Na pista com Yellow Island

Compilação que comemora o aniversário de três anos do selo traz 20 sons experimentais que flutuam entre House, Lo-Fi, Electro, IDM, Break e Jungle

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Fotos: Arte: Gabriel Massan

Flávio Albino, o nome por trás do selo Yellow Island, nasceu rodeado de música e arte. Com pai violinista e apaixonado pela MPB, o mineiro sempre esteve ativo nesse mundo e, durante a adolescência, aprendeu a tocar bateria, violão e teclado. Mas como ele entrou para o universo da música eletrônica? “O tempo passa tão rápido! Quando tinha 15 anos, já frequentava raves no final de semana. Foi quando comecei a discotecar nas antigas CDJ Pionner 100S, ainda com CDs, que aconteciam em sítios e fazendas na região metropolitana de Belo Horizonte. Era um ambiente muito legal e familiar onde eu pude aprender o que eu mais gosto de fazer hoje, que é tocar e colocar as pessoas para dançar”, lembra o produtor.

Com o passar do tempo, surgiu a ideia de criar um selo. O motivo central de tudo foi poder lançar sons e artistas que conhecia ao redor do mundo, instigado por uma curiosidade com relação ao futuro da indústria da música. Porém, como a maioria deve imaginar, nem tudo são flores. Ter um selo independente no Brasil é um desafio. “As dificuldades são inúmeras, mas o prazer é poder ter a música sempre por perto, algo que me faz muito feliz. Além de fazer conexões e de aprender a cada dia que passa com as parcerias, produtores e muitos profissionais que estão envolvidos nesse meio”.

Mais do que este lançamento, a curadoria do Yellow Island vem da cultura do network, de criar laços com novos artistas, e sempre à procura de novas tracks. Aqui, o selo fez uma chamada aberta pelas redes sociais para produtores com o foco LGBTQIA+. “Com a realidade da pandemia, a vontade de estar numa pista de dança é sempre forte. Quando estava conversando com os produtores sobre esse lançamento, sempre deixei claro que estava focado em estilos que fizessem as pessoas dançarem, onde quer que estivessem. A única narrativa a ser seguida foi essa, deixando o artista livre para experimentações. Foi tudo muito natural quando a coletânea começou a tomar forma, as faixas foram se encaixando em uma vibe perfeita”, conta Albin.

Essa compilação comemora o aniversário de três anos da gravadora e traz 20 sons experimentais que flutuam entre o House, Lo-Fi, Electro, IDM, Break e Jungle. Gabriel Massan, designer responsável pela capa do álbum, também conta sobre a experiência.

1. CRAZED (BR) – 808 Do Vapo

O processo de criar essa track veio meio que do nada, ouvi um som em um set no Soundcloud e tive a ideia de fazer algo parecido. Meu processo funciona quando sento de frente ao notebook e exploro todos samples e projetos de músicas antigas que já fiz para tirar ideias novas. Levei dois meses para finalizar essa. Fazia e refazia ela toda hora até que ficasse do jeito que eu esperava. Minhas inspirações nesse som foi meio que tentar fazer algo lembrando um pouco o Funk BR antigo, com Break Beat e o Ghetto-Tech. A intenção do humor da track foi passar uma sensação de nostalgia para o público.

2. Malugi – Come Thru

3. XMTR – Actrix Ring

Fiz essa track em uma tarde de janeiro, depois de ter tido uma manhã muito difícil e o que eu só queria fazer era um pouco de música. É muito mais “para festas” do que as faixas que eu normalmente faço. Costumo usar muitas melodias e linhas de sintetizador, mas esta é basicamente toda com percussão e baixo. Entrei no ritmo e consegui terminar em cerca de duas horas, parecia muito natural de fazer. O clima reflete o que eu estava sentindo naquele dia: eu estava frustrado por não poder sair e fazer coisas emocionantes porque tive que ficar e trabalhar dentro do prazo, acho que provavelmente é onde parte da tensão na faixa vem. Eu também diria que a faixa é influenciada pelo que eu estava ouvindo na época, que eram principalmente Techno do Reino Unido com batidas quebradas.

4. Raquel Krügel – Apoena

Difícil definir um estilo para essa música. Eu diria, apocalíptico, distópico. Ela fala da incógnita e da experiência irreversível sobre o mundo agora. Como sempre, a base do que crio é sempre dada pela vida e um pouco menos da metade disso pelas influências do que leio, vejo e ouço no momento. Além disso, há também as limitações dos recursos que tenho. Uso um controlador midi e a biblioteca do Ableton para compor. Os timbres são nativos e então, modulo os sons dos synths e transformo os kits de bateria captando sons pelo voice memos do celular e jogo no kit. Dalí, vou modulando e colocando efeitos até se aproximar da intenção que quero. Enfim, acredito que se há um ‘estilo’, ele é definido através dessas circunstâncias todas e o resultado sonoro disso acaba sendo algo viável e intencional dentro dessas possibilidades. “Apoena” representa uma passagem pelo isolamento e uma “abstinência” de si temporária e irreversível, sem previsão de volta a como existíamos antes. Ela é cheia de reverses nos breakbeats por isso. Justamente para simbolizar esse inédito do mesmo. Apoena é um nome de origem tupi-guarani que significa “o que vai mais longe” ou “aquele que vê mais longe” e, nesse caso, representa o conhecimento que se adquire neste percurso sem volta ao que era antes.

5. Unknown Artist – 003

6. Rassan – U Don’t Know

Gosto muito de experimentar com gêneros diferentes pois cada um possui características próprias, ritmos, timbres que os diferenciam, podem priorizar mais alguns instrumentos em relação à outros, e consequentemente a posição que ocupam no arranjo e na mixagem… Enfim, a ideia é que com o tempo esse flerte musical ofereça mais perspectiva na hora de começar um projeto, tanto na escolha das ferramentas quanto na referência para compor.

O tempo que eu levo pra desenvolver uma faixa depende bastante de um tema principal, que muitas vezes é o que pode transformar uma ideia em uma música. Já cheguei a passar semanas batendo cabeça com alguns projetos, mas no caso de “U Don’t Know” foi a primeira vez que consegui terminar uma faixa no mesmo dia. Só abri o projeto depois para exportar a pré-master, mas acho que fluiu mais rápido nesse caso justamente porque o tema já estava mais claro na minha mente. Eu recortei e juntei alguns samples de bateria, no caso dos breaks eu escolhi um com mais ênfase no papel do bumbo e da caixa, outro com mais pratos e outro mais percussivo, depois fui ajustando essas camadas até chegar numa combinação de som e ritmo que me agradasse. Quanto aos elementos melódicos, eu comecei pelo pad e o baixo, que serviram de alicerce para conduzir a bateria, e depois acrescentei cordas, efeitos, Acid line e vocal… Por último, fiz algumas automações para introduzir ou tirar certos instrumentos, além de movimentar os efeitos em certos momentos da música. Por fim, estou contente com o resultado e muito feliz pela oportunidade de participar dessa coletânea maravilhosa com tanta gente talentosa!

7. not even noticed – Black Magic

8. Unknown Artist – Neo Bossa

9. Quelaan – Translucent (Boulderhead Construct)

Essa faixa foi criada durante o primeiro lockdown aqui no Reino Unido. Eu e meus dois companheiros de casa nos desafiamos a terminar uma das outras músicas inacabadas. É por isso que esta faixa é uma construção de Boulderhead, conforme eu a construí com o que foi finalizado por Quelaan. Assim que a linha de baixo foi adicionada, todo o resto se encaixou!

10. Ground16 – Frénésie

A faixa é chamada de Frénésie (“frenesi” em francês) principalmente por causa do sintetizador tenso e nervoso que mantém a alta tensão. No início, era para ser um instrumental de rap (sim!). Conversamos com um rapper da minha cidade (Jean-Mule Taquère), ele gostou da minha faixa ‘Say It’ e perguntou se eu poderia fazer algo assim para que ele pudesse fazer um rap. Eu tentei e foi assim que a pista nasceu. No final, pensei “ok, a faixa soa muito eletrônica também, então por que não lançar a mixagem original?”. Ainda estamos trabalhando na versão rap também. Vamos ver como vai ser

“Frénésie” é muito intensa e atrevida. Estou me perguntando como soa em um sistema de som de uma grande festa. Como você deve saber, eu adoro fazer faixas Housey Breaky, e aqui eu queria fazer uma faixa mais Banging/Electro, mas ainda com influências de batidas quebradas. Nenhuma engrenagem analógica usada nesta pista, apenas digital! Para ser honesto, eu realmente não consigo descrever um método preciso de trabalho ou um processo específico. Muitas vezes é um pouco confuso na minha cabeça, e eu uso principalmente a intuição para construir uma batida adequada.

Gabriel Massan em elevação artística e espiritual

Como foi fazer essa arte para o lançamento Yellow Island Various Artists 2021? Como é o seu processo de criação? Você ouve o som e depois faz a arte?

Eu ouvi toda a compilação mais de três vezes. Busquei me conectar com o nome do selo e a essência que existe por trás dele. Inicio recolhendo essas informações e pesquisando um pouco mais sobre a concepção em si. Depois de me fazer existir dentro do trabalho, eu passo a esculpir formas enquanto ouço, mergulhando no projeto. Após desenvolver e pintar cada escultura, eu crio uma cena, onde escolho as cores que farão a ponte entre cada objeto. Com o cenário já pronto, faço o render de toda a cena algumas vezes para ter opções diversas de ângulos e posições da câmera. Por fim, trabalho a tipografia, que na maioria dos casos também é criada sob o mesmo processo.

Qual a maior inspiração para esta capa? E a ideia central que você quis transmitir?

Minha interpretação desse conceito reflete na ideia de elevação e conexão espiritual, que pela perspectiva do selo, normalmente se dá individualmente, ou em isolamento. O personagem central da imagem se assemelha a um guru, com um grande chapéu em formato de pirâmide. Ao redor dele se apresenta um mundo influenciado por sua própria forma. Decidi seguir por cores bem vibrantes e próximas ao rosa/vermelho. Na tipografia, naveguei por uma estética dos encartes de jogos feitos para o Playstation 1. Uni essa pesquisa com o logo original da Yellow Island.

De que forma a sua arte se conecta com a música?

Meu mundo transpira movimento e música é movimento. Para mim, sempre existiu a possibilidade de falar sobre constância ou inconstância ao trabalhar o som na imagem.

Como é habitar no mundo 3D? Por que decidiu trilhar esse caminho na arte?

Desafiador. Mas cada avanço, cada escultura, me aproximo desse imaginário que guardo dentro do meu inconsciente. Quanto mais eu crio, mais eu enxergo. Acredito que por isso eu trabalho com 3D. Tudo é possível se eu for capaz de imaginar e executar. Na concepção também parte de uma experiência enquanto videoartista de desvincular a realidade, ou o humano, do centro da narrativa na minha pesquisa. Desestabilizar signos instituindo novos significados, talvez por meio da criação de um plano outro.

5 designers/artistas fundamentais para você

Ventura Profana (@conceissaumimaculada)), Frank Dorrey (@frankdorrey), Jeron Braxton (@jeronbraxton), Han Ten (@han_teng) e Nam June Paik.

Quantos dias/horas, aproximadamente, você leva para finalizar uma arte?

Depende de muitos fatores. Pode demorar mais de um mês, como também pode se dar em dias. Essa me durou três dias.

11. Giograng – Hasta Que Tu Ojos Se Acostumbren A La Oscuridad

12. Blair Sound Design – Tonight You’re Gonna

Às vezes, as faixas levam algumas horas para conceber totalmente, outras levam quase anos! Eu acredito que esta levou apenas algumas sessões curtas para criar a maior parte e, em seguida, algumas horas dedicadas de mixagem, até sentir que a ideia “funcionou”. Meu método de produção ultimamente tem sido informado pelos discos e faixas que eu sou obcecado. Também gosto de me perguntar “como soaria o estilo X + estilo Y?” e vai a partir daí. Nesse caso, eu estava pensando muito no clássico Larry Heard/Mr. Produções Fingers e como eles podem soar com um Hip-Hop e Club um pouco mais duro, embora mergulhado em um estado de êxtase profundo. As inspirações incluem a cena Dance e Bass Music de Chicago e Flórida, beber um bom café enquanto desfruta de um céu azul límpido, cultivando noções de auto ativação e clareza em seus objetivos e crescimento.

13. Conna Haraway – Insouciant

Eu sou principalmente DJ e ainda relativamente novo na produção musical, então abordei essa faixa com muita experimentação. Eu queria criar algo com um som bem cru e adequado para um set de DJs de alta energia. Provavelmente descreveria o resultado final como uma ferramenta meio selvagem de DJs Break-Techno. O corpo inicial da faixa – e muito da bateria e percussão – foram feitos em uma hora ou mais, tocando em um Roland R-8 Human Rhythm Composer. Tudo foi então executado através de um mixer Pioneer DJM-900 nexus 2, onde adicionei alguns efeitos sutis a alguns dos elementos. Passamos mais alguns dias retrabalhando tudo no Ableton, usando vários plug-ins. A composição também consiste em muitas camadas de amostragem, algumas das quais foram reprocessadas no Cecila5 – este software gratuito e de código aberto que transforma o som das maneiras mais loucas. O nome da música foi escolhido simplesmente porque me deparei com a palavra “despreocupado” pela primeira vez enquanto estava fazendo a faixa, e ela ficou gravada em minha mente. A tradução literal é: “mostrando uma falta de preocupação casual”, então de alguma forma, era uma representação adequada da natureza frenética da composição. Eu não acho necessariamente que houve qualquer inspiração direta para essa faixa, embora eu gostaria de gritar ao meu bom amigo Ike por me ensinar o básico do Ableton e por me emprestar suas habilidades auditivas para ajudar nas mixagens.

14. Willy CB – Happy Doggo

15. Nightdrive – Feels

Me chamo Alexey, sou de São Petersburgo, Rússia. Essa faixa foi gravada em 2020, influenciada pelas noites brancas, elas me fizeram sentir o frescor dos ventos do mar e do romance. As pessoas chamam Petersburgo de Veneza do Norte, eu adoro! O nome nasceu espontaneamente, como a própria melodia.

16. Dj Whipr Snipr – Leave With Us

17. Marcia Vieira – AXIS

Me considero ainda uma produtora bem novata. Ainda experimentando, descobrindo e aprendendo muitas coisas. Meu processo criativo é diferente ao começar minhas faixas. Às vezes eu quero explorar um instrumento, e fico procurando um preset que eu gosto e aí quando faço uma frase, a música nasce ao redor daquela ideia. A maioria das coisas que gravo são nos meus sintetizadores. A bateria, sempre faço no Ableton. Começo com um ritmo na cabeça e ao desenvolver aquelio no daw, vou colocando instrumentos que acho que combinam, e assim a faixa vai nascendo. O processo para a faixa “AXI” foi diferente. Durante este isolamento social tenho tido muitas crises de depressão e ansiedade. Tentei canalizar um sentimento, trabalhar em volta de uma certa angústia que eu estava sentindo. Comecei criando uma linha de baixo e depois um synth com uma melodia, fui criando a bateria, e assim foi. Sempre me inspiro em batidas quebradas do Electro, me inspiro, claro, em outros artistas, tanto músicos como artistas plásticos que expressam sentimentos tão bem em forma de pinturas, esculturas… Me inspiro em situações ou coisas que me causem algum sentimento marcante, como euforia ou angústia. O processo de criação principal da música foi feita em três, quatro dias. Mas para finaliza-la, foi em torno de um mês.

Batizar a música é sempre difícil. Um dia veio uma palavra na minha cabeça e achei que fazia todo sentido. “Áxis”. É como se a música fosse um eixo reto e constante na minha mente, trazendo equilíbrio aos pensamentos que andam tão confusos e ficam rodando, como em loop na minha cabeça. Esta música nasceu de um sentimento de angústia, mas quando estou trabalhando em alguma faixa, é sempre um processo que me traz paz e alegria, e os pensamentos ficam leves. Então acho que esta faixa representa para mim essa “conversa interna” de aguentar firme que ocasionalmente, vai ficar tudo bem.

18. Di Barsotti – Can You Believe What Happen

19. Accela A Granel – Várias Exposições

20. AtOm_AnT – PoWeR_rAnGeRs_LoSt_In_SpAcE

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