Muse: Novo Nome entre os Grandes do Velho Rock

De aspecto conceitual e grandioso, trio britânico encontra seu lugar dentro do gênero

Loading

O tempo passa e lá vem a velha pergunta: qual a melhor banda de Rock em atividade no planeta hoje em dia? Não vale The Rolling Stones, que é uma instituição hors concours. Também não vale gente como Pearl Jam, Radiohead ou U2, que já estão aí há muito tempo. Qual seria o conjunto que tem menos de 20 anos de carreira que poderia levar o título de “melhor banda de Rock” hoje em dia? The Strokes? The Killers? Muse? Alguém ainda faz questão de ser conhecido assim? Talvez Muse seja a única formação em atividade que pense o Rock como algo imenso, além de um conjunto de acordes tocados em volume máximo, mas como um meio de expressão de ideias, ainda que não haja um átomo de originalidade em sua sonoridade ou conceitos por trás de seus álbuns.

Digo isso porque Muse se tornou um grupo conceitual e grandão, praticamente um aspirante ao Jurassic Park. Enche estádios por onde vai, com pessoas que cantam os versos de suas canções como os franceses entoavam a Marselhesa em Casablanca, diante da ocupação nazista. Não dá pra desprezar isso, sobretudo agora que a banda lança mais um álbum de canções inéditas, Drones, resenhado há poucos dias aqui no Monkeybuzz. É um disco ruim? Claro que não, Muse parece um grupo incapaz de gravar algo de baixa qualidade. Matt Bellamy, Dominic Howard e Chris Wolstenholme são bons músicos e gostam de usar tecnologia em seus instrumentos. Bellamy é bom vocalista, guitarrista e pianista criativo e sabe exatamente o que está fazendo: Rock clássico, reempacotado para a realidade do século 21. O que isto quer dizer? Que Muse não pode – e não deve – abusar do uso de conceitos tradicionais da menos compreendida variante do estilo, o Progressivo. Ficou feio há um bom tempo gostar deste tipo de Rock. Não pega bem, ele é “complicado” demais, as canções são “longas” demais, é coisa de tiozão, de coroa, de velho. Bellamy e seus amigos sabem que não devem abusar e, mérito deles, não o fazem. A música do trio conseguiu assimilar tiques e taques de outros tempos, devidamente repaginados para o hoje sem amanhã. Conseguiram.

O conceito de Drones não passaria de um 600, 650, caso fosse uma redação no Enem. É simplório, quase inocente, porém, parece novo para um monte de gente. Um esforço pequeno levará o ouvinte mais curioso a descobrir álbuns de bandas como Pink Floyd e Rush, gravados nos anos 1970, que brincaram com ideias centrais de forma bem mais audaciosa e instigante. Um disco como 2112 (Rush, 1976) ou Animals (Pink Floyd, 1977), falam sobre distopia, sociedades engolfadas por mãos e pernas invisíveis, que mudam e controlam tudo e todos. Uma espécie de não-futuro já no presente, até porque, estes conceitos sempre pegaram dados do hoje e o projetaram num amanhã hipotético-mas-nem-tanto e fazem a delícia da garotada que está descobrindo o potencial da leitura e dos filmes de sci-fi além do banal. Drones fala sobre a sociedade ser teleguiada, principalmente em termos de proximidade com a violência, mais especificamente, a militar. Não acredito que algum governo vá se incomodar com isso.

Não é de agora que a banda incorporou esse dado à sua receita sonora. A partir de Absolution (2003), o trio inseriu esse ar distópico em seus álbuns, posicionando-os como se fossem crônicas marcianas da falta de amor e humanidade entre as pessoas. Tudo o que havia de Radiohead na sonoridade original do grupo foi colocado em segundo plano. Uma opção estética, sem dúvida. Bellamy continuava com seus vocais decalcados da escola Thom Yorke de cantores, mas também havia algum olhar carinhoso para interpretações derramadas, típicas de um Freddie Mercury da vida. A dança futurista do passado opressor tomou lugar, um flerte entre robôs, ou melhor, um flerte erguido a partir das cinzas de OK Computer, álbum distópico clássico, progressivo até a medula, nunca assumido como tal, que pavimentou esse caminho para quem quisesse seguir por ele. Coldplay olhou e desistiu. Muse foi sem olhar pra trás. E se deu bem.

O disco seguinte, Black Holes And Revelations (2006) trazia em sua capa o dado progressivo máximo: uma cena curiosa, sem qualquer explicação, com uma família fazendo uma refeição em meio a uma paisagem marciana.Um épico setentista ergueu-se deste trabalho, a impressionante Knight Of Cydonia, não por acaso, uma região do Planeta Vermelho. Quando a canção foi parar em Guitar Hero, o passaporte para a grandeza estava carimbado. Sintomaticamente, When You Were Young, de The Killers e Helicopter, de Bloc Party, apareciam no jogo, representando uma nova geração de bandas de Rock. Desde então, Muse ficou enorme e lançou álbuns igualmente conceituais, tendo chegado ao ápice de criatividade no trabalho seguinte, The Resistance, muito semelhante em conceito a 2112, já mencionado lá em cima. A faixa-título e outras canções foram direto ao topo nas paradas, a banda assumiu seu potencial arenístico e abraçou com força a possibilidade de se incorporar a uma tradição de grupos e artistas que enxergam/enxergaram no ofício de compor e gravar canções, algo mais que a mera diversão do ouvinte em três minutos de execução e deleite Pop.

Drones subirá nas paradas como um foguete. Suas citações discretíssimas a Queen e outras bandas tradicionais talvez passem batidas pelos ouvidos mais novos, mas devem guiá-los ao conhecimento dos integrantes dessa tal tradição de grupos e artistas já mencionados. Ao enviar o formulário para admissão nessa sociedade não tão secreta, Muse agora enfrenta um desafio mais complexo, o de conquistar fãs dessas formações mais antigas, encasquetados no tempo e no espaço, céticos de que alguém será capaz de reaver as glórias passadas nestes tempos líquidos de hoje. O que a banda não pode – e não deveria – fazer é aquiescer diante dos preços exorbitantes dos ingressos de sua turnê e gravar canções criticando o poderio econômico-militar em vigência no mundo, ditando quem pode e quem jamais poderá ter acesso a graus novos de privilégios e direitos. Talvez demore um pouco para que Muse perceba que o mundo mudou bastante para se valer de certos conceitos ou, quem sabe, que tais ideias são muito mais maleáveis e convertidas em cifrões. Talvez seja só música, vá saber.

Loading

ARTISTA: Muse
MARCADORES: Novo álbum

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.