No Emaranhado Do Estilo Contemporâneo

O que define um gênero musical hoje em dia? Tentamos descobrir, do utópico Parnaso-Punk ao calculado Math Rock

Loading

O debate em torno da função da classificação musical em gêneros e/ou estilos continua sendo largamente trazido à tona nos dias de hoje e, talvez, esse ressuscitar constante do assunto se dê justamente em função da crise classificatória pela qual passamos. Explico melhor, mas com a ajuda de um artigo publicado por aqui anteriormente. Como Nik Silva coloca muito bem:

“Quando o tema em pauta é ‘estilos musicais’ surge dele uma dicotomia interessante, em que cada lado se apega a um ponto de vista bem limitado. Em um dos extremos da discussão, está a abordagem didática sobre a música, uma maneira de agrupar semelhanças ou resumir características de diversas bandas, facilitando assim a compreensão por parte do ouvinte. Já o outro polo pega essa simplificação e a põe em cheque dizendo que essa estratificação na verdade acaba por não explicar eficientemente o conteúdo musical, além de limitar a compreensão do ouvinte ou ainda o predispor (ou pré-indispor) a receber algum novo som.”

A classificação por gênero, nascida da necessidade natural de contextualizar as novas músicas, passa pela era da pressão mercadológica da indústria fonográfica. Com isso, não só a quantidade de produção e distribuição de informações cresce muito rápido, mas surge um fenômeno, que, a meu ver, é justamente a origem de tanto revés no mundo artístico: a necessidade da indústria classificar as bandas dentro de um padrão de mercado.

Grandes grupos de criatividade irrelevante são criados pela indústria com a finalidade de serem, justamente, fenômenos comerciais. Assim, muitas outras bandas interessantes precisam figurar ao lado das mesmas na prateleira da loja de CDs. Naturalmente, as reclamações em torno desta prática, que dizem respeito à redução por rotulação, justificam a eliminação das particularidades de cada grupo. Além disso, há – de modo muito mais elevado agora nos anos 10 em que vemos a saturação de quantidade de informação – a dificuldade do público de acompanhar a variedade imensa de novos nomes e termos que parecem crescer em progressão geométrica.

Por outro lado, é inviável a ausência completa de alguma rotulação para a resenha de álbuns, por exemplo. Ora, se a resenha mantém como essência a descrição do objeto analisado, levando em conta a enumeração e a construção de relações consideradas relevantes sobre o mesmo, como ignorar, na ideia resumida, as suas relações intertextuais (além da abordagem mais ou menos crítica do autor)? É justamente na correlação entre grupos e sonoridades que estão os requisitos mínimos para despertar o grau de interesse do leitor.

Mas, além deste emaranhado infinito de estilos e afins, e subindo o grau da discussão para além dos méritos da rotulação em si, como podemos detectar o que classifica um gênero musical contemporâneo? A dificuldade reside justamente na falta de método específico. A grande questão neste assunto é que existe uma diversidade de fatores que fazem com que os gêneros se definam. A falta de metodologias estritas, por assim dizer, faz com que os gêneros nasçam de diversos lugares, pertencentes a diversas ordens, além de contar muitas vezes com a subjetividade e criatividade do neologista, a conta final acaba passando por muitas variáveis. Ainda mais hoje em dia.

Embora os gêneros se deem justamente por conta de um certo agrupamento de afinidades, essas mesmas podem vir de vários lugares, como instrumentação utilizada, contexto geográfico da cena, sua função dentro do universo a que pertence, até em questões estruturais da canção em si, por exemplo. Aqui no Monkeybuzz, é comum definirmos as características estilísticas de um álbum na média de três gêneros. É só dar uma olhada na seção de resenhas. O clichê da facilidade de acesso à informação contemporânea é real: tudo acontece tão rápido e numa quantidade tão grande que a demanda acaba se estendendo além dos limites dos neologismos. Hoje, distante das novidades musicais do século passado, que tornava relativamente fácil definir uma música como “Blues”, os novos estilos estão já na terceira ou quarta geração de um fenômeno de fusão (da fusão) de estilos.

Lembro-me que no início dos anos 2000 o assunto quase virou piada. Todas bandas inventavam seus novos gêneros próprios, justamente por conta do cansaço rançoso dos rótulos das prateleiras da lojas de CD, às beiras de um processo de extinção, na época. Rodrigo Amarante, ainda dentro do contexto de seu Los Hermanos, dizendo que tocava Parnaso-Punk fazia muito mais sentido do que o Samba-Rock dos jornalistas, tão distantes os Hermanos estavam de um icônico Abílio Manoel. De fato, após o aparecimento de um paradoxal Pop-Punk, unindo as duas extremidades estilísticas num caldeirão só, nada parecia ter mais uma função relevante.

Longe de querer reduzir as singularidades de cada grupo, é inegável que algumas bandas partilham características em comum e, assim, a definição por gêneros ajuda muitas vezes em aspectos que vão além das similaridades sonoras, acima de funcionar apenas como um filtro inicial para o leitor/ouvinte. Nas intermináveis subvertentes do cada gênero podemos descobrir origens em comum de fenômenos espalhados pelo globo, suas as referências similares, ou uma herança partilhada, mesmo que não intencionalmente. Algo que pode ser muito interessante para alguém que busca e tem o interesse um pouco mais profundo na música de alguns grupos.

Neste artigo sobre Baroque Folk, por exemplo. Na procura de grupos que se utilizavam da técnica dedilhada do violão, descobri raízes em comum que muitos músicos partilham ao redor do mundo hoje em dia. Embora este possa ser um tema comum para alguns iniciados, não é todo público leigo que conhece as similaridades entre o Kings of Convenience e seu padrinho indireto Davy Graham.

Do mesmo modo, no artigo sobre o Beach Punk. O texto vem da descoberta de uma característica musical em comum vinda de uma região específico. A saber, os tais riffs de Surf de bandas do Brooklin. Descobri que esta já é uma cena consolidada, e nasce no bairro novaiorquino do Brooklyn, além do um pouco mais óbvio estado da Califórnia. Com tais textos, novos nomes interessantes sempre são sugeridos e podem ampliar seu repertório dentro de suas preferências estilísticas.

Dentro dessa coluna sobre – vejam só – estilos, podemos encontrar novos exemplos a todo momento. Vamos dar uma olhada no Math Rock, por exemplo. O uso matemático da alternância de compassos é um mero recurso elevado a gênero? Poderia ser, mas dê uma passada sobre a discografia sugerida. Todos esses grupos não fazem parte de um universo sonoro em comum? Tire suas próprias conclusões.

Para encerrar o artigo, vamos com a sugestão da coluna “Ouça” desta semana, Troumaca. E a óbvia dificuldade de descrever a sonoridade riquíssima da banda

Lembre-se, a classificação existe como guia nesta progressão aparentemente interminável de subvertentes, e, embora a rotulação possa ofender alguns artistas e seus fãs por reducionismo de suas particularidades criativas, cabe justamente ao discernimento crítico do ouvinte o trabalho para que os detalhes jamais se percam e, bem, o universo continue sempre se expandindo, principalmente o seu próprio.

Loading

Autor:

é músico e escreve sobre arte