Para onde você vai depois de lançar uma das músicas que ajudaram a definir os anos 1990 e cujo impacto ainda ressoa mais de 20 anos depois? No caso de Natalie Imbruglia, o caminho pós-“Torn”, sua versão para a canção que anteriormente já havia sido gravada pela dinamarquesa Lis Sørensen e pela banda de rock estadunidense Ednaswap, foi tortuoso. O sucesso da faixa criou uma expectativa sobre seu trabalho que a própria não sabia se conseguiria (ou queria) atingir, e seus álbuns subsequentes foram tentativas de trabalhar questões pessoais através de uma narrativa intimista e autoral. Após 2009, ela vivenciou o que classifica como bloqueio criativo em sua escrita, condição que só foi quebrada recentemente com transformações na sua vida, como a maternidade. Com a tranquilidade de quem sabe que já não há mais nada para provar, ela lançou Firebird, seu primeiro disco com material inédito em 12 anos.
Voltar a compor foi um verdadeiro processo para Natalie Imbruglia. A recepção fria ao álbum Come To Life (2009) fez com que ela se afastasse da música por seis anos, dedicando-se, nesse período, à atuação. Quando retornou ao estúdio, foi para gravar um disco de covers, Male (2015), com versões para músicas de compositores homens, como Tom Petty, Neil Young, Cat Stevens e Damien Rice. Essa relação com a escrita – e sua necessidade de se expressar através dela – remonta aos primeiros anos de sua carreira. A australiana tinha apenas 22 anos quando “Torn” estourou mundialmente, em 1997. Primeiro single de seu álbum de estreia, Left of the Middle, a faixa é construída em cima de uma interpretação aparentemente simples, porém engenhosa da cantora, que captura um tipo de sentimento borrado, entre a tristeza e a resignação diante do término de um amor.
O sucesso fez com que o disco vendesse mais de 7 milhões de cópias mundialmente e transformou Natalie em uma das grandes estrelas da MTV e das rádios (para se ter dimensão do fenômeno, “Torn” é a canção dos anos 1990 mais tocada no Reino Unido e a faixa mais executada nas rádios australianas nas últimas três décadas). Assustada com a fama, ela demorou alguns anos até criar seu segundo álbum, White Lilies Island, em 2001, cerca de dois meses depois do ataque terrorista às Torres Gêmeas. O resultado foi um disco intimista que revelava uma subjetividade complexa e inquieta (inclusive suas inseguranças) e abraçava a confusão e as experiências pelas quais a artista passava, reforçando seu talento como compositora. Ela aponta a importância do processo de criação desse disco para encontrar sua voz.
“É um álbum muito marcante para mim no sentido em que eu estava me descobrindo, em frente ao público, tentando encontrar meu chão enquanto compositora depois do sucesso de “Torn”, que era um cover – e todos estavam observando e tendo essas expectativas sobre mim. Eu estava no início dos meus 20 anos, não tinha muita autoconfiança e de repente tinha toda essa pressão para ser bem-sucedida. Entrei muito na meditação naquele momento da minha vida porque o único jeito de aguentar aquela pressão foi ter uma prática que me lembrasse que eu não sou o que eu faço, há uma separação entre essas duas coisas. A meditação me ajudou a manter meu foco de porque eu estou fazendo isso [música]. Para mim, terminar aquele álbum foi uma conquista porque foi muito difícil continuar acreditando em mim e que eu tinha algo a dizer, que era digna da adulação porque aconteceu muito rápido”, contou em entrevista ao Monkeybuzz. “E eu tive um produtor e colaborador muito paciente, Gary Clark. Ele foi a principal pessoa com quem trabalhei, mas havia vários outros co-compositores também. [O processo] Foi sobre eu tentando escrever músicas que eram mais minha cara, ao mesmo tempo em que tinha essa expectativa sobre coisas que eu fiz antes. Não sei, é um álbum muito especial para mim. Mesmo que tenha recebido críticas negativas quando saiu, é o álbum que as pessoas vêm até mim para dizer que as ajudou a atravessar tempos difíceis. E isso para mim é muito mais importante do que uma boa crítica. As intenções por trás dessas músicas eram puras e eu estava trabalhando questões [internas], então é bom crescer com seus fãs.”
“Após um longo período de bloqueio na escrita, foi bom ter a oportunidade de expressar descobertas, como a epifania de que não há nada faltando em mim. Passei todo esse tempo tentando me consertar, ser como todo mundo, e de repente acordar e perceber que a estrada menos percorrida é muito boa”
Assim como White Lilies Island, Firebird é um álbum que nasce de um momento de profunda introspecção, em um contexto conturbado para o mundo. Se há 20 anos era o início do novo milênio e as transformações geopolíticas e comportamentais causadas pelo 11 de setembro geravam incertezas quanto ao futuro, agora este efeito é provocado pela covid-19. As composições já estavam finalizadas quando a pandemia eclodiu e começaram a tomar forma após um período de vivência da artista em Nashville, nos Estados Unidos, meca da música country. A crise sanitária e humanitária transformou o processo de gravação do disco, com Natalie Imbruglia gravando a maior parte dos seus vocais no isolamento, em casa, com seu filho recém-nascido (a cantora foi mãe solo aos 44 anos, através de fertilização in vitro).
“Inicialmente eu fiquei muito perturbada porque tínhamos planos de gravar em Londres, então tínhamos toda essa planilha, e então o lockdown aconteceu. Mas, na verdade, acabou funcionando bem porque gravei todo o álbum na casa onde estou agora. Comprei um novo microfone e tenho todo esse equipamento que meus co-produtores disseram para comprar online. Acabou sendo uma experiência improvisada divertida, sem comprometer a qualidade [da música]. Também me tornei mãe, então pude passar ótimos momentos com meu filho, abraçá-lo no intervalo das gravações dos vocais. No final, acho que fez tudo ser muito especial. Todas as músicas já estavam escritas àquela altura, então foi um processo de gravação muito calmo e relaxante”, pontuou.
Nas composições do disco, a artista reflete sobre sua recém-encontrada serenidade, o empoderamento trazido pela maternidade e um otimismo que, muitas vezes, escapava às suas músicas anteriores. Faixas como “Build It Better”, “Maybe It’s Great” e “On My Way” refletem sobre o estado emocional de Natalie com um olhar generoso sobre as experiências, positivas ou negativas, e as veredas que percorreu. A influência de Nashville no álbum é visível especialmente na segunda metade, com canções como “Human Touch”, “When You Love Too Much” e Change of Hearts, que evocam melodias country em diálogo com o pop. Ela explicou que o título faz alusão à fênix, criatura mística que renasce das cinzas, e a importância de não resistir às situações que estão fora do seu controle (“Está tudo bem deixar as coisas desmoronarem e começar de novo, poder criar algo mais bonito. Esse é o principal arco temático do álbum – e encontrar força na fragilidade”, explicou).
“Havia muitas coisas que eu estava processando. Acho que após um longo período de bloqueio na escrita, [foi bom] poder ter a oportunidade, agora que tenho esse fluxo criativo, de expressar descobertas, como a epifania de que não há nada faltando em mim. Passei todo esse tempo tentando me consertar, ser como todo mundo, e de repente acordar e perceber que a estrada menos percorrida é muito boa. Eu não tenho que ser nada além de quem eu sou. E conversar sobre isso com KT Tunstall e poder escrever essa música [“Nothing Missing”] que captura esse sentimento – e é uma mensagem tão boa para colocar no mundo. Toda música do álbum é assim. ‘Not Sorry’ foi sobre eu entrar em acordo comigo sobre decidir ser uma mãe solo e querendo estar no meu poder quanto a isso; algo como “não sinta pena de mim, você é quem tem um problema com isso, não eu”. Então havia muitas coisas importantes que eu estava processando e eu pude usar minha escrita e criatividade para tocar nesses assuntos. Foi muito catártico”, enfatizou.
INFLUÊNCIA E FUTURO
Ainda que tenha uma das músicas mais marcantes das últimas décadas, a cantora e compositora ainda acha estranho se ver como uma inspiração para novos artistas. Recentemente, Lorde, durante a divulgação de seu disco mais recente, Solar Power, fez um cover de “Torn”, para surpresa de Natalie.
“Me sinto lisonjeada. Ainda fico em choque [com a referência de Lorde] porque ela é um gênio musical; não imaginei que eu seria alguém que ela referenciaria ou mesmo escutaria (risos). Acho que a década de 1990 foi um tempo muito bom para a música Pop. É ótimo ter feito parte daquela era divertida da música Pop. É muito tocante ouvir que qualquer coisa que eu tenha feito durante aquela época teve alguma influência”, contou.
A australiana acredita que os artistas que estão começando agora contam com um ambiente mais saudável, uma vez que no final da década de 1990 e durante os anos 2000, os tablóides tinham táticas ainda mais antiéticas e vorazes em relação aos famosos. Aos 46 anos, ela se sente confortável com sua vida e seu trabalho e não vê pressão no seu processo criativo, como ocorria antigamente.
“Acho que as pessoas não são mais tão cruéis na mídia porque elas não conseguem mais se safar [das consequências dos comentários maldosos]. Também gosto que os novos artistas têm a oportunidade de falar diretamente com seus fãs e acho que essa é uma boa mudança. Quanto a mim, estou por aqui há muito tempo e há algo muito bom em chegar a uma idade em que você sabe seu lugar (risos). Acho que você abre espaço para que os mais novos cheguem e façam a coisa deles e você está fazendo as suas coisas. Eu não me vejo competindo com os jovens que estão lançando música agora. Sinto que houve uma mudança, que não sei se tem a ver com minha idade, mas definitivamente sinto que [nas entrevistas] a linha de perguntas está mais focada na música e as pessoas estão menos inclinadas a serem maldosas”, refletiu.
“Me sinto lisonjeada. Ainda fico em choque [com a referência de Lorde] porque ela é um gênio musical; não imaginei que eu seria alguém que ela referenciaria ou mesmo escutaria (risos). Acho que a década de 1990 foi um tempo muito bom para a música Pop. É ótimo ter feito parte daquela era divertida da música Pop. É muito tocante ouvir que qualquer coisa que eu tenha feito durante aquela época teve alguma influência”
Além da divulgação de Firebird, Natalie se prepara para sair em turnê no final de 2022, quando espera que a pandemia esteja mais controlada em todo o mundo. Ela, que nunca se apresentou no Brasil, quer vir ao país, onde tem uma base fiel de fãs. A artista também pretende continuar seu fluxo criativo e, assim que terminar a maratona de shows, retornar ao estúdio.
“Me tornar mãe foi a melhor coisa que aconteceu para mim. Amo muito meu filho e coloca em perspectiva o que é realmente importante. Me libertou criativamente porque não há aquele pedaço faltando porque era algo que eu desejei tanto por muito tempo. Estou me divertindo muito com minha música e não quero mais passar tantos anos entre um trabalho e outro. Além da turnê, quero me certificar de ter um tempo para começar a escrever para o próximo projeto”, contou.