O caso de amor transoceânico de Laure Briard

Artista francesa materializa paixão pela música brasileira em “Eu Voo”, seu segundo EP com letras em português e “uma mistura entre as vibes melódicas” dos dois países

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Fotos: Kamila K Stanley / Andre Peniche

Na imensidão vazia do deserto de Bardenas, na Espanha, Laure Briard dança e corre em círculos portando asas de pássaro da cor azul repetindo os versos “Estou a atravessar o oceano”. Enquanto isso, o vento levanta a areia e a golden hour tinge a paisagem de tons quentes. A cena faz parte do clipe de “Eu Voo”, single liberado pela artista francesa em novembro de 2020 – na metade do outono europeu – para anunciar a chegada de seu novo EP, que leva o nome da faixa.

As imagens que exalam calor, diversão e liberdade exprimem o conceito do novo trabalho da cantora, multi-instrumentista e compositora de Toulouse, “uma mistura de vibes melódicas brasileiras e francesas feita com amor e alegria”, em suas próprias palavras. O registro, lançado em 19 de fevereiro deste ano, consolida uma relação profunda que Briard construiu com a história da MPB e nosso idioma.

Com pitadas de Bossa Nova e psicodelia “à brasileira” e versos doces, cósmicos e ensolarados, Eu Voo (2021) passaria facilmente como um disco de algum novo artista da nova Música Popular Brasileira, não fosse o sotaque de Briard. Esse detalhe, inclusive, é o que torna o trabalho ainda mais interessante, levando a riqueza de sua poesia escrita em português a lugares surpreendentes.

As influências de Jorge Ben, Caetano, Gal, Vinicius de Moraes, Arthur Verocai e Milton Nascimento, dos quais a artista é fã de longa data, tornaram-se ainda mais presentes depois que Briard colocou os pés na terra de seus ídolos. Em 2018, ela fez uma turnê por seis cidades do Brasil com a ajuda dos goianos do Boogarins, que havia conhecido no festival SXSW, em Austin, no ano anterior. Benke Ferraz e sua trupe, inclusive, foram os responsáveis pela produção do novo EP e por fazer a ponte entre Briard com outros artistas da cena contemporânea, como Ava Rocha, Hierofante Púrpura e Sessa, alguns dos quais deixaram sua marca no trabalho.

“Supertrama”, por exemplo, foi escrita em parceria com o baiano Giovani Cidreira. “Já era fã da música dele e estava em contato porque o ajudei a fazer um show em Toulouse. Alguns meses depois tive essa ideia de fazer uma música juntos”, conta Briard. Além de “Gio”, aparecem no EP Gabriela Terra, do My Magical Glowing Lens (MMGL), e o próprio Boogarins.

O processo de criação das seis faixas – durante o qual cantora lembra que ouviu muito Clube da Esquina, Vanusa e o disco Vagamente (1963), de Wanda Sá – aconteceu a distância e durou cerca de oito meses. As sessões finais de gravação foram em janeiro de 2020, no estúdio Dissenso, em São Paulo. Mas essa não foi a primeira vez que os goianos entraram no estúdio com Briard.

Depois da turnê, experiência que descreve como “uma das melhores memórias de sua vida” e inspirou “Janela”, sua primeira canção “brasileira”, a artista se sentiu desafiada a estrear um projeto inteiro em português. Assim, nasceu o EP Coração Louco (2018), que também foi produzido pelos Boogarins.

“Eu amo a liberdade que eles têm. Andam em tantas direções diferentes, gostam de experimentar, com uma energia poderosa o tempo todo!” – Laure, sobre o Boogarins

Briard conta que nunca estudou português, mas aprendeu algumas palavras e frases de tanto escutar MPB e começou a se arriscar nas composições. “Às vezes, as letras vêm direto na mente e, em outras, eu tenho a sentença, mas não as palavras exatas. É esquisito, acho que nem eu mesma entendo”, tenta explicar.

Apesar disso, na época do lançamento de Coração Louco, em entrevista ao Monkeybuzz, ela comentou que lançar um EP nesses moldes demandou força, determinação e autoconfiança, algo que só conseguiu por meio do incentivo de seus parceiros de banda: “Tinha medo de ser ridícula e paródica”.

Muito desse receio talvez venha do fato de a cena musical francesa ser não ser exatamente aberta ao que foge ao circuito já consolidado. “Escutamos sempre as mesmas bandas no rádio e são sempre os mesmos artistas em festivais… Meio tedioso. Se você não está no ‘time dos bons e populares’, como eu, tem que lutar”, revela Briard.

Fora da curva, ela sempre fugiu dessa mentalidade, apostando na versatilidade artística. Quando adolescente, gostava de Punk e Metal e costumava tocar bateria sozinha em casa tentando acompanhar as músicas de Marilyn Manson. Depois, passou a escutar Beatles, Serge Gainsbourg, Jane Birkin e trios de Power Pop, como Ash e Weezer.

“[Na França] Escutamos sempre as mesmas bandas no rádio e são sempre os mesmos artistas em festivais… Meio tedioso. Se você não está no ‘time dos bons e populares’, como eu, tem que lutar”

Essas primeiras influências se combinariam com sua paixão por Bossa Nova, Samba e Tropicalismo para ajudar a sintetizar o Folk Pop e Garage Rock embebidos na neo-psicodelia que permeiam seus álbuns “franceses”: Révélation (2014), Sur la piste de danse (2016) e Un peu plus d’amour s’il vous plaît (2019). Nessa busca por novas fronteiras, faz sentido que Briard tenha se identificado com o perfil do Boogarins. “Eu amo a liberdade que eles têm. Andam em tantas direções diferentes, gostam de experimentar, com uma energia poderosa o tempo todo!”, diz.

Infelizmente, em 2020, a pandemia limitou a expressão desse desejo de testar e descobrir, e Briard sentiu o reflexo em seus planos. “Não me sinto muito criativa no momento, estou esperando alguma coisa melhor acontecer. Sinto muita falta de shows e de me apresentar com a banda”, lamenta. Mesmo assim, a artista lançou, em julho do ano passado, uma versão de “Grandeza”, do Sessa.

Se por enquanto a artista não pode voar sobre o oceano para encontrar seu amor sul-americano de dimensões continentais, a contrapartida é mergulhar nos mares internos. “Se eu puder ajudar pessoas a entrar em uma viagem mental para escapar da realidade por alguns minutos ou fazê-las dançar, ficarei feliz!”.

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ARTISTA: Laure Briard

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