Não se dorme em Paris

Apresentamos com exclusividade o novo EP do ALDO, “Trembling Eyelids”. Confira aqui um faixa a faixa comentado pelo duo cada vez mais encorajado a vivenciar sua faceta mais experimental

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Fotos: Gabriela Schmdt

O ALDO já tem seis anos de vida e, ao olhar para essa trajetória, André e Murilo Faria são bem assertivos ao descrevê-la como uma montanha-russa. Nesse meio tempo, toda sorte de intempérie foi atravessada, às vezes com mais, às vezes com menos sucesso. Já assinaram com uma gravadora em que os atritos eram tão fortes que até empurra-empurra chegou a rolar. Depois, passaram por um publisher “picareta”. Lançaram e “deslançaram” dois discos. E, para fechar, os dois passaram, em períodos diferentes, por uma depressão. “Poucas bandas erraram mais do que o ALDO… Chegou a hora da gente começar a acertar”, brinca Mura. “Tenho a sensação que voltamos justamente para onde tudo começou”, completa André. “É como se estivéssemos em um lugar em que entramos para nos divertir. É isso que buscamos, hoje em dia.”

Apesar da premissa festiva, o novo EP da dupla – que estamos lançando com exclusividade aqui no Monkeybuzz – é mais “obscuro e melancólico”. “O pessoal da gravadora disse isso, acho que eles até estão certos. A ideia, na real, era ter uma pegada menos Pop, mais experimental. Mas, sem ser ‘experimental para experimentalistas’. Tentamos, com todas as nossas forças, ser menos esquizofrênicos: manter uma mesma vibe, construir um universo”, continua André a respeito de Trembling Eyelids. “Fomos descobrindo maneiras de compor e nos entendendo como artistas nesses anos todos. Basicamente, estamos reunindo aqui os temas que nos marcaram”, descreve Mura sobre o novo registro. “‘Ghosts’, por exemplo, veio, literalmente, do medo de ficar sozinho no estúdio. Da presença dos espíritos dali, as sombras e as coisas que se mexem sem sabermos como. Já ‘Papermaze’ fala de São Paulo, Brasil. É muito difícil viver por aqui, ainda mais com esse presidente que nos causa ânsia de vômito, vergonha e desprezo todos os dias”, arremata.

“Tentamos, com todas as nossas forças, ser menos esquizofrênicos: manter uma mesma vibe, construir um universo”

“Foi no Atlas que mudamos totalmente a nossa forma de compor”, diz sobre o estúdio do Air, em Paris, que acabou de fechar. “Passamos a fazer jams, separar as melhores partes e arranjar tudo para virar uma música. (…) Passamos alguns dias gravando lá. Adoramos isso de fazer uma imersão em algum lugar inspirador, diferente do estúdio do dia-a-dia. É respirar um oxigênio novo, estar concentrando em buscar uma outra sonoridade… A atmosfera lá era exatamente essa: um estúdio dentro de uma vila em Beleville com uma vibe sem igual.” Abaixo, confira um faixa a faixa comentado pelo ALDO do novo EP e não deixe de escutar Trembling Eyelids.

G H O S T S

MURA: O André tinha feito essa linha de baixo-guitarra em casa, gravada no Iphone com uma guitarra velha desplugada em um final de semana. Ele chegou no estúdio todo pimposo, fez um arranjo, colocou bateria, vozes e guitarras. Quando fomos escutar juntos, parecia uma banda Indie legal e tudo… Mas, não parecia o ALDO. Faltava o lado eletrônico e um certo peso extra. Nessa época, estávamos selecionando as demos que iríamos levar para o Atlas.

Depois de discutir por quase um dia, brigar e depois fazer as pazes (como sempre), decidimos colocar uns beats eletrônicos e mudar o jeito de cantar. Nessa fase, o André cismou com o Nick Cave. Ainda assim eram apenas um murmúrios, sem letra. A letra oficial veio quando ficamos sozinhos no estúdio (recém-alugado e reformado, aqui em Pinheiros) e umas coisas estranhas começaram a acontecer. O André havia dito que tinha visto um vulto outra noite e rimos. Mas, de repente, um dia sozinho, eu também vi pela câmera de segurança, e me borrei de medo. Não conseguia ir embora. Ficava vendo se o vulto passava pelo app da câmera de segurança, isso durou até o amanhecer. No dia seguinte, tomamos as providências energéticas da casa e tudo melhorou. Mas, continuamos pirando naquilo, na história daquela presença… E pensamos em um homem tão sozinho, mas tão sozinho que o fantasma que costumava assustá-lo passou a ser seu melhor amigo. E que, agora, ele até conhece toda a família do fantasma, se dão muito bem e aproveitam o melhor da vida.

A demo estava legal, tínhamos uma letra mas ainda não estávamos 100% satisfeitos, precisava de alguma coisa mais. E foi no Atlas que realmente nos jogamos na música. Decidimos gravar um monte de baterias, percussões que tinham por lá, apenas por diversão. No final, acabamos usando tudo. A música tem duas baterias, por exemplo, e temos muita vontade de tocá-la ao vivo um dia com dois dos melhores bateristas que conhecemos, o Erico Theobaldo e o Daniel Setti.

E pensamos em um homem tão sozinho, mas tão sozinho que o fantasma que costumava assustá-lo passou a ser seu melhor amigo.

Gravamos um clavinete com wha-wha que também achamos no depósito do Atlas, isso foi bem legal porque não estava nos planos. É uma atitude que nós acreditamos muito no Aldo: o estúdio também é um instrumento, e gravar faz parte do processo criativo. Uma das influências dessa música é Bestie Boys, que somos fãs de carteirinha. E todo o lance de colocar as congas e percussão veio dessa influência.

O baterista foi o Erico Theobaldo, que está com a gente desde o show número um. Quando chegamos no Atlas, ele nunca tinha escutado a música. Colocamos para ouvir, conversamos e ele foi lá e gravou tudo em três takes. Depois falou: “hey, guys… posso tocar as congas?” Já o baixo foi o próprio André que gravou (por sinal, o baixo que o Nicolas Godin usou no Moon Safari). porque o baixista na época (Snake) havia ido visitar um museu pela cidade e se perdeu.

NOTA DO ANDRÉ: o Mura sempre teve muito medo na infância, principalmente dos filmes Brinquedo Assassino e Aliens.

P A P E R M A Z E

ANDRÉ: “Papermaze” foi onde tudo começou. Depois da session do Atlas, mandamos as músicas prontas para algumas pessoas, pedindo um feedback ou uma opinião. No fundo, acredito que queríamos elogios (risos). Uma das pessoas foi uma assessora de imprensa francesa muito boa, de uma agência chamada Boogie Drugstore. Ela simplesmente descascou a gente. Falou que estava aquém do que os artistas que trabalham com ela faziam, e que gostava de uma ou outra coisa. E que essa uma ou outra coisa, pelo menos, ela gostava muito.

Foi bem natural começarmos a falar do labirinto maluco que é São Paulo, das armadilhas, e de como muitas vezes você não tem saída. Foi assim que nasceu “Papermaze”.

Eu e Mura ficamos arrasados. Mas, decidimos escutá-la e fazer mais dez faixas, dessa vez sem a mamata do Air. Por isso, nos isolamos em Campos do Jordão por uma semana, numa casa onde levamos todo nosso equipamento e nossos cachorros (com mais 3 da própria casa). Acordamos e dormimos tentando fazer música, idéias, experimentos. Depois de uns dois dias batendo a cabeça na parede, o Mura apareceu com um beat todo estranho, misturando berimbau e uns instrumentos brasileiros. Na hora, bateu a alegria. Levamos um Fender Jazzbass de 1978 e, como no caminho escutamos a discografia do Pixies, estávamos animados em fazer algo na linha da Kim Deal (que adoramos). Por isso, não quisemos complicar muito, fizemos a linha rapidinho, palhetada, bem simples.

Lembro que estávamos de saco na lua de São Paulo. Na volta de uma das turnês, no primeiro dia pela cidade, já haviam roubado meu celular com todas as fotos da banda dentro. Estava revoltado. Foi bem natural começarmos a falar do labirinto maluco que é São Paulo, das armadilhas, e de como muitas vezes você não tem saída. Foi assim que nasceu “Papermaze”. Temos esse método de constantemente anotar palavras que achamos curiosas, legais ou diferentes. “Papermaze” estava em um dos cadernos, e ao bater o olho, já veio toda a história da letra e de como nos sentimos hoje em dia. Realmente, acho que é uma letra que você tem que se isolar da cidade, vê-la de cima da montanha, do lado de fora, para aí fazê-la.

NOTA DO MURA: o André fez essa linha de baixo em, literalmente, um minuto depois de ouvir o beat., igual em “Trembling Eyelids”.

T R E M B L I N G   E Y E L I D S

MURA: “Trembling Eyelids” veio dessa mesma leva de Campos do Jordão. E também tem uma ligação direta com São Paulo. Nessa época, nós dois estávamos sofrendo de insônia e outros transtornos de ansiedade. Também estávamos sem grana, o que agravava ainda mais o dia-a-dia. Era quase impossível dormir. E quando rolava um cochilo, algum barulho de ônibus ou obra, ou reforma, ou caminhão nos acordava. Mas, era tudo engraçado ao mesmo tempo. Levamos na esportiva, pois sabíamos que ia passar. Foi aí que comecei a ficar com vitaminose pela falta de sono. Vitaminose é aquela coisa que faz a pálpebra dos seus olhos tremerem. Você já teve isso? É muito doido. Fomos atrás da expressão em inglês e das peculiaridades médicas disso e chegamos em “Trembling Eyelids”, que literalmente, em inglês, é a pálpebra que treme.

Nessa época, nós dois estávamos sofrendo de insônia e outros transtornos de ansiedade.

Duas coisas legais que rolaram foi a linha de baixo e a linha de synth. Eu tinha acabado de comprar um Korg Prophecy, o mesmo synth que o Prodigy usou em todas as músicas do The Fat of the Land. Só que o bicho é difícil de mexer. Foram dias xeretando o synth em uma jam lá em Campos do Jordão para sair esse riff com esse timbre. O baixo gravamos quase que dormindo, e o André estava com as unhas sem cortar durante os dez dias em Campos. Tentamos regravar em outras condições depois, mas não ficava igual. Adoramos o arranhadinho das unhas nas cordas e decidimos usar a gravação original, lá de Campos, com essa vibe.

NOTA DO ANDRÉ: além de insônia, o Mura sofre de sonambulismo. Uma vez, tive que resgatar ele nas escadarias do hotel que estávamos em Belém (tínhamos tocado no festival Se Rasgum).

C R A V I N G

ANDRÉ: Depois das sessions de Campos resolvemos tentar um pouco mais em São Paulo, e “Craving” nasceu durante uma dessas sessões de imersão que fazemos. Lembro que o Mura saiu para almoçar e eu fiquei brincando com um Korg Volca que estava no estúdio. Quando ele voltou, tínhamos um começo de idéia. Na sequência, eu fui almoçar e quando voltei o Mura já tinha um arranjo praticamente pronto… Lembro que nessa época estávamos pirando em Flaming Lips. Até hoje, piramos muito, é uma das bandas que mais nos inspira e influencia. Queríamos fazer algo com um synth (ou linha) grave inspirados em “A Spoonful Weights a Ton”, uma das músicas mais legais dos caras. Não lembro que synth usamos, mas hoje temos um Vespa da Recohead, marca do Arthur Jolly, nosso amigo que faz os synths modulares aqui em São Paulo, e sabemos que ao vivo vamos tentar usá-lo. O Mura estava curtindo bastante um Omnichord e resolveu colocar na música (em “Trembling” também tem) e eu havia acabado de comprar um pedal chamado Evil Filter, para ter uma sonoridade e textura de guitarra um pouquinho diferente. Misturamos vários pedais, mas esse marcou bastante essa fase. Também gravamos um violão meio velho (Martin 1978), para ter um contraste legal com o lado eletrônico no refrão. Essa foi inteira feita no estúdio aqui de São Paulo, nós dois tocando e cantando tudo. Falando em cantar existem uns murmúrios e gritos do Mura ao fundo, que quando solados ficam bem engraçados. Hoje cagamos de rir disso, mas na época estávamos tão absortos que não se podia rir ou falar disso, pois dava briga.

Antes da letra, nesse caso, também vieram os murmúrios. E um deles era “I’m crazy”, que soa incrivelmente brega e clichê. Tentamos achar um sinônimo e lembramos de “Craving”… Como o riff do Volka era mais psicodélico, decidimos não complicar e deixar a letra mais minimalista, quase como um mantra “You’re close to me, I’m craving…”.

NOTA DO MURA: quem começava as brigas era sempre o André.

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ARTISTA: Aldo

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