Nesta pista de dança

A noite também fala português? Aqui, uma revisão da queda e ascensão do remix na música popular brasileira

Loading

Fotos: Jonas Tucci

De supetão, quantos remixes de músicas da MPB realmente se cravaram na sua memória? A versão House de “Anunciação”, de Alceu Valença, talvez seja algumas das primeiras a bater. O remix assinado pelo recifense Jopin foge à regra desse semi-anonimato que parece perseguir o gênero e tornou-se um hit estrondoso. No mesmo movimento, em 2017, L_cio revisitou o clássico “Construção”, de Chico Buarque, e a versão eletrônica já acumula mais de 350 mil plays no Spotify (e infinitas aparições na noite paulistana).

A mais recente investida tamanho LP no catálogo dos remixes de música brasileira é o Letrux em noite de pistinha (2019), dissidência do sucesso de Letrux em noite de climão (2017). A proposta, contudo, aponta para um novo capítulo da história do remix em terra brasilis: o artista responsável pelos originais está envolvido e compreende esse formato e as possibilidades que ele apresenta. A carioca não está sozinha nessa toada. Do mesmo jeito foi que aconteceu End of the World Remixes (2017), releitura de A Mulher do Fim do Mundo (2015), de Elza Soares. Vale também para o NPN Remixes de Pabllo Vittar, lançado ainda neste ano com versões de seu Não Para Não (2018).

Outra novidade é que o remix não necessariamente está ligado a uma versão “animada” das faixas em questão. Eles aparecem nessa nova circunstância como versões autorais de canções que já existem. “Acho curioso que nem todo remix seja propriamente feito para dançar”, pontua Letrux. “Isso mostra como os DJs que entraram nessa não vieram nessa coisa ‘tacar um beat e tudo certo’, sabe? Era abraçar a música por um outro viés e isso até me emocionou.” Apesar de ser mais comum na gringa (basta lembrar-se de Telegram [1996] ou Bastards [2012] da Björk), essa abordagem ainda é novidade no Brasil. Por aqui, principalmente nos anos 1990 e no começo dos 2000, os remixes vinham mais no sentido de suprir uma necessidade das rádios e gravadoras em expandir a penetração comercial de determinada música. Nesse cenário, artistas como DJ Meme, DJ Marlboro e Deeplick fizeram seu nome criando faixas flexíveis que funcionavam bem tanto para a FM quanto para as pistas.

Para DJ Zé Pedro, um dos pioneiros no remix de faixas clássicas da MPB, a grande questão é que, na década de 1990, com a chegada da música eletrônica, não era cool ouvir letras em português na noite. Assim, seu trabalho enveredou para as passarelas. Em 1996, com apoio de Paulo Borges (SPFW) e do diretor artístico Giovanni Bianco, o DJ começou a se apresentar nos desfiles mais importantes do país. Suas releituras de Maria Bethânia, Elis Regina e Rita Lee acabaram sendo o fundamento do que se transformou futuramente em Música para dançar (2002) e Essa moça tá diferente (2009), discos que fizeram mais sucesso no exterior do que no Brasil. Foi só depois de 2010 que as festas dedicadas à música brasileira ficaram mais comuns, mas, mais do que isso, os sons produzidos aqui ganharam certa validação e por isso invadiram outros espaços. Hoje é comum ouvir Letrux, Duda Beat e Pabllo Vittar nas caixas de uma festa alternativa, por exemplo. O sinal mais claro dessa mudança é que o crescimento dos DJs em busca de autorizações para seus lançamentos. “O Zé Pedro comentou que ele e um amigo (Marcos AS) queriam fazer o ‘Flerte Revival’. Achei divertido e mandei as tracks da faixa. Aí, depois um outro DJ me pediu, aí outro, aí outro… Foi um furacãozinho”, relembra Letrux a respeito da composição de sua noite de pistinha.

Praticamente o mesmo aconteceu com o duo CyberKills, responsável pelo remix de “Buzina”, que abre o NPN Remixes. Gabriel e Rodrigo produziram a faixa, apresentaram para a equipe da Pabllo Vittar que, por sua vez, curtiu a versão e a inseriu no disco. Os dois artistas trabalham virtualmente juntos desde o ano passado: “Nos inspiramos muito no pop noventista e na estética da galera da PC music também”, explica Gabriel. De lá para cá, eles já assinaram faixas para Mia Badygal, Potiguara Bardo e Bemti. Deste último, surpreendente remixaram “Eu te proíbo de ter esse poder sobre mim” que, à princípio, pendia para o Folk, com a marcante viola caipira do artista mineiro. Para ele, por sinal, ver sua música se transformar foi muito natural. “Fui adolescente nos anos 2000, acompanhando todos os artistas e bandas que eu amava (de espectros mais ou menos eletrônicos) lançando remixes como lado B de singles e também como singles propriamente ditos. Acho que essa coisa de ter a música completamente reinterpretada por outros artistas é um processo que sempre me interessou e que eu estou muito feliz em experimentar agora como músico.”

Isso mostra como os DJs que entraram nessa não vieram nessa coisa ‘tacar um beat e tudo certo’, sabe? Era abraçar a música por um outro viés e isso até me emocionou – Letrux

Mesmo assim, não é sempre que o artista/autor das canções originais libera os direitos para que as brincadeiras possam acontecer. E isso, evidentemente, atrapalha a propagação e o sucesso dessas experiências. DJ Zé Pedro, por exemplo, adora navegar pelo SoundCloud e descobrir as milhões de releituras escondidas ali. Recentemente, inclusive, encontrou Gilberto Gil que o revelou que desconhece por completo esse arsenal de remixes feitos a partir de sua obra na Internet. L_cio e Jopin, por sua vez, conseguiram as autorizações de Chico e Alceu para os remixes que citamos anteriormente. Mas, isso é raro. Muitos artistas ainda barram esse tipo de criação “terceirizada”. É um duplo desafio: criar algo original sobre uma obra que já existe e ser validado pelo artista que fez a música-base para poder trabalhar com ela. Em conversa com o Monkeybuzz, Zé Pedro repetiu algumas vezes o quanto ele sempre esteve à margem de seu próprio universo. Bom perceber que o que antes era estranho virou o centro das atenções: “Essa nova geração que chega já nasce aceitando a música brasileira na pista de dança”, explica o DJ. J Brasil, Omulu, CyberKills, L_cio e tantos outros na ativa atualmente não estão nem aí para rádios ou anunciantes. São artistas criando ao lado de artistas. E a gente só ganha com isso.

Inclusive, aproveitamos a deixa para lançar com exclusividade o remix de “Flash Pose” de Pabllo Vittar e Charli XCX por CyberKills. Confira abaixo:

Loading

Autor: