Não há lugar como o nosso (estúdio no) lar

Novo livro visita o home studio de mais de 25 artistas, entre eles Vagabon, Frankie Cosmos, Juana Molina, Mac Demarco e Sharon Van Etten

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Fotos: Daniel Topete

Vivemos a era dos home studios, afinal produzir em casa, muitas vezes, se tornou o único caminho para diversos músicos na nova realidade pandêmica. Fazer e tocar – dependendo do instrumento – no aconchego do lar também nunca foi tão prático: há uma variedade imensa de cursos disponíveis a distância, além de inúmeros vídeos demonstrativos no YouTube.

Com o intuito de levar a discussão para o mundo físico, o novo livro Mirror Sound: The People and Processes Behind Self-Recorded Music, lançado no dia 20 de outubro pela editora Prestel, investiga o processo criativo de 27 artistas em suas respectivas casas (e estúdios). A obra foi idealizada pelo músico e escritor Spencer Tweedy, filho de Jeff Tweedy (Wilco), ao lado do designer Lawrence Azerrad e do fotógrafo Daniel Topete.

O autor teve a primeira ideia para o livro em 2018, mas acabou realizando quase todas as entrevistas e fotografias entre 2019 e o início deste ano. “Andava pensando sobre os músicos que gravam em casa, e como a música deles – frequentemente – têm um tipo de som especial, que só é possível vir do artista que trabalha em seu próprio espaço”, explicou Spencer em nota.

Experimentando processos criativos desde o Ensino Médio, ele ama tanto a ideia das gravações caseiras que percebeu uma ausência de histórias com pessoas que também são entusiastas do método. O jeito foi listar todos os artistas com quem desejava conversar, agilizar as passagens de avião e atravessar o país: “Não via muitas histórias sobre home studios, o aspecto de making of era o mais clichê. Então entrevistamos e fotografamos artistas que gravam em casa, na estrada, no quarto, em celeiros”.

O resultado não poderia ter sido melhor: o trabalho ganhou prefácio da artista Carrie Brownstein, do Sleater-Kinney, e reúne músicos que exploram os mais variados gêneros musicais. Ao todo, são 27 perfilados espalhados em mais de 150 imagens criadas especialmente para o livro.  Tem desde Suzanne Ciani, uma das pioneiras no uso dos sintetizadores, passando pelo Indie-Folk atual com Sharon Van Etten, até os Indies como Bradford Cox (do Deerhunter), Mac Demarco, Jay Som, Vagabon e Ty Segall.

 

Na intimidade do lar-estúdio

Para acompanhá-lo na missão de retratar quase 30 artistas, Spencer convocou o experiente fotógrafo californiano Daniel Topete, figura carimbada na cobertura de festivais e fotos de divulgação das bandas do momento. Antes de começar as entrevistas, sabiam que precisavam admirar todos os nomes escolhidos.

“Era muito importante que a gente realmente gostasse de todas as bandas que estão no livro. Com certeza, vetamos algumas opções porque não amávamos a música. Também era importante ter uma seleção diversa de artistas com setups diferentes. A beleza de gravar em casa é que realmente todo mundo pode fazer, então um setup pode ser qualquer coisa, desde um microfone podre até um home studio completo. Era muito importante para o Spencer mostrar a acessibilidade desse processo”, conta Daniel em entrevista ao Monkeybuzz.

Fotógrafo experiente em cliques analógicos e digitais, ele mantém uma guitarra em casa, mas não se vê experimentando um futuro na música e diz que não sabia muito de processos caseiros até se debruçar no projeto. O foco da dupla sempre foi mostrar os artistas, em vez de focar nos equipamentos: “Visualmente, amo fotografar pessoas em suas casas. Tento fazer sempre que possível, porque ser convidado a entrar no ambiente de alguém é algo íntimo e já começa com uma construção de confiança. Há também um lance de conforto por estar em casa, e você consegue capturar a personalidade de alguém, afinal as casas são extensões das pessoas”.

Conforme realizava os encontros, Daniel também foi descobrindo aspectos similares entre os home studios e a fotografia analógica. “Ambos são processos lentos, há imperfeições, há proximidade, há grãos. Tenho dificuldade para descrever esse sentimento, mas eu conseguia me relacionar com o amor dos músicos com o que e como eles estão fazendo”, compara os meios criativos. Não adianta, por mais que faça mil cliques na câmera digital e apenas um rolo de filme, Daniel vai acabar gostando mais das analógicas.

Entre as suas referências visuais, estão os fotógrafos americanos Frank Ockenfels e Nan Goldin, e o britânico Steve Gullick. Para pesquisar ideias específicas para o Mirror Sound, encontrou inspiração na revista espanhola de design de interiores, Apartamento, e no fotolivro The Valley (2004), do fotógrafo americano Larry Sultan, que se aprofunda na indústria pornográfica californiana.

A respeito de seu trabalho de especificamente, o fotógrafo tenta não ser restrito: “Nunca quis ter um estilo específico. Nunca me considerei um artista, porque estou documentando o que já existe, então não tento me colocar muito nas imagens. Tenho certeza que tenho um estilo, mas tento não me limitar, quero conseguir fotografar qualquer coisa”.

Antes de acompanhar as turnês de bandas como Twin Peaks, Fontaines D.C. e Whitney, Daniel passou muito tempo na grade de shows lotados. “Amava a energia, mas buscava algo mais pessoal. Os shows passaram a ser turnês, e os meus momentos favoritos eram os calmos”, lembra sobre a transição para os retratos.

“A beleza de gravar em casa é que realmente todo mundo pode fazer, então um setup pode ser qualquer coisa, desde um microfone podre até um home studio completo. Era muito importante para o Spencer mostrar a acessibilidade desse processo”

Na realidade sem apresentações ao vivo, o fotógrafo não se cobra para manter a produtividade. A pandemia o fez desmarcar todos os planos do ano, então decidiu se se aperfeiçoar em técnicas alternativas dos processos de revelação de filme fotográfico em casa – algo que continuará sendo útil em sua carreira no futuro. O mais importante é conseguir se manter apaixonado pela fotografia, sem que pareça uma tarefa desinteressante.

O feeling é o que o fez começar a clicar o mundo da música, e a atividade continua sendo ressignificada. Antes de se jogar de vez na profissão, quando ainda morava em Fresno, na Califórnia, registrou vários shows de bandas de amigos e apresentações locais. O primeiro evento formal exigiu um certo esforço e o momento se mantém vivo em sua memória: “Black Angels, no The Fillmore, em São Francisco foi o primeiro show que consegui um passe de fotógrafo. Mandei um e-mail que achei online no dia e foi aprovado. Eu trabalhava em um mercado na minha cidade e dirigi três horas para conseguir chegar lá. As fotos são provavelmente ruins”.

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