O Que Adele Tem?

Cantora inglesa, prestes a lançar seu terceiro álbum, assume Pop clássico

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Adele não dança em clipes. Adele, até pouco tempo atrás, exibia uma bela silhueta “plus size”, recriminada e reprovada pelos abutres estéticos da mídia em geral. Adele não parece ter qualquer posicionamento político que seja marketável em peças publicitárias. Se pensarmos bem, Adele não tem nada a oferecer além de sua habilidade como cantora e isso, pessoal, ela tem em quantidade satisfatória. Mais que Beyoncé ou Lady Gaga, a inglesa, nascida na região de Tottenham, Londres, é uma clássica representante do que se entendia por “cantora pop” lá nas décadas de 1960/70, tempo em que não havia muita alternativa além das canções, época em que o planeta não conhecia videoclipes, Internet, megashows. Adele parece pertencer a este tempo, mas nunca sua obra é entendida como datada ou retrô, até porque tais avaliações estariam imprecisas. O Pop que a moça pratica é atemporal, parece natural e espontâneo quando ouvido e, na maioria das vezes, soa agradável – ainda que pareça comportado demais para alguns. De qualquer forma, Adele, o produto, é de qualidade pra lá de satisfatória.

Adianto aos leitores que não sou muito fã dos álbuns da menina. São dois até agora (19 e 21), além de um registro ao vivo no Royal Albert Hall, famoso templo de shows inglês. Gosto especificamente de duas canções dela, Chasing Pavements, do primeiro trabalho e Skyfall, tema do penúltimo filme de James Bond. O resto não me cativa, mesmo os hits Rolling In The Deep ou Someone Like You, do segundo disco, não são exatamente meu objeto de apreciação. Mesmo assim, não é possível ouvir estas canções sem notar o talento vocal de Adele, o cuidado na produção, nos arranjos, além da qualidade das composições. Ela exibe um pedigree clássico, que vai até o início dos anos 1960, quando cantoras britânicas pioneiras, Sandy Shaw, Lulu, Cilla Black e a mais conhecida delas, Dusty Springfield. Todas, cada uma a seu jeito, foram majoritariamente influenciadas pela música negra americana e tiveram carreiras importantes em seu tempo, criando uma espécie de arquétipo na indústria, muito por conta da eterna admiração dos britânicos pela cultura dos Estados Unidos, especialmente após a Segunda Guerra Mundial.

Adele não esconde que sua maior influência é Roberta Flack, uma colossal cantora da Carolina do Norte, que cravou sucessos pontuais nos anos 1970, especialmente Killing Me Softly, The First Time I Ever Saw Your Face e The Closer I Get To You, esta última em memorável dueto com o cantor Donny Hathaway, já falecido. Roberta também é adorada por Lauryn Hill e várias outras pequenas estrelas em atividade hoje e sempre exibiu a sutileza como seu maior atributo e não seria exagero inserir Adele neste contexto de relativa doçura/delicadeza em suas gravações. Mesmo que – para meu gosto – o registro de Roberta seja bem melhor, não há como negar que a inglesa tem em mente este mesmo low profile. Certo que há exceções ao longo da carreira que vão na direção contrária a esta afirmação, caso da própria Skyfall, grandiloquente e emocional como é o padrão de Bond song desde sempre e, mais recentemente, Hello, o novíssimo single que antecipa o novo álbum de inéditas, 25, a ser lançado até o fim do mês.

Tais canções, por coincidência, as mais recentes, confirmam o talento clássico e polido de Adele. A voz é de longo alcance, muito além do epíteto de “nova Amy Winehouse” dado a ela quando surgiu, por volta de 2007/08, no auge da onda de novas cantoras da Velha Ilha. Ela nem parecia das mais promissoras, mas deixou pra trás nomes como Duffy, Joss Stone e Corinne Bailey Rae, que pareciam mais credenciadas ao sucesso. O primeiro disco, 19, serviu para colocá-la no mapa e mostrar que a moça tinha cacife para brigar de igual para igual com a mulherada. Quando chegou ao segundo álbum, 21, lançado em 2011, a expectativa já era enorme e o mundo parecia disposto a abraçá-la como nova estrela planetária. O coquetel de Pop clássico, com pitadas elegantes de música negra setentista, caiu como uma luva no gosto popular, levando várias canções para o topo das paradas e propulsionando as vendas à casa dos 30 milhões de cópias em plena era da música digital. Não é pouco.

Em alguns dias, 25 chegará aos ouvidos de todos. Novamente Adele deve oferecer uma bem dosada mistura de estilos clássicos. Veremos demonstrações inequívocas do seu talento como compositora e cantora, além de prováveis turnês ao redor do mundo, inclusive no Brasil. Talvez alguma canção vá parar na trilha sonora de alguma novela global, impulsionando ainda mais vendas e possibilitando que mais gente a conheça. Há quem diga que ela canta para acomodados, para publicitários, para gente que enxerga êxito numa suposta passividade diante das coisas, pensa que Adele deveria subir ao palco e vociferar contra o McDonald’s, o neoliberalismo, a fome na África e a crise permanente no Oriente Médio. Ela deve rir deste tipo de cobrança sem fundamento. Sua proposta nunca foi a de levar adiante qualquer bandeira além de manter viva a tradição de cantoras populares com repertório (autoral) de bom gosto, boas influências e relevância. Adele é, com o melhor dos sentidos, uma artista Pop. E isso basta.

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ARTISTA: Adele

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.