O Adeus de Paul Simon

Cantor e compositor declara que não fará mais shows

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Não sei se Paul Simon gostaria deste título. Ele é um sujeito esclarecido e inteligente em tal grau, que discordaria do imediatismo da palavra “adeus”. É algo que parece definitivo e inapelável, certamente ele questionaria a unidimensionalidade do termo e eu ficaria com vergonha. Argumentaria que os discos, os vídeos, as letras, a potencialidade de sua obra atravessar o tempo e a rigidez do presente. E, pra variar, ele estaria certo. Eu ficaria sem graça, sorriria amarelo e talvez mudasse o título para algo mais apropriado. Mas não deixaria de ter razão.

Apesar disso, Paul, 77 anos incompletos, está se despedindo, de fato. No dia 22 de setembro, ele sobe no palco do Corona Park, em Flushing Meadows, Queens, Nova York para uma última apresentação. Simon cresceu no lugar. Ia de bicicleta de casa para o parque quando era moleque e preparou um setlist que vai cobrir sua longuíssima carreira e acrescentar algumas performances que prometem ser inesquecíveis. Não só seu tempo como metade de Simon & Garfunkel é importante, mas sua carreira solo é irrepreensível, sem qualquer sombra de acomodação ou repetição. Há também uma elegante economia de obras, 14 desde 1972, quando lançou seu primeiro disco homônimo. Com Art Garfunkel foram seis, mais o duplo Live At Central Park, de 1980, item obrigatório em casas da classe média brasileira não-conservadora naquela década.

Pouco antes do último show, Paul Simon lança um novo trabalho, típica auto-indulgência de quem está na praça há anos com sua qualidade. Um disco de releituras, reinterpretações e reimaginações, chamado In The Blue Light, ao qual ele se referiu em release como uma chance de refazer canções mal gravadas ou com arranjos mal pensados ao longo do tempo. Lá estarão dez faixas obscuras e pouco conhecidas, refeitas com bambas do estúdio, como Wynton Marsalis, Bill Frisell, o grupo acústico de cordas e sopros yMusic e mesmo gente mais nova, como Bryce Dessner, de The National, além de músicos que tocavam com Simon há tempos, como o recém-falecido Vincent NGuini, cuja morte foi um dos motivos mencionados como causa da aposentadoria permanente dos palcos. Faz sentido.

E por que você deveria prestar atenção em Paul Simon? A resposta é simples. Ele é um dos grandes artistas do século 20 ainda em atividade. Gente como Elliott Smith, Arcade Fire ou Vampire Weekend deve muito de sua liga sonora ao que ele forjou, seja solo, seja com Garfunkel. Seu trabalho no século 21, compreendido em quatro álbuns – You’re The One, Surprise, So Beautiful Or So What e Stranger To Stranger, desde 2000 até 2016, mostra um artista que é incapaz de se repetir, no mau sentido. Suas marcas estão lá – as letras cheias de histórias, citações de Nova York e seus personagens; as melodias simples e rebuscadas ao mesmo tempo e, acima de tudo, a capacidade de abranger culturas musicais tão complicadas como a africana, a caribenha, a brasileira, tudo junto e extrair um caldo novo e pessoal – mas levadas adiante com impeto e novidade. Simon chegou a trabalhar com Brian Eno em seu disco Hearts And Bones, de 1983, quando decidiu incorporar climas e texturas da época em sua música. Foi mal compreendido e o álbum amargou péssima vendagem. Disseram que não houve química entre os dois, mas canções como The Late Johnny Ace, a faixa-título – dedicada à sua esposa na época, a atriz Carrie – Princesa Leia – Fisher e, sobretudo, a adorável Rene And Georgette Magrite With Their Dog After The War, são momentos dourados em sua discografia. Certo do valor da parceria, Simon e Eno trabalharam juntos novamente em 2006, quando foi lançado o disco Surprise. Resultado: a faixa Father And Daughter foi indicada ao Oscar de Melhor Canção Original.

Talvez seu maior feito seja Graceland, o álbum que ele lançou em 1987, cheio de músicos sulafricanos, com composições arranjadas por eles, gravadas e lançadas como um ato de desafio ao boicote imposto pela ONU ao país por conta do regime do apartheid. Simon foi acusado de furar o bloqueio, mas argumentou – coberto de razão – que a medida sufocava a cultura do país e isso seria inadmissível. Só os chatos ficaram sem ouvir as faixas do disco, que saltavam das caixas de som em sua exuberância e riqueza. Este álbum – que foi relançado e remixado digitalmente por vários artistas legais, como Thievery Corporation, Photek, Gui Boratto, Groove Armada, entre outros – foi responsável por uma guinada na carreira de Simon. Depois dele, o músico incorporou a pesquisa musical em sua arte, que sempre fora aberta a várias influências. O disco seguinte, The Rhythm Of The Saints, de 1990, teve como maior sucesso The Obvious Child, com a participação do Olodum, fato que popularizou o grupo baiano lá fora e aqui dentro. Antes de Simon, ninguém fora de Salvador o conhecia.

Fico pessoalmente triste com a aposentadoria dos palcos. Era um dos shows que eu tinha listado como “imperdíveis em qualquer lugar do território nacional” mas que não vai acontecer. Sua Homeward Bound Tour totalizará 29 shows em 9 países, encerrando assim um aspecto da carreira de Paul Simon. Ao contrário de seu xará, Paul McCartney, que parece um moleque de 20 anos de idade, Simon é um homem velho, na melhor acepção da palavra. Como dizia outro contemporâneo, Caetano Veloso, “o homem velho é o rei dos animais”. Obrigado.

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ARTISTA: Paul Simon
MARCADORES: Redescobertas

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.