilhoso porque ele estava criando uma outra sem saber e não está desafinado, não está ruim, só não é o que o Kurt Cobain canta. Falei para ele que eu super topava a gente ficar tocando porque sentia falta, e fiquei interessada em aprender um instrumento, sem aprender de verdade porque na instituição era muito regrado, tinha que fazer tal nota com o dedo tal, não importava o tamanho da mão, você tinha que seguir as instrumentações na edição X, que fulano de tal fez na época que a galera só usava peruca branca, não entendia e batia de frente com os professores e a instituição, me fodia por isso. Foi aí que comecei a tocar outros instrumentos e achei divertido experimentar. Então, voltei a me divertir com a música porque com o violino estava traumatizada. Minha grande ambição em música é ter um disco ou EP que seja coisas com projetos. Por exemplo, ter um projeto de Rock pesado com fulana, já fiz meu disco assim; ter outro com música doidera com ciclana, fiz meu projeto de música doidera, Agora quero fazer um com voz e violão bem triste. Isso seria completar meu álbum de figurinhas musicais. Tenho um disco inteiro que comecei a fazer sozinha em 2015 e nunca terminei porque a hora que chegou de colocar vocal e pensar em letra travei completamente. Queria que tivesse porque sabia que era difícil para mim, uma hora vou ter que aprender a cantar como quero cantar, tenho certeza que um dia vai. Minha maior escola é música instrumental. O que mais escutei na vida é música erudita. As pessoas não acreditam que eu não conheço nada dos pagodes dos anos 1990, de samba, nem o refrão que a maioria sabe cantar. Não dá para saber tudo, mas posso usar o que aprendi de música dos outros e aplicar. A coisa da letra ainda está em desenvolvendo, é muito crítica. Mas, sinto que quando sentar para fazer, isso vai rolar, até porque já são quase cinco anos de ajudando as criancinhas a fazer música no Camp. No Camp, a gente mais aprende do que ensina. Esse processo está sendo importante para mim. Ao mesmo tempo, gostaria de focar no instrumental porque tem pouca mina que faz isso, pouca mesmo. Em festival, a gente já reclama que tem pouca representatividade. Acho que o único gênero que tem muita mina é MPB, mas sempre tem que ter mais. Mas, mina no Experimental, no Eletrônico tem poucas, na verdade tem poucas em tudo, mas no instrumental e experimental me parece que tem menos ainda.

Quantas guitarras você tem? Você tem uma preferida?

Sempre gostei de comprar as guitarras quase mais baratas e modificar, quase são modificadas, ou troca a captação ou troca um outro lance, sempre mudo escudo. Comecei a fazer elétrica delas porque tem várias maneiras de ligar os captadores para ter combinações diferentes de som. Minha primeira guitarra foi uma Telecaster e descobri na internet que tinha uma coisa que podia fazer uma ligação que em vez de ter três posições de captação, ela podia ter cinco. Comprei as peças que precisava, quando elas chegaram fui no cara que consertava minha guitarra em Porto Alegre, levei o esquema impresso e as peças e pedi para ele fazer. Ele se negou. Bati em todos os luthiers da cidade na época e ninguém queria fazer. Então, comprei um ferro de solda, os fios e fiz. Funcionou, mas eu quase não consegui fechar porque estava um espaguete tão grande de fios que quase não fechava o painel de volta. Depois de uns três anos depois abri e fiz mais bonitinho, e essa guitarra está com esse esquema até hoje. Vendi para uma amiga de Porto Alegre. Sempre olho e sinto saudade, foi com ela que fui lá e fiz porque os caras não queriam fazer.

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