Natalia Lafourcade em 15 canções

Huapangos, son jarochos e pops radiofônicos formam o repertório da musa mexicana, que desafia a indústria cantando longas faixas e o querer popular

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Fotos: Sonia Sieff

Descontente com os rumos que vinha dando à própria obra e a fim de dar um respiro, Natalia Lafourcade, que já tinha dois discos autorais lançados no fim da década de 2000, decidiu percorrer o repertório de grandes nomes do cancioneiro hispano-americano. Após lançar um disco interpretando clássicos do conterrâneo Agustín Lara, encontrou nas vozes femininas os elementos necessários para prosseguir. Em uma virada surpreendente, deixou de ser uma estrela pop que estampava capas de revistas adolescentes para criar os premiados discos da série Musas (2018–2019), respeitado e premiado projeto duplo que se firmou um marco do pop em espanhol por seu enlaçamento às raízes.

Se os primeiros singles de Lafourcade chegaram embrulhados em um infalível pop rock — tônica que, aliás, a levou ao lado do grupo Natalia y la Forquetina a vencer o primeiro de 17 Grammys Latinos —, trabalhos mais orgânicos e em diálogo com a poesia popular dominaram sua produção mais recente. Filha de uma professora e de um músico, a cantora e a relação que haveria de estabelecer com a música foram capazes de reverter até mesmo as prováveis sequelas neurológicas de um grave acidente com um cavalo, que lhe deixou, ainda na infância, uma cicatriz na testa.

Disposta a reunir, além dos grupos Los Macorinos e Los Cojolites, todos os que tinham o desejo de cantar a terra, enriqueceu sua obra sem cair nas armadilhas dos estereótipos. Por vezes idílica, expôs o desejo de endossar uma voz coletiva. “Este é o canto da alegria, da tristeza; nos emocionamos cantando o divino e os mistérios da vida”, haveria de dizer em um dos monólogos do projeto Un Canto Por México (2020–2021), outro álbum duplo do qual também participa Caetano Veloso. Seria natural, portanto, imaginar que o gesto de embarcar nos labirintos da tradição e da memória requeressem, dali em diante, uma nova frequência.

Esse movimento, iniciado em Hasta La Raíz (2015), foi sendo maturado até desembocar em De Todas Las Flores (2022), primeiro LP totalmente inédito em sete anos. Entre arranjos grandiosos, a obra foi captada em fita e traz faixas com mais de seis minutos de duração, dando um pontapé nas métricas da indústria para reafirmar, através de entranhadas dicotomias, sua autonomia criativa. Uma vez que são numerosas as frentes formadoras do trabalho de Natalia Lafourcade, a seleção a seguir trata de costurar um breve panorama. Singular, sua voz se mostra um farol para os que desejam se aproximar de gêneros musicais depreciados e da América Hispânica, muito além dos charts.

 

“Hasta La Raíz”

Seu maior sucesso, este huapango aborda a relação que estabelecemos com os lugares de origem. A composição, nostálgica e sinestésica, também evoca os vínculos do amor com o sagrado.

“Nunca Es Suficiente”

Um romance disfuncional é o que dá fôlego à canção. Com uma das partes entregue às ambições, as angústias ganham potência ainda maior na versão de arranjos tradicionais.

“En el 2000”

Em um pop rock, Lafourcade canta, no primeiro hit, sobre a perda da inocência. Questões sérias são atravessadas por expectativas fúteis, símbolos de uma juventude que, entre ironias, guerreou com escolhas e deveres.

“Soledad y El Mar”

Inquietações românticas desembocam em uma homenagem a Coatepec, no porto de Veracruz. Diante da solidão, o vai e vem das ondas e os vocais suaves oferecem conforto após o fim.

“De Todas Las Flores”

Um jardim é alegoria para as dores do amor romântico. Piano, violão e coral traçam paralelos com o processo de escavar, sempre mais fundo, padecimentos da partida.

“Tú Sí Sabes Quererme”

O som da jarana dita o ritmo do single de olhar feminino. Com Rubén Blades e Mare Advertencia Lírica, a idealização do viver a dois crê que a chave para uma paixão saudável é o autoconhecimento.

“Mi Tierra Veracruzana”

Outro tributo às próprias raízes, a faixa se apoia na alma radiante do son jarocho. Cheias de bamba, paisagens e patrimônios são pintados em descrições melódicas.

“María La Curandera”

A curandeira e xamã mazateca Maria Sabina reverbera ensinamentos para instituir a cura. Conectada à natureza e ao saber feminino para incinerar incômodos, Lafourcade se permite ser vulnerável.

“Para Qué Sufrir”

Delicado, o enredo reflete a iluminação de, enfim, seguir adiante. Com Jorge Drexler em duas versões, a letra aborda confiança no processo e a lucidez após uma tempestade emocional.

“Pajarito Colibrí”

Esta balada acústica descreve um despertar. Cantar e voar se transformam em chamados para explorar, com coragem, a mais desafiadora imensidão, certos de que, no fim, tudo estará bem.

“Muerte”

Com mais de 6 minutos, honra as tradições mortuárias do México ao subverter tristeza em agradecimento. Cíclica e de arranjos grandiosos, brinca com sons do além e discute micro lutos da experiência humana.

“Recuérdame”

A morte também é tema da canção que a levou a cantar no Oscar 2018 com Gael García Bernal. Trilha de Coco: A Vida é Uma Festa, versa com doçura sobre o existir.

“Lo Que Construímos”

Sentimentos triturados e o fim dos ciclos ditam o caminho. Em flerte com o reggae e com a cumbia, reflete sobre o perdão. É visceral e contraditoriamente feliz.

“Tonada de Luna Llena”

Mesmo regravado à exaustão, o clássico ganha potência com Lafourcade e Los Macorinos. Metáforas de amor revisitadas por vocais agudos reafirmam um compromisso gracioso.

“Busco Un Problema”

A produção em sintonia com o electropop 00s cria um som radiofônico, que pouco se conecta a Lafourcade recente. Provocativo, lança dardos de liberdade em prol da euforia juvenil.

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