nos bailes da vida: renato massa

Atualmente no Azymuth, o baterista relembra momentos marcantes e aprendizados de uma trajetória de palcos e estúdios divididos com Marcos Valle, Ed Motta, Cássia Eller, Ivete Sangalo, Erasmo Carlos…

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Fotos: Reprodução

A série nos bailes da vida conversa com músicos, musicistas e artistas que, de show em show e de estúdio em estúdio, emprestam seu talento (a músicos, musicistas e artistas) por aí.

 

 

“Eu sei que a gente vai falar da carreira, mas gosto mesmo é de falar de música”. Assim começou o papo com ele, que ao longo da carreira colaborou com artistas como João Donato, Nando Reis, Ed Motta e hoje faz parte do Azymuth, além de tocar com Marcos Valle. O baterista Renato “Massa” Calmon reflete na sua linguagem do instrumento exatamente essa paixão, que começou com discos de rock progressivo e se transformou numa viagem sem volta por jazz, samba, bossa nova, funk, hard bossa e tudo mais que gostasse de descobrir.

Com mais de 40 anos de carreira, Renato voltou recentemente de uma turnê pela Europa e pelos Estados Unidos, sua primeira como integrante do lendário Azymuth, cuja formação traz, junto do fundador e baixista Alex Malheiros, o pianista mineiro Kiko Continentino — integrante do trio desde 2015. Assim como Kiko teve a difícil missão de dar continuidade ao legado do tecladista e membro cofundador José Roberto Bertrami (que morreu em 2012), Renato faz parte de uma nova fase da banda. Isso porque, no ano passado, o Azymuth — e a música brasileira como um todo — teve de lidar com a perda do revolucionário baterista Ivan “Mamão” Conti. “É a minha maior referência nacional na bateria, sem dúvidas. É um legado enorme”, comenta Renato. Mesmo sendo recente sua entrada no Azymuth, Renato já tinha certa proximidade e afinidade musical com Alex Malheiros, ligação estreitada pela presença de Renato na banda de Marcos Valle, parceiro de longa data do Azymuth.

Mesmo antes de se apaixonar pelas baquetas, Massa já sabia que a música era o que queria fazer. “Eu escutava o Pink Floyd, o Led, todas aquelas bandas britânicas, e sabia que queria fazer música”, relembra. Nascido no Rio de Janeiro, seus primeiros passos com instrumentos musicais foram com o violão e a guitarra. Junto de amigos do colégio Santo Agostinho, formou a banda Massa Falida, que ganhou uma edição do show de talentos da escola — vindo daí também seu apelido, “Massa”. A banda não foi para frente, mas ele já tinha sido picado pelo mosquito da música, que o colocou em estado de febre incurável. Não demorou muito para que ele experimentasse e descobrisse novos instrumentos, como o bandolim, o violão de 12 cordas e, finalmente, a bateria. Depois de ter aulas iniciais com Rui Motta (Os Mutantes, Ney Matogrosso, Erasmo Carlos) e Kadu Menezes (Kid Abelha, Cazuza, Lobão), foi pegando experiência ao tocar com diferentes bandas em espaços como o antigo Western Club, atual Casa do Mago, na Zona Sul do Rio. “Meus amigos todos tocavam. Meu vizinho… Todo mundo. Sempre tinha algo rolando”. Assim, foi parar na banda do roqueiro Zé da Gaita, que logo o colocou em evidência. Desde então, entre os palcos e o estúdio, tocou com os mais variados nomes, de Robertinho de Recife a Sandra de Sá, de Luiz Melodia a Xuxa. E a lista continua: Erasmo Carlos, Frejat, Nelson Gonçalves, Nana Caymmi, Fagner, Ivete Sangalo, dentre outros.

Assim como não se prende a um único gênero musical, Renato encontra o prazer na performance, seja no palco ou no estúdio de gravação. “Eu gosto muito dos dois. Comparando, é tipo assim: eu adoro uma feijoada, mas também adoro um sundae de marshmallow”, compara o músico. Dessa forma, ao mesmo tempo em que está sempre se apresentando — com Marcos Valle, Azymuth, ou mesmo o seu projeto, Massa Trio — ele não dispensa gravar no seu estúdio caseiro, no bairro carioca de Santa Teresa. Foi nesse estúdio que o Azymuth gravou seu próximo disco de estúdio, previsto para 2025.

Em entrevista ao Monkeybuzz, Renato conta como um jovem roqueiro se tornou um dos bateristas mais versáteis da música brasileira, comenta sobre como se virar em turnê com baterias alugadas e relembra sua participação no célebre álbum Com Você… Meu Mundo Ficaria Completo (1999) de Cássia Eller — que completou 25 anos de lançamento em 2024.

Como você pegou paixão e prática pela bateria?

Então, cara, comecei ouvindo discos. Gostava muito, ficava lendo ficha técnica, e a partir daí comecei a querer fazer aquilo. Meus amigos todos tocavam. Meu vizinho… Todo mundo. Sempre tinha algo rolando. Ah! Um parêntese: eu queria tocar, fazer música, mas não sabia direito o quê, o que tocar. Eu escutava o Pink Floyd, o Led, todas aquelas bandas britânicas, e sabia que queria fazer música. Não sabia como, mas queria aquilo. Então, eu não tinha instrumento, fui pegando emprestado, depois fui comprando. Tive uma guitarra Phelpa, ruim pra caramba! Depois fui pegando a bateria, tocando aqui e ali, com amigos, alguns conhecidos.

Esse jeito que eu entrei na música, com os discos e tal, é um dos jeitos. Tem gente que entra na música porque viu alguém tocando um instrumento, é o caso do pianista que tá morando comigo aqui, o Marcos Nimrichter, que toca no meu trio. Ele toca desde os cinco anos de idade e entrou na música porque, com 5 anos, levaram ele num concerto de piano e aquilo mudou a vida dele. Tem outros que decidem, simplesmente, começar a tocar, para se sentir bem. Eu conheço um músico assim, que virou profissional, o André Rodrigues, baixista. Infelizmente, faleceu jovem. Tocou com um monte de gente, a Ana Carolina, Lulu Santos, era um ótimo músico — nenhuma relação com a música e acabou virando um grande músico.

Então, é o seguinte, seja o jeito que você entrou na música e começou a tocar um instrumento, tem que ter na cabeça que o instrumento é para fazer música, ele não acaba nele mesmo, entende? Ele tem que mover as pessoas, o sentido tá nisso. Talvez, se eu não tivesse os amigos ali do lado, não teria entrado de cabeça. A gente se apaixonou e começou a tocar junto. Só que todos eles pararam em determinado momento. Você sabe, é um negócio assim, muito… A família sempre fica preocupada, né?

Como foi no seu caso, com a sua família?

É… Não levavam muito a sério que eu levaria adiante. Mas meu pai, quando percebeu, não gostou muito da ideia. Mas não foi uma coisa repressiva, minha mãe me incentivou. Mas ele insistia que eu tinha que fazer uma faculdade e tal. Eu até ia fazer vestibular pra arquitetura, mas… Eu já tocava na Papel de Mil, e quando seria o vestibular, eu fui tocar em Campos (dos Goytacazes, RJ), de carro, com o pessoal. E aí, cara, eu perdi o vestibular. Não dormi direito, aí já era.

E ali foi meio que um divisor. Não entrei na faculdade e pouco tempo depois, eu tava tocando com o Robertinho de Recife, depois com o Fagner, começando a viajar. Mas voltando ao meu pai… Aqui no Rio, tinha uma casa de shows icônica, o Canecão. Roberto Carlos fazia temporadas enormes e tal. Quando eu estava na banda do Fagner, com 22 anos, toquei no Canecão pela primeira vez. Aí meu pai viu aquilo e falou: “Então esse negócio é sério mesmo, né? Vai tocar no Canecão”.

“Gosto muito dos dois — palco e estúdio. É tipo assim: adoro feijoada, mas também adoro sundae de marshmallow. São sensações diferentes, mas não consigo escolher”

Como você foi se desenvolvendo na bateria em outros estilos depois desse começo mais roqueiro?

Cara, então, eu continuo gostando de rock, mas eu comecei a gostar e tocar outras coisas. O primeiro disco que eu comprei foi Viagem ao Centro da Terra, do Rick Wakeman. Isso com 14 anos. Mas eu sempre fui muito curioso, comprava muito disco pela capa. O Azymuth mesmo, conheci e comecei a ouvir pela capa do Light as a Feather (1979) — aquilo já me ligou em outras coisas, de MPB e jazz.

Comecei a tocar no Papel de Mil, nesses negócios assim, meio underground, e aí eu estava tocando com o Zé da Gaita, no Circo Voador, abrindo o show do Robertinho de Recife. O Robertinho me viu tocando lá e me chamou, porque ele queria fazer um trabalho de rock mesmo. Antes, ele vinha do negócio meio new wave, assim. E aí ele estava cansado da banda e tal, foi nessa época que ele me chamou, eu tinha 19 anos. Depois, ele me levou pra banda do Fagner, de uma hora pra outra, para substituir, simplesmente, o Paulinho Braga (Milton Nascimento, Tom Jobim, Tim Maia)! Na época, não tinha a menor ideia de quem era o Paulinho Braga, sabe? Cheguei lá, os músicos eram: Reinaldo Arias (Cazuza, Marina Lima, Luiz Melodia), pianista fera, até gravei com ele há pouco tempo, é um maestro foda; Fernando Souza (Roberto Carlos, Gal Costa, Moraes Moreira), já falecido, baixista que gravou tudo; Rick Pantoja (Chick Corea, Santana, Paulinho da Viola), que hoje mora fora… Enfim, isso me fez ampliar muito a minha linguagem no instrumento. E claro, foi algo que eu quis também, que eu busquei. A partir daí, me aprofundei nos estudos de bateria, e claro, isso me levou para outros estilos.

“Eu queria tocar, fazer música, mas não sabia direito o quê, o que tocar. Escutava o Pink Floyd, o Led, todas aquelas bandas britânicas, e sabia que queria fazer música. Não sabia como, mas queria aquilo”

Falando agora sobre a sua discografia, que é vasta, eu queria chamar a atenção para o Com Você… Meu Mundo Ficaria Completo, da Cássia Eller, que completou recentemente 25 anos. O que você se lembra desse disco em específico? Ao gravar, dava para imaginar a dimensão que ele teria?

Na época, eu não imaginava a dimensão, nem o que viria depois. Bacana você perguntar sobre esse disco, foi na época da minha “volta” ao rock. Eu estava tocando com o Nando Reis, e ele tinha essa conexão com a Cássia. Inclusive, a gente fez uns ensaios aqui, eu tenho um estúdio aqui em casa. Tarde da noite, eu, a Cássia e o Nando só. Às vezes com a Lan Lan também (percussionista; David Byrne, Cyndi Lauper, Geraldo Azevedo).

Na verdade, o que aconteceu: ela ensaiava aqui, eu tocava com o pessoal, mas eu acabei não tocando o disco todo com a Cássia. Ela também adorava o Joãozinho Viana, que tocou. Acontece que eu tava tocando com o Ed (Motta), já rolava isso. Mas o Ed ficava e parava um tempão, depois voltava e parava. Mas eu mergulhei nesse trabalho, junto com o Nando na produção, os arranjos do Luiz Brasil. Pelo que me lembro, acho que gravei quatro faixas. A última faixa (“Esse Filme Eu Já Vi”) tem umas frases de metal que eu coloco com a caixa, mas foi o Luiz (Brasil) que falou pra tocar a caixa ali, os metais vieram depois. Ele queria uma coisa mais solta.

A Cássia era um barato, cara. Eu me lembro de um dia, ela foi ensaiar para fazer a turnê do disco aqui no meu estúdio. Nessa época, tinha aqueles DVDs de vídeo aula, eu tava na sala vendo uma. De repente, aparece a Cássia, perguntou: “O que você tá vendo aí? Vou ficar vendo isso aí”. Ela pegou e sentou, na maior tranquilidade, conversando e tal. Ela era assim.

Falando agora sobre essa fase atual com o Azymuth, como foi essa aproximação?

Antes de tudo, é uma honra. Das poucas entrevistas que eu dei aí, eu sempre falo do Mamão, acho que talvez é a influência máxima da bateria pra mim. Bateria brasileira mesmo é o Milton Banana e o Mamão. E o Nenê também, mas enfim.

O Kiko (Continentino) eu conheço há uns 30 e poucos anos, a gente já tocou muito essa coisa de samba funk, samba jazz, samba groove, sabe? O Kiko tem essa onda, que é a onda do Azymuth. A gente sempre se entendeu musicalmente. E o Alex (Malheiros), eu conheço há menos tempo, mas já fizemos algumas coisas. Já toquei uma vez com o Alex, um show aqui, outro ali, junto do Marcos Resende (Gilberto Gil, Edu Lobo), falecido pianista, há tempos atrás, tava lembrando disso. Mas aí o que aconteceu: tocando com o Marcos Valle, que faz um show junto com o Azymuth, peguei uma aproximação com eles. Acabou que o Alex me convidou pra gravar também algumas faixas no último disco dele, o Tempos Futuros (2021).

Tivemos a turnê, acabamos de gravar também, em março, aqui no meu estúdio. Gravamos aqui, tem uma sala boa, soa bem. Primeiro, íamos só fazer uns ensaios aqui, aí veio o Daniel Maunick — produtor inglês, que conhece a gente, é genro do Alex, produziu o Marcos também. Ele veio, viu a sala, a gente começou a tocar, o som ficou bom pra caramba. Agora ele tá mixando, já vai sair o single agora, não lembro a data, pela Far Out.

O álbum deve sair lá para março, eu acho.

Sobre isso, não só com o Azymuth, mas você gosta mais de tocar nos shows ou no estúdio?

Eu gosto muito dos dois. Comparando, é tipo assim: eu adoro uma feijoada, mas também adoro um sundae de marshmallow. São sensações diferentes, mas não consigo escolher.

“Seja o jeito que você entrou na música e começou a tocar um instrumento, tem que ter na cabeça que o instrumento é para fazer música, ele não acaba nele mesmo, entende? Ele tem que mover as pessoas, o sentido tá nisso”

Nos shows, você usa a bateria local, leva só os pratos, como é?

É tudo alugado, eu não levo prato, não levo nada. Só levo minhas baquetas. Passo as especificações e é isso. Normalmente, tudo corre bem. Aqui no Brasil rolavam umas situações meio chatas, mas, sei lá, dos anos 2000 pra cá, tem sido tudo bonitinho.

Mas é claro, já teve algumas situações. Uma vez com o Ed Motta, em Portugal, fizemos o pedido tudo bonitinho, “one good drum kit, top line drum kit”, basicamente, de uma boa e conhecida marca — Gretsch, dw, Ludwig, Tama, Pearl, enfim. Na hora de lista, a gente colocava no e-mail o nome da Gretsch como o primeiro, mas, assim, uma mera formalidade, não era exigência. O mais importante eram as especificações, aí as polegadas eram: bumbo 20, tomtom 10, 12… Chegamos lá no dia do show, em Lisboa, tinha uma Gretsch com um bumbo de 28 polegadas, aquele bumbo tipo do Abe Laboriel Jr., sem nada dentro do bumbo, um tomtom de 15 polegadas, enorme — tinha que subir no elevador pra dar uma tomtomzada, e dois surdos, um de 18 e outro de 20 polegadas. Eu fiquei sem entender nada, aí o cara lá falou: “Pediste Gretsch, a única que conseguimos foi esta”. Aí foi um rolo até eles entenderem que a marca era uma sugestão. E isso no dia do show, mas no final deu tudo certo, fizeram uma correria e consegui uma bateria na medida.

Para fechar, queria te ouvir falar um pouco sobre o seu filho, o Maurício. Ele também é baterista, certo? Como é essa relação entre vocês, essa ligação (também) através da música?

Como toda ligação entre pai e filho, às vezes é meio tumultuada [risos]. O Maurício, o que ele aprendeu comigo, foi me observando, seja de como conviver com a música, seja a relação com a música, seja o gosto com o instrumento, tudo que ele aprendeu foi me observando. Falo isso porque eu não o direcionei nem nada, nunca dei aula formal para ele. Inclusive, aqui quero fazer um adendo, que ele tá tocando bem pra caramba, e ele teve aula mesmo com o Stephane San Juan, que morou aqui nessa casa, na época em que o Maurício morava aqui também. Ele é um baterista francês, morou no Brasil, tá em Nova York agora, tocou com a Vanessa da Mata, Kassin, Liminha.

Já falei pra caramba isso, mas, quando eu falo que ele (Maurício) toca melhor que eu, é o seguinte: eu toco há mais tempo, tenho mais experiências, mas ele tem uma coisa, o feeling do tempo dele, pô, é muito bom. É muito melhor que o meu. Ele tem uma banda de reggae chamada Coffee Shop Boys, uma banda de reggae instrumental, legal pra caralho, tá começando a rolar aqui na cena carioca.

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