No bar com 2ZDinizz

O rapper niteroiense fala sobre as inspirações para o disco “Patrono”, ressalta as influências do samba (no som e na vida) e explica como uma mesa de bar pode se tornar um divã

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Fotos: @r22theusma / @micelipedro / @___backers

Mesmo com os holofotes, 2ZDinizz é um cara simples. Recém-contratado pela HHR (gravadora de L7nnon), o rapper de Niterói fez barulho com Patrono, seu disco de estreia e um dos grandes lançamentos do rap nacional no ano passado. Humildemente, ele se juntou comigo em uma mesa de bar para bater um papo sobre como sua vida tem mudado nos últimos meses.

Niterói talvez não seja o primeiro lugar que vem à mente quando se pensa em um reduto de talentos do rap carioca, mesmo com contribuições fundamentais para o cenário nacional – Black Alien, Speed Freaks, Marechal, Quinto Andar. Mas é de lá que também veio 2ZDinizz. Natural da Cidade Sorriso, o rapper boêmio, que transformou seu sobrenome em alter ego, tem a personalidade de um carioca típico: praia, samba, cerveja e bom humor. E é possível que o segredo para que sua arte tenha, de primeira, dado tão certo esteja nessa simplicidade.

Mas o sucesso quase instantâneo de seu disco de estreia foi uma surpresa – até para ele. Aos 30 anos, Diniz confessa que não imaginou que tudo aconteceria tão depressa. “Foi o trabalho de um ano que fiquei com muito medo de ver pronto. Eu não ouvi o álbum inteiro até duas semanas antes do lançamento. E, quando ouvi, percebi que o trabalho tinha sido bem feito, que as coisas estavam acontecendo. Mas eu não achei que o público fosse assimilar tão rápido”, reflete.

Abordando temas universais como amor, decepção, dificuldades financeiras e a vontade de contrariar as estatísticas, Patrono se desenha em um local muito similar ao que nos encontramos. Em um diálogo de bar, o artista, ao longo das 16 faixas, discorre sobre sua vida enquanto ouve os conselhos de um orixá das ruas cariocas que dá nome ao projeto – uma figura que protege, guia e incentiva 2Z nessa jornada.

Na sonoridade, o boom bap e a cultura do scratch servem como base para as conexões entre o clássico e contemporâneo, em uma produção repleta de referências a sambas-enredo emblemáticos do Carnaval carioca – como, por exemplo, “Ópera dos Malandros”, co-escrita por Xande de Pilares para a o Salgueiro em 2015 e reutilizada pelo rapper na faixa-título.

Tentando desvendar os segredos do mundo em alguns copos de cerveja, seguimos pela famosa Estrada Francisco da Cruz Nunes, principal via de acesso aos bairros da Região Oceânica de Niterói – mencionada em “Quem Diz que o Boom Bap morreu?” –, até pararmos no charmoso boteco Amarelinho do Trevo de Piratininga.

Durante nossa conversa, é impossível não notar o carinho de Diniz pelas áreas onde cresceu – e vice-versa. Ele foi cumprimentado diversas vezes por pessoas que passavam pela rua, sempre respondendo com carisma, um sorriso no rosto e atenção ímpar.

É sua primeira entrevista?

É, sim. Minha primeira entrevista desde que Patrono saiu.

Esperava que fosse assim [no bar]?

No bar? Sim! Aqui é minha casa! Só não imaginava que seria tão intimista assim [risos].

O que é ser um patrono?

O patrono, para mim, é o cara que você vai conversar no presente para você ser no futuro, tá ligado? Ele vai ser seu mentor, teu guia. Como eu digo no álbum, ao mesmo tempo em que ele é a lei da tua vida, também é a pessoa que te dá esperança. Aquela pessoa que dá sentido na sua vida. Patrono não é o que eu sou hoje, mas é o que eu quero ser no futuro, daqui a 20 anos, para minha comunidade, para minha família.

E você pensava que o álbum fosse ser esse sucesso todo logo de cara?

Não! Patrono era uma parada que eu tinha muito medo de realizar. Foi o trabalho de 1 ano que eu fiquei com muito medo de ver pronto. Nunca tinha escutado o álbum inteiro, da faixa 1 até a faixa 16,  até 2 semanas antes do lançamento. E quando ouvi, percebi que o trabalho tinha sido bem feito, que as coisas estavam acontecendo. Mas não achei que o público fosse assimilar tão rápido.

Graças a Deus, o pessoal entendeu. Acho que pelo caráter simplista de ser uma mesa de bar como a gente tá aqui agora. Acho que a mesa de bar é o maior divã do Brasil, é onde todo mundo afoga as mágoas. Todo mundo sempre tá aqui, bebendo ou não bebendo, alguma vez você sentou aqui para trocar uma conversa.

“Acho que a mesa de bar é o maior divã do Brasil, é onde todo mundo afoga as mágoas”

Como você tem percebido essa recepção do público ao seu trabalho?

Tem sido muito doido, Não esperava que fosse acontecer tão rápido. Eu sabia que o trabalho tinha sido muito bem feito, foi um trabalho feito a longo prazo, foi tudo muito pensado. Mas eu não esperava que o público fosse assimilar isso tão rápido. Eu pensei que o álbum fosse dar certo daqui a 1 ano.

Na era das playlists, dos singles, deu medo de lançar um disco extenso e conceitual?

Muito. Eu não sabia se os interlúdios iriam ser ouvidos. Meu receio era esse. Surpreendentemente, os interlúdios performaram bem. Então, o que eu achei que era um movimento do mercado, na verdade, era uma carência.

Eu tenho muito orgulho de ter feito esse projeto. Meu produtor quis me matar quando eu falei que teriam quatro interlúdios. Eu falei: “mano, confia!” — e eu mesmo não estava confiando [risos]. Mas deu certo, graças a Deus!

E como o rap chegou à sua vida?

A primeira lembrança que eu tenho do rap foi em um dia que eu estava dentro de um carro com a minha mãe. Ela pegou um disco — que era o disco dos Racionais, na época eu não sabia o que era — e botou o disco para tocar, começou a tocar “Jorge da Capadócia”. Essa é minha primeira memória com o rap.

Mas o rap voltou na minha vida muitos anos depois com o skate. Andando de skate me apresentaram o rap. Na época, foi uma coisa muito visceral para mim. Eu digo que o rap é o meu “pai de ouvido”, no momento que eu comecei a me criar, ele foi me dando um norte, me dando uma luz para onde eu tinha que ir.

Vejo você falando muito sobre a sua mãe, tanto nas redes sociais quanto na sua música, ela sempre apoiou sua carreira?

Beijo, Cristiane Moura! Minha mãe é tudo que eu tenho… Ela é minha mãe, meu pai, minha avó, meu avô… Somos só eu e ela, basicamente, nós dois contra o mundo.

E como era o 2Z criança?

2Z criança era meio atentadinho [risos]. Nunca fui de dar problema, sempre soube o que era certo e o que era errado. Mas eu era atentado, fazia merda, dei trabalho pra minha mãe [risos].

Você chega a tocar no assunto dentro do álbum, mas gostaria de saber um pouco sobre sua relação com seu pai. Quem era ele?

Descobri quem era meu pai biológico há dois anos. Fui buscar uma certidão de nascimento minha e vi que meu avô estava registrado, mas também constava o nome do meu pai biológico. Essa certidão é muito antiga. Então, comecei a pesquisar o nome do meu pai na internet. Liguei para uma escola de samba que ele tinha e, quando finalmente o encontrei, falei com o melhor amigo dele. Foi então que tudo veio à tona na minha vida.

A figura paterna sempre foi uma coisa muito faltosa na minha vida. Quando eu descobri sobre ele, foi uma coisa que me preencheu e me fez entender melhor quem era o 2Z — e mais ainda quem era o Léo. Essa raiz do samba, do mulherengo, do papinho, de ser um cara carismático na rua… Hoje eu sei que herdei isso dele, mesmo sem conhecê-lo. Infelizmente, ele já não está mais em vida.

“O rap é o meu ‘pai de ouvido’, no momento em que eu comecei a me criar, ele foi me dando um norte, uma luz para onde eu tinha que ir”

“Coisas Que Não Aprendi Contigo” é a que mais te emociona?

Sem sombra de dúvida. Toda vez que eu ouço eu choro, toda vez que eu vejo o clipe eu choro, cantando tenho que me segurar pra não chorar…

E foi a mais difícil de escrever também por conta disso?

Foi. Escrevi chorando, gravei chorando… Se você se atentar na parte que eu falo “mas parece que para nós nunca clareia, pai”, eu tive que colocar uma dobra por cima, porque, no momento em que eu tava gravando, comecei a chorar.

Quando a gente fala de uma cena de rap carioca, Niterói e São Gonçalo, por estarem afastados da cidade do Rio de Janeiro, acabam ficando um pouco de fora da conversa. Você acha que isso dificulta que o som chegue até as pessoas?

Dificulta, mano. Niterói e São Gonçalo são dois berços de talento inacreditáveis. Tem muita gente aqui na cidade que rima muito. Inclusive, você vai me ver trazendo muita gente nova para rimar comigo, muitas pessoas que estão fora do mainstream, porque eu acho que elas merecem estar ali. São Gonçalo é a mesma coisa, se quiser ver isso de perto é só colar na “Roda do Tanque”. A cena do Rio e a de São Paulo são coisas muito fechadas ainda. Pra gente entrar é muito difícil.

Tem diferença do rap do Rio e do rap de São paulo?

Tem. O Rap do Rio de Janeiro é mais quente, fala mais das coisas do nosso cotidiano: a praia e a boemia – adivinha o DDD? [risos]. O rap de São Paulo é mais introspectivo, ele é um rap que faz pensar um pouco mais.

A gente vê que Patrono tem muita influência de samba, você se acha mais sambista ou mais rapper?

Muito mais sambista! A chance de você me encontrar num samba é muito maior do que me encontrar num show de rap ou numa roda de rima. Amo a cultura do rap, amo o hip-hop, mas eu fui criado assim. Minha mãe me levava pra samba desde que eu nasci, juntava duas cadeirinhas, me botava para dormir em meio às cadeiras… Minha vida inteira foi isso: quadra de escola de samba, samba de rua, samba de roda, partido-alto, pagode, churrasco que acaba em batuque de balde; pode me chamar que eu tô indo [risos].

Dá para perceber que você também canta, você se preocupa em tornar o seu rap “mais musical”. É por causa dessa criação?

Rap é música. Então, tem a parte dele que tem que ser concreta, sólida, e eu busco trazer isso através da caneta. Mas a música sempre esteve presente na minha vida através do samba, e o samba é um gênero muito rico, musicalmente falando. O rap também merece essa musicalidade.

“A chance de você me encontrar num samba é muito maior do que me encontrar num show de rap ou numa roda de rima. Amo a cultura do rap, amo o hip-hop, mas eu fui criado assim”

Algum samba específico marcou sua vida?

Quando a Gira Girou [Zeca Pagodinho]. Porque essa fala da minha vida como um todo, tá ligado? Várias vezes o tempo anuviou na minha vida e várias vezes eu tive novas esperanças. Essa música fala sobre amor, sobre amizade e ela fala: “não importa se o tempo tá ruim, não importa o que você tá passando, em algum momento as coisas terão uma reviravolta. E quando essa gira girar, seja grato”.

O que te inspira?

Minha mãe, meus amigos, minha família, a vida, as coisas simples, Mano Brown [risos]… Isso me inspira muito: estar num bar com os amigos trocando uma ideia, trocando conselhos. A maioria das minhas punchlines saem de conversas.

Tem algum ídolo na música que gostaria de conhecer?

Tem vários! Para encontrar aqui nessa mesa?  Zeca Pagodinho. Que não tá mais em terra? Eu gostaria muito de trocar ideia com o Tim Maia, com o Emílio Santiago… Eu já tive o prazer de conhecer o Jorge Aragão recentemente.

E como foi essa história com o Jorge Aragão?

Foi muito doido, eu tava no réveillon com o L7nnon, e ele tava conversando com o Jorge Aragão. Aí o L7nnon me chamou, ele viu que eu tava assim meio de cantinho, rindo igual uma criança quando vê um brinquedo na vitrine. O Jorge é um cara simples, carismático, dá vontade de dar um abraço nele e dizer “queria tanto que o senhor fosse meu avô”, uma pessoa incrível.

Você se sente como a próxima promessa dentro do rap?

Eu não gosto da palavra “promessa”, porque já me prometeram muita coisa na vida e não cumpriram, tá ligado? Eu posso dizer que eu tô acontecendo no rap.  Quero que as pessoas saibam que, se eu lancei um álbum bom agora, pode ter certeza que eu vou trabalhar para o segundo ser melhor que o primeiro.

Dá para resolver tudo numa mesa de bar?

Tudo não! Às vezes você tem que levantar da mesa pra resolver [risos]. Mas dá para você chegar na conclusão de tudo.

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ARTISTA: 2ZDinizz

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