Músico, produtor, DJ e cofundador da festa paulistana ODD – a trajetória de Zopelar é múltipla e prolífica. Munido de grande criatividade e gosto pelo improviso, o mineiro de Caratinga deságua sua arte em diversos projetos, que trilham muitos caminhos. Os tantos trajetos podem até parecer fruto do acaso – mas, com Zopelar, nada é por acaso. Seu primeiro contato com a música veio da convivência com o pai. “Eu cresci com meu pai tocando violão e cantando, mas fui me interessar a aprender violão por volta dos meus 15 anos, e a partir daí foi escalando. Comecei a tocar e estudar horas por dia… Do violão fui para a guitarra e da guitarra para o piano clássico. Foi nessa época que eu decidi que queria fazer música profissionalmente”, relembra Pedro Zopelar.
Na cidade mineira com menos de 100 mil habitantes, Pedro não encontrava muitos lugares para dar vazão a seu ímpeto artístico – seu grande incentivo veio, como não poderia deixar de ser, da curiosidade e da pesquisa. E ele se lembra de um pontapé decisivo para mudar de cidade e engatar de vez seu sonho. “Lembro muito de ter baixado no Emule – um software de download de músicas e vídeos, antes do YouTube – um vídeo do show do Hermeto Pascoal ao vivo em Montreux, em 1979. Aquilo ali que me fez entender que eu precisava sair da minha cidade para buscar pessoas que pensavam de uma forma diferente”.
Saindo de Caratinga, foi para o Rio de Janeiro estudar música no Conservatório Brasileiro de Música (CBM). Depois de alguns anos por lá, teve contato com a música eletrônica nos clubes com os DJs que seriam fundamentais para sua carreira. “Nessa época, eu já ouvia os sets do Marcio Vermelho, indo para faculdade de música, por exemplo. Aquilo bugou um pouco a minha cabeça, porque comecei a querer consumir não mais a teoria musical, mas a cultura da música eletrônica – e de fato ter uma vivência fora de casa, da minha cidade e ter uma vida”, explica. “Aos 20 anos, comecei a produzir meus primeiros sons e mandar para alguns DJs. Não sabia absolutamente nada de música eletrônica, mas foi nela que encontrei um espaço para criar as minhas coisas. Me encantei mesmo pelo groove e até pela simplicidade da linguagem em si, de não ser uma coisa tão complicada e tão erudita. E foi aí que encontrei esse caminho e vi que era um lugar onde eu poderia somar, onde eu poderia ser útil, onde eu poderia trazer frescor”.
E durante esses 15 anos de carreira, o frescor parece vir de forma natural para Zopelar. Ele carrega uma habilidade autêntica de unir técnica e improviso que resulta em uma versatilidade sempre renovada – disco a disco, performance a performance. Aqui, ele destrincha Ritmo Freak, disco lançado hoje junto a Tartelet Records. “Meus últimos álbuns eram bastante focados em uma sonoridade synth-funk-boogie, mais lenta. Esse disco já tem um pouco mais de influência do proto house e é mais freak, dançante”. Zopelar também fala sobre seus propósitos como artista, discute a força da música eletrônica enquanto linguagem (e não formato) e aponta seus próximos passos.
Como foi o processo de produção de Ritmo Freak?
Não costumo pensar tanto nos meus álbuns como um processo fechado. Meus álbuns nascem de uma mistura de coisas que estou fazendo com outras que já tinha construído. Nesse disco, eu tava a fim de experimentar o uso dos samples e uma forma de construir músicas com pequenos fragmentos de outras músicas.
Já existia também a intenção de um segundo disco junto a Tartelet Records, e o que motivou bastante a entrega desse repertório foi a construção e a experiência da interação de público do meu live para o Festival Não Existe, da Gop Tun, em setembro do ano passado. Durante o processo de composição, eu pude experimentar o que queria fazer, que era essa sonoridade do proto house e trabalhar com pequenos fragmentos de sons. Um empurrão para fazer essas coisas e depois o sentimento de querer eternizar aquilo que foi apresentado ali.
Sempre tive essa cultura de fazer lives de coisas inéditas a partir de improvisação. Isso vem do meu projeto autoral e de projetos que eu tive como Gaturamo e o próprio Teto Preto, que surgiu do ato de improvisar. E dessa vez eu decidi ter o esforço de gravar e registrar aquelas músicas no álbum e, obviamente, isso se fundiu com outras músicas que fazem sentido para mim.
Um álbum tem que ter algumas peças, além de um conceito. Gosto de ter faixas lentas ou quase sem beat, coisas mais experimentais também, porque isso faz com que a audição seja mais dinâmica. Diferente de um EP de música eletrônica, que às vezes tem quatro músicas bem parecidas focadas na pista para o DJ. No álbum, eu gosto de ter essa diversidade.
Você tem alguma faixa favorita no disco?
Difícil. A minha favorita de tocar é “Beat Me”, mas as faixas que eu tenho mais orgulho de ter feito são justamente “Distraction”, que traz um approach bem diferente de sampler e eu gosto muito do resultado dela assim, meio bizarro; “Safe in the Dark” também, que traz um lado do deep house quase meditativo e da noite como um espaço para ter esse tipo de catarse – e não só a catarse eufórica. Eu uso a música eletrônica como linguagem e não como formato, por isso tento ser fiel ao que a música se torna. Se ela é uma música difícil ou uma música que não vai funcionar na pista, não tem porque ela não ser lançada também, porque ela é uma música, um registro. A influência da pista sempre vai estar no meu som, mas não é necessariamente o propósito principal pelo qual eu faço as músicas.
Tem uma faixa que se chama “Gabriellinha’s Boogie” – imagino que tenha vindo do nome da sua esposa. Como você escolheu os nomes de cada música de Ritmo Freak?
Os nomes, geralmente, são uma coisa difícil. Essa música não foi difícil porque ela foi feita para a Gabriella Garcia, minha esposa. É engraçado porque ela foi feita para uma publicidade do Instagram, e dentro desse processo de escolher as músicas do álbum, eu mandei meio despretensiosamente essa música pra gravadora e eles adoraram. É uma música inspirada em uma faixa da Chaka Khan.
Agora, as outras músicas por vezes ganham nome baseadas nos próprios sons. “Beat me” veio de um sample que repete beat beat beat. “Ritmo Freak” tem um sample que, se você reparar bem, parece um monstro falando e parece que ele fala ritmo freak. “Distraction” também, tem um sample de voz que fala “the only thing distracting you from me, was me distracting you” então eu tirei o nome para a música desse sample.. Essas músicas foram mais fáceis.
“Safe in the Dark” vem do sentimento do clube como um lugar seguro, de estar seguro no escuro e não só na pista escura, mas sobre abraçar as próprias sombras. E entender que, às vezes, a gente faz música e não é só sobre celebrar, sobre o hype ou falar sobre momentos incríveis, mas de entender que a inspiração também vem da escuridão.
“Free Your Spirit” foi uma ideia da própria gravadora, porque ela chamava “Ritmo 2”, aí ele deu essa ideia, e eu gostei. Pode ser uma coisa meio randômica muitas vezes, embora nesse disco os nomes fazem mais sentido do que o normal.
Quantos e quais instrumentos você toca? E qual é aquele que você tem vontade de aprender algum dia?
De instrumentos tradicionais eu toco piano, baixo, violão e guitarra. Também considero o sampler como um instrumento, que eu aprendi com a MPC e já tive vários modelos de MPC. Hoje eu uso esse sampler da Isla Instruments que é o S2400. Ele é um clone do SP1200, que foi o primeiro sampler inventado e depois considerado o pai da MPC, nesse formato dos pads como um instrumento que você pode gravar e editar coisas dentro dele.
Tenho muita vontade de tocar saxofone. Cheguei a aprender um pouco na pandemia, mas desisti. Eu estava indo muito bem, mas a minha cabeça de músico já imaginava o quanto eu tava longe para o que eu gostaria de tocar. Então percebi realmente que os instrumentos mais clássicos requerem muito estudo e muitas horas diárias de dedicação e era uma coisa que eu não podia fazer já que também preciso me dedicar à minha produção e às coisas da minha vida. Em algum momento eu quero retomar, com certeza.
Como você vê a evolução sonora dos seus últimos lançamentos para este?
Nesse disco, eu gravei menos instrumentos, menos linhas de sintetizador e fui mais influenciado pelo acaso. Esse disco tem uma boa dose de aleatoriedade dentro dele porque quando você toca um instrumento que você conhece, você tende a ficar um pouco preso dentro do seu próprio conhecimento acerca daquele instrumento. Eu gosto muito de trabalhar com samples, porque às vezes tem um disco que já ouvi uma vez e peguei algum pedacinho, mas você ouve de novo e dependendo de como tá a sua cabeça, você tem outras ideias. A “Beat Me” surgiu depois de um rolê que eu fiz com o Akin Deckard para comprar discos, por exemplo. Eu queria entender um pouco melhor como a aleatoriedade pode impactar no processo de criação. E nesse disco, as músicas foram se levando sem eu ter muito controle sobre elas. Era um processo que eu precisava nesse momento. Para olhar para as coisas de outra forma.
E sonoramente é um disco que tem mais músicas voltadas para pista. Os meus últimos álbuns eram bastante focados em uma sonoridade synth-funk-boogie, mais lenta. Esse disco já tem um pouco mais de influência do proto house e é mais freak, dançante. Para mim, cada álbum é um álbum.

É difícil pras pessoas que me acompanham entenderem totalmente essa versatilidade, por encarar cada projeto, cada noite, cada disco, como único e diferente, sem necessariamente percorrer a construção de uma identidade só. Dentro de um disco com oito músicas, cada música tem a sua história, cada disco tem sua história e eu sou o produtor por trás dessas histórias. Em alguns momentos elas são contadas por mim, em outros pela aleatoriedade. Ou por um artista que tá também contando essa história junto. Esse é o jeito que eu gosto de ver as coisas e uma visão que me ajuda a me manter sempre num estado de aprendiz, estudando, desvendando outros territórios. É um lugar que me deixa me sentir jovem de alguma forma e não o mensageiro da mesma ideia ou do mesmo som. Então, o meu próximo disco pode ser qualquer coisa que eu quiser e o que eu estiver pensando no momento, porque isso não é uma limitação para mim, e sair da zona de conforto é algo que aprecio e exerço dentro dos meus discos.
Você se formou em bacharel em música pelo Conservatório Brasileiro de Música (CBM). Como essa experiência contribuiu para a sua carreira até hoje?
Do curso em si praticamente nada, porque eu nunca usei o meu diploma para absolutamente nada. E todo estudo que eu fiz para a minha base musical, vem de antes, de quando eu me preparei para o conservatório. Quando eu entrei lá, costumo dizer que eu parei de estudar e comecei a “viver”, aos 20 poucos anos já fora de casa… E comecei a produzir de fato. Produzir é muito diferente de estudar, porque é outra lógica. Quando você produz uma coisa, você toca, grava e eterniza aquilo ali. E estudar é você refinar e tocar várias vezes a mesma coisa. Quando você estuda uma peça musical, você a toca várias vezes. Quando você produz, você grava, às vezes no outro dia você já não lembra mais o que é. Porque você está ouvindo ela, são coisas diferentes e muito importantes.
Me conectar com a cultura do club e começar os meus primeiros experimentos com Ableton Live, que é o software que eu uso desde aquela época, foram as coisas mais importantes que me aconteceram no Rio de Janeiro, nesse período de formação. Eu ficava numa dúvida e com dor na consciência, porque eu matava umas aulas pra fazer isso. Ficava tipo, ‘será que eu devia estar indo naquela aula? Será que eu tô perdendo tempo aqui fazendo essas músicas?’.. E olha o que sobrou, hoje eu tô com esse mesmo software aberto e foi que me ajudou. Isso junto com a minha intuição e com a minha base musical, que veio de antes da faculdade, que me permitiram chegar aqui hoje, nessa etapa de uma carreira de 15 anos.
Eu tinha me preparado muito para ser maestro e, depois que comecei o curso de composição e regência, mudei para um curso novo que chamava Música e Tecnologia, um curso sobre produção musical, um início do que hoje em dia chamam de produção fonográfica nas faculdades. Foi um pouco frustrante a faculdade em si. Ao mesmo tempo, um momento importante por causa da vida acadêmica. Conheci pessoas muito importantes que vieram a ser parceiras no futuro. Por muito tempo, usei esse dado nos meus currículos, ainda pelo resquício do meu pensamento e da minha pressão como adolescente de ser um “profissional” da música. Hoje, não uso mais porque realmente não me trouxe nada próximo ao que minha intuição, minhas escolhas e minha base pré-faculdade me proporcionaram na minha carreira.
“Uso a música eletrônica como linguagem e não como formato – por isso tento ser fiel ao que a música se torna”
Quando você entra no estúdio para produzir um novo disco, o que você percebe como novidade em suas influências e o que sente que nunca muda em seu trabalho?
O software. Uso o mesmo software desde que comecei a produzir, o Ableton Live. Mas as ideias sempre mudam. Mesmo que às vezes possa soar parecido para as pessoas – e isso faz parte da identidade em si –, algumas vezes eu usei um processo digital, outras vezes um processo analógico. Acho que o que nunca muda é o software e o que sempre muda é todo o resto. Mesmo que às vezes eu faça uma música muito parecida com a outra, em cada etapa, cada fase da minha vida, eu estive usando equipamentos e formas de mixagem diferentes, porque tento nunca visar o resultado, mas sim o processo. Mesmo que depois soe parecido, o processo muitas vezes é diferente e eu tenho muito apreço pelo processo. Depois que eu faço uma música, vou olhar e pensar o que pode ser para um disco ou para uma futura trilha, porque, na hora que tô fazendo, eu faço até exercícios para que a ideia venha o mais natural, genuína e intuitiva possível.
Você é multi-instrumentista, DJ, produtor, tem uma criatividade ímpar – e eu não posso deixar de perguntar: como você dá conta de tudo isso? Como você faz para se manter atualizado e relevante?
Tento me manter fiel aos projetos que estou fazendo e sem me influenciar muito pela visão externa do que tá acontecendo e pelo que tá bombando e “dando certo”. Acho que sempre vai haver lugar para os artistas e não só para os produtos. Sempre preferi ser fiel ao propósito artístico como principal motivo. A música é uma das primeiras formas de arte e por mais que você faça parte de uma cena eletrônica ou de uma cena do rock, o que você faz é música. E a música é cultura, e assim você pode permear por diversos projetos. Acho que isso me permite sentir que sou um artista e não um produto. Uma coisa enlatada que as pessoas sabem o que vão ouvir e sabem o que vai ser. Contanto que seja sincero, acho que sempre vai haver lugar para arte que vem de dentro para fora. E quanto mais você se basear no que vem de fora para dentro, mais difícil vai ser e mais rápido tudo vai passar.
Escolho esse caminho que pode parecer um pouco mais difícil, mas que tem dado certo para mim e tem me permitido inúmeras sensações de recomeçar e de reaprender, que são coisas que às vezes você perde quando você se torna um mestre ou quando você se torna uma coisa tão grande que você fica à mercê dos fãs e do próprio enredo. As pessoas querem ouvir aquilo, aí se você não entrega…
Eu sempre separei muito essa ideia de sucesso com a ideia da fama porque eu acho que isso não tem nada a ver. O sucesso é você conseguir realmente se enxergar na sua entrega, como uma representação do que você tinha dentro de você e tirou.


Dado o seu sucesso em uma carreira de 15 anos na música eletrônica, como você percebe as mudanças e evoluções ao longo desse período? Quais foram as transformações mais significativas que você viveu?
Enxergo como naturais, acho que as mudanças são bem-vindas. As mudanças do mundo acontecem em paralelo ao amadurecimento de cada pessoa. Existem as mudanças que aconteceram no mundo, na música eletrônica e existe o meu amadurecimento como artista dentro disso em uma linha paralela. Então eu sou uma pessoa super aberta a ouvir e entender as coisas, a experimentar quando determinado trabalho me dá essa abertura. Mas é aquilo que eu falei, tento não me influenciar pela moda e tento me basear na arte como o processo. Quando eu olho para as pessoas que às vezes estão criando coisas que soam atuais ou que soam antigas para mim, é uma mera questão da linguagem de cada um.
No meu caso – ao mesmo tempo, como produtor –, eu posso experimentar outras sonoridades em outros projetos, em trilhas ou em projetos comerciais. Acho que muito dessas mudanças tem a ver com essa palavra comercial e com o que está sendo vendido ou considerado como algo de sucesso. Mas o sucesso é o quê? Dinheiro? Fama? Para mim, não é. Tenho muita admiração pelas pessoas que fazem sucesso, independente do estilo musical. Porque eu consigo enxergar em muitas delas, principalmente nas que são realmente famosas de verdade, que existe algo genuíno dentro daquilo para aquela pessoa.
Quando comecei na música eletrônica, chamava-se muito a música que tocava nos clubes de música underground que era exatamente o contrário dos hits. Se você tocasse um hit, o DJ era mal visto porque as pessoas tinham interesse em ir para o clube e ouvir músicas desconhecidas, de serem surpreendidas pelos DJs e não de ouvirem remixes das músicas que todos já conhecem…
Hoje, eu vejo uma aproximação muito grande e cada vez maior do underground com a música comercial. Mas é aquilo: eu tento não me influenciar muito pelas coisas externas porque eu aprecio a história de cada pessoa, de cada DJ e sei separar isso da minha própria história e busco a minha evolução de dentro para fora. Enquanto eu ainda puder viver do que eu tenho a dizer – porque a música instrumental ela também diz –, eu vou continuar tocando e construindo a minha carreira. Fora isso, eu produzo também coisas que se aproximam mais das comerciais para outros artistas. E aí é onde eu vejo a oportunidade também de experimentar outras sonoridades que não precisam exatamente ser a minha voz. Então como produtor uma coisa que eu aprecio muito é ajudar os artistas a encontrarem a própria voz. Me coloco à disposição dessas influências externas para contar outras histórias, e que tem outros personagens. Nessa esfera, eu não me vejo como o artista Zopelar.
Então eu tento estar ligado, sim, nessa sintonia que é universal da evolução em si, mas dentro do meu trabalho como Zopelar eu tento – ainda mais com o meu amadurecimento – buscar o que tá dentro de mim. E não a história da cena, e não a história da evolução. No fim, o que quero deixar é o meu legado como produtor, como músico e não ser reconhecido por ter feito parte de certo momento ou de certa onda musical, porque eu tô sempre aberto a me modificar, mas de acordo com os meus sentimentos e não com as influências externas.
“A influência da pista sempre vai estar no meu som, mas não é necessariamente o propósito principal pelo qual eu faço as músicas”
Você participou dos primeiros anos do Teto Preto, contribuiu com o My Girlfriend e Radioworkers – com Benjamin Sallum –, fez o instrumental de L’homme Statue – com Loïc Koutana –, e a parceria futurista no Sphynx ao lado de Vermelho. Como é para você fazer parte da história de outros artistas?
O lugar de produtor é onde me sinto mais à vontade. O produtor nos anos 1990, por exemplo, era quem ajudava os artistas a acharem e chegarem à sua sonoridade própria. Ainda que eu separe isso do meu trabalho autoral, amo trabalhar com tema com direção. Então quando eu tenho a oportunidade de sentar com outras pessoas para fazer música, é onde posso observar e estar mais perto de sonoridades que eu não faria – e aí absorver tudo aquilo. Quando eu me sento com Loïc (L’Homme Statue) para fazer música, por exemplo, é uma oportunidade que eu tenho para experimentar produzir R&B, ou um beat de trap, bass music. Quando eu fazia parte do Teto Preto, era uma oportunidade de experimentar e criar a parte musical da poética acima das letras e conceitos, de trazer influências diferentes como música brasileira, electro, disco. Adoro produzir outros projetos, porque isso faz eu me sentir mais um profissional do que um artista.
Atualmente estou mixando o álbum da MALKA, que eu tive a oportunidade também de produzir duas músicas. Está sendo um processo em que me sinto criativo, mas me sinto também muito profissional. Tô exercendo um trabalho. O meu trabalho aqui não é exatamente colocar a minha cara nas coisas, mas sim descobrir o som desse álbum. Usar a minha experiência para descobrir o som pra fazer aquela artista. Igual eu tiro de dentro para fora o que é meu, tento usar a minha experiência como produtor, como músico e DJ para tirar isso das pessoas também. Então é uma oportunidade e tanto pra mim, principalmente para sair da zona de conforto e descobrir novas sonoridades, de experimentar coisas que eu genuinamente não iria sentar e começar a produzir aquilo, mas sim agora é a hora de eu dedicar esse tempo para contar outra história que não é só minha.
Essa é uma habilidade que eu considero do produtor musical, de estar dentro dos projetos extraindo o melhor daquela história e não sempre só o de si mesmo. Eu gosto muito disso. E quero fazer isso para o resto da minha vida.
Após oito anos como residente e cofundador da ODD, você anunciou, em março, o fim das atividades no projeto. Como foi tomar essa decisão? De que forma você acredita que a ODD enriquece as noites paulistanas?
Foi uma decisão difícil, mas uma decisão que vai de encontro a tudo isso que eu falei na entrevista – era o que a minha intuição estava me dizendo, que chegou o meu momento ali, e que o que eu tinha que fazer por aquele projeto já tinha sido feito e que, por mais que seja uma coisa que dê credibilidade, chegou a hora de contar outras histórias, de viver outras aventuras.
De certa forma, me sentia em uma zona de conforto ali, onde eu já não estava mais me identificando em ser visto como um produtor de festa porque isso foi uma coisa que aconteceu na minha vida, mas que nunca foi um propósito. Por todos esses anos eu nunca lidei com a parte da produção… Se você me perguntar hoje, eu nunca soube o que é produzir de fato uma festa – eu soube fazer a curadoria e foi isso que eu mais aprendi, a administrar a parte criativa sonora de uma festa.
Acho que a ODD sempre se destacou pela própria curadoria não só da música, como da arte em geral que circula na festa. Foi difícil, mas é gratificante, depois de se ver fora, olhar para trás e ver o que você criou e como aquilo influenciou também outras pessoas. Vejo tantas pessoas que chegam para mim e falam que quiseram fazer live depois de me ver tocando live na ODD ou quiseram produzir ou quiseram ser DJs, mas nunca alguém chegou para mim e falou assim, ‘nossa, eu comecei a fazer festa depois que eu vi você fazendo festa’, porque isso nunca foi o que eu representei dentro da festa. Sempre representei a música e a arte. E a minha decisão de sair foi justamente para preservar essa visão de um músico, de um artista. Por alguns momentos, eu me via nessa situação de estar entre artistas e ser um dono de festa entre eles, mas sempre me senti como eles, como os artistas.
Essa decisão vem de uma sinceridade comigo mesmo, de ser sincero com a minha intuição assim como eu fui quando matava as aulas do conservatório para fazer músicas no Ableton Live e a minha cabeça ficava, ‘será que eu estou fazendo a coisa certa?’ e, hoje, anos depois, eu vejo que sim. Então, olho para trás e de fora vejo a festa e sinto orgulho acima de tudo do que eu construí ali dentro. De toda a influência que a ODD teve na minha vida também, das partes boas e das partes difíceis, de estar em um lugar que você não pertence muito e aprender também com isso. Então essas adversidades também criam movimentos interessantes.
Acredito que a ODD sempre vai ter uma um espaço importante na cena de São Paulo por tudo que já fez em termos de curadoria, cruzamento de expressões artísticas e até acessibilidade, pois é difícil fechar a conta do valor do ingresso vs. o valor de um line up, na maioria das vezes, com artistas internacionais de destaque. Tenho muito carinho pelas pessoas que fazem a festa acontecer e desejo o melhor para a ODD e para todas as pessoas que estão fazendo esses rolês acontecerem. Eu vi de dentro – não é fácil produzir e manter essa cena num nível tão alto como a cena de São Paulo hoje é nivelada.
“O sucesso é você conseguir realmente se enxergar na sua entrega, como uma representação do que você tinha dentro de você e tirou”
Me conta os próximos passos de Zopelar. Está focando mais em sua carreira solo? O que podemos esperar?
Tem mais dois EPs que vão ser os meus primeiros EPS pela label da Holanda Clone Records. Tenho vários remixes e colaborações a serem lançadas. Estou seguindo pela primeira vez na vida, desde quando vim para São Paulo, com uma prioridade em meu trabalho solo. Tô bem focado no meu projeto e nos meus lançamentos, principalmente. Tô com uma nova representação no Brasil e na América Latina agora com a Coral Agência. Tenho outros projetos relacionados ao Zopelar que vão ser ditos quando chegar a hora certa, mas a priori tem pelo menos mais dois EPs ainda para esse ano. E bastante história para contar…
Como produtor, tenho trabalhado no disco da Malka, onde eu também faço parte da banda. Então, a partir do segundo semestre, ficarei um pouco ocupado com esses shows. Além do L’homme Statue, que é um projeto que seguimos fortes com o recém-lançado EP Rèvolution, pela Gop Tun Records, e já pensando no segundo álbum que a gente quer que saia no ano que vem.
Também sigo com outros projetos de trilha para cinema, que foi uma coisa que eu comecei ano passado com o Márcio Vermelho. A gente fez a trilha de um documentário chamado Tesouro Natterer que foi premiado como melhor documentário nacional na mostra É Tudo Verdade. E é isso: muitos desafios pela frente e muito animado pelo que tá vindo aí de tudo isso.
O que move Zopelar nos dias de hoje?
É cuidar dele mesmo e das pessoas que fazem parte da família. Continuar cuidando de mim e da minha família, podendo exercer a minha arte e transitar por esses caminhos e linguagens. Acho que isso é um grande privilégio, de poder trabalhar com algo que eu amo, de estar rodeado por pessoas que eu amo e que me amam. Isso é o que me move.
Não é um gênero musical ou uma cena em si, mas a minha própria vida e o privilégio de poder compartilhar isso não só com a minha família, mas como produtor musical compartilhar isso com diversos projetos, visões e artistas que também têm sua própria história, sua própria vida, sua própria família. E a busca por me manter saudável e são. Isso tem ocupado grande parte do meu dia e tem me trazido muitas alegrias.
Poder continuar vivendo e seguindo o meu caminho com as ideias malucas que saem da minha intuição e de dentro de mim sem ser tão influenciado pelo que tá rolando por aí. Construir a minha história e continuar a ajudar outros artistas a contarem a sua própria história através da produção musical.