Noga Erez, faixa etária: Livre

“Percebi que queria falar com os adolescentes”; artista de Tel Aviv canta sobre conflitos – internos, amorosos, políticos e geracionais – em “KIDS”, seu segundo disco

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Fotos: Dudi Hasson

Curiosa e interessada por quem escuta as suas músicas, Noga Erez percebeu uma mudança no público entre os seus dois discos – Off the Radar (2017) e o recente KIDS, lançado no final de março. Contrariando a faixa dos 25 aos 35, ela observou os anos aumentando e diminuindo, e diz que recebe vários vídeos de famílias com crianças pequenas dançando ao som do seu Pop Eletrônico.

“Percebi que queria falar com os adolescentes. Para mim, foi a época mais importante para descobrir música, ser influenciado e tocada por isso. Então sabia que precisava dar tudo de mim neste disco”, comenta a artista em entrevista ao Monkeybuzz. Aos 31 anos, a cantora e compositora nascida em Tel Aviv deseja se fazer presente na vida dos seus ouvintes. “O poder da música é fazer as pessoas entenderem que não estão sozinhas”, explica.

O título do álbum não é mera coincidência: KIDS, uma coprodução de Noga Ori Rousso, seu namorado e parceiro criativo, fala sobre encontros de gerações. “A gente ainda está brigando sobre quem falou o nome antes, decidimos isso antes de tudo e usamos como um arco entre as músicas”, lembra. Há quatro anos, quando a dupla estava no ciclo de lançamento do primeiro trabalho, o casal passou pela perda da mãe do músico, acontecimento que também ecoa pelo disco.

As matriarcas são lembradas ao longo do registro seja nos versos – “desculpe ser uma criança de merda”, em “Knockout” – ou até mesmo em áudios, como na intro “KTD” (kids these days), que simboliza frase proferida pela mãe de Noga. A artista saiu de casa aos 18 anos para um caminho de independência e serviu durante dois anos no exército de Israel, mas, recentemente, vem repensando a própria relação familiar. “Costumava ser uma criança dependente. Eu voltava da escola, mas minha mãe ainda estava no trabalho, então eu cheirava o seu travesseiro e chorava”, lembra. Por não querer se separar da mãe, Noga a acompanhava nos ensaios do coral depois do expediente, e dormia ao som de belas harmonias. “De alguma forma, sinto que isso me tornou artista, fez com que a música entrasse na minha consciência. Ainda amo minha mãe como se eu tivesse seis anos”, reflete.

“Percebi que queria falar com os adolescentes. Para mim, foi a época mais importante para descobrir música, ser influenciada e tocada por isso. Então sabia que precisava dar tudo de mim neste disco”

A ideia inicial do novo LP seria falar sobre luto e perda, mas a vida aconteceu e as coisas mudaram. O casal entendeu que estava se limitando ao tentar se prender ao conceito, então desencanaram, partiram para um approach mais espontâneo, e aos poucos, entenderam o caminho: “logo as coisas mais autênticas começaram a surgir – ‘Candyman’, seguidas de ‘Fire Kites’ e ‘Knockout’. A última foi ‘End of the Road’, começamos cedo, mas travamos, então acabamos escrevendo no último minuto”.

Ao longo das 13 faixas, a letrista escreve sobre alguns diferentes tipos de conflitos – internos, amorosos ou políticos –, ao passo que também fala sobre histórias pessoais, como um relacionamento abusivo em “YOU SO DONE”. “Vivemos em uma época em que violência doméstica e sexual aparece o tempo todo. Há tanto para ser feito que fico com raiva”, escreveu em um comunicado na época do lançamento do single, em agosto do ano passado. Outro exemplo, em “Cipi”, a primeira faixa, ela abre com um desabafo: “estava profundamente deprimida”. Ao longo da track, Noga dialoga com os pensamentos pessimistas que não vão embora, à medida que o instrumental se torna mais vibrante.

Com uma paleta sonora diversa, o disco desliza entre estilos musicais, assim como a vocalista explora novos jeitos de cantar o seu spoken word com flow agitado. O duo traz alguns artistas atuais cultuados como principais referências, casos de Kendrick Lamar, Flying Lotus, Anderson .Paak, Tame Impala e Tyler, The Creator, além de colher influências de Gorillaz, Blur, Radiohead e Nancy Sinatra. Ainda é possível reconhecer doses de M.I.A. (“Bark Loud”), Billie Eilish (“Switch Me Off”) – inclusive, a família da cantora estadunidense é fã de Noga – e Brockhampton (“End of the Road”).

Evoluindo a dinâmica de criação da estreia, na qual realizaram todos os processos m conjunto, dessa vez, os dois passaram a se dividir, com Rousso ficando com a produção e Noga com as letras, para depois unirem forças. Eles estavam no momento de mixagem quando a pandemia se espalhou e todos os shows foram cancelados. Os meses em casa acabaram se tornando essenciais para aprimorar as canções e aproximar mais pessoas para o processo. “Tivemos ajuda dos nossos amigos, foi algo mais comunal, em grupo, e muito mais divertido”, conta.

Os cinco singles lançados com videoclipes – “VIEWS”, “NO news on TV”, “YOU SO DONE”, “End of the Road” e “Story”– também ganharam versões acústicas na série Kids Against The Machine. A ideia era exibir as novas composições ainda que a artista não possa levar uma banda grande em todos os shows: “Várias pessoas fazem discos de remix, para que elas sejam tocadas em baladas, eu quis fazer o oposto. Foi o nosso jeito de dizer que as músicas têm vida própria”.

Até mesmo a escolha de quais tracks seriam lançadas antes foi realizada de forma democrática. Os parceiros criativos contam com uma equipe para lidar com as questões do lançamento, e como uma família, há sempre muita discussão. “O critério foi quem lutou mais pelo próximo passo. ‘NO news on TV’ foi a minha pior briga com Ori. Ele achava que era muito divertida, juvenil, e eu achei que era o que as pessoas precisavam. Fiz muita questão dela”, divide Noga. Quem insistir mais na ideia acaba levando a melhor, e com menos de um mês no ar, o disco já levou Noga e Ori para as televisões estadunidenses, no Jimmy Kimmel Live.

Em abril, Noga realizou dois shows via stream. Em um deles, KIDS: A New Album Experience, ela apresentou as novas músicas com o apoio de coreografia e 25 bailarinos no palco. Segundo a imprensa gringa, a apresentação foi uma versão millennial de American Utopia (2018), de David Byrne. Ao longo do ano passado, o visual do novo trabalho vem sendo introduzido por meio de vídeos minimalistas, gravados em uma locação, como um convite à síntese.

“Vídeos que você descreve para os seus amigos em uma frase: aquele com o robô ou a escada. Fazer algo minimalista é mais desafiador do que algo que parece com várias coisas e é bombástico”, compara. A equipe não tem planos para produzir mais registros visuais, mas como o público teve uma boa reação para “Fire Kites”, foi lançada uma versão ao vivo, apresentada no início do mês.

Enquanto o futuro das apresentações presenciais ainda parece incerto, Noga segue acompanhando a reação dos fãs às novas músicas pelas redes sociais. “Parece que é o meu aniversário, mas multiplicado por um milhão”, diz com animação. Ela não descarta uma nova tour no Brasil, país onde realizou uma série de shows em 2016, a convite do Comitê Olímpico. Mas mesmo de olho nos comentários e compartilhamentos nas redes sociais, ela também reconhece a necessidade de desconexão.

Qual seria a situação ideal para escutar KIDS? Para Noga, tudo é uma questão de perspectiva:  “Sabe, o lugar onde a artista tem as suas pausas é muito influente. O nosso prédio tem uma laje, e a gente vai o tempo todo lá. Não precisa ser em um dia ensolarado, mas em qualquer lugar onde você consiga olhar para o horizonte”.

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ARTISTA: Noga Erez

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