Os Sons da Coletividade NÁMÍBÌA

Coletivo de artistas negros embala pistas com produção Afro Eletrônica autêntica

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Fotos: Danila Moura

“Música Eletrônica é tão negra quanto o bater do atabaque”, sentencia Euvira, uma das agitadoras culturais mais emblemáticas na cena artística underground de São Paulo. A declaração faz todo sentido, afinal, as origens do Techno e da House, em Detroit e Chicago, são marcadas por artistas negros brilhantes, como Juan Atkins, Derrick May e Kevin Saunderson, o “Belleville Three”, e Frankie Knuckles.

A visão do alto nas performances de dança em cima das caixas de som das festas Mamba Negra, ODD e Carlos Capslock, motivou a elaboração da Coletividade NÁMÍBIÀ, após reunir outras artistas negras a fim de se apresentar. “Comecei a questionar os produtores das festas por que eu era o único negro em papel de destaque. Só via negros limpando o chão ou na segurança. Nada contra, são trabalhos dignos. O problema é o negro ter somente esse papel”, relata. A missão: aumentar a visibilidade da produção artística negra no circuito underground eletrônico. O efeito: músicos negros estão protagonizando uma revolução histórica nos pick-ups e nas pistas.

Desde o ano passado, a coletividade está reunindo aos performers um grupo de DJs que traz uma pesquisa musical rica, inovadora nos formatos e gêneros. A iniciativa surge num momento urgente. “É difícil ter mulher negra tocando alguma coisa, não to falando no Hip Hop, mas no nosso circuito é uma ou duas, aparecem aqui e ali. Acho difícil até afirmar se existe outra além de mim”, responde a DJ Dany Bany quando questionada sobre a representatividade da mulher negra na cena paulistana, ela é integrante do coletivo, madrinha do bloco Unidos do BPM e está na ativa há décadas.

DanyBany

Em 2017, os artistas da coletividade marcaram presença na programação Degeneradas do Sesc Santana, Aparelha Luiza, SP na Rua, Teatro Sérgio Cardoso, Afrobapho, Centro Cultural Banco do Brasil, Carlos Capslock, ODD, Mond, Mamba Negra e outros rolês.

A ideia da Coletividade NÁMÍBIÀ se assemelha à criação do selo africano Nyege Nyege Tapes, um dos precursores em reunir artistas em Uganda. O grupo chega num momento em que sons eletrônicos de origens afro ganham cada vez mais destaque e solidificação nas pistas internacionais, conforme se pode avaliar nos projetos Awesome Tapes From Africa, Analog Africa, e o Africaine 808. Em dezembro, o Beatport criou a categoria Afro House e começou a catalogar artistas do gênero. O Traxsource, desde 2013, reconhece o estilo musical.

O símbolo escolhido é o raio de formato análogo à fronteira do mapa da Namíbia. “As fronteiras entre países são demarcadas entre rios e outras referências geográficas. Mas, no mapa da Namíbia, dá para visualizar nitidamente a demarcação manipulada pelos interesses da colonização. Fizeram na régua… e é o que acontece na nossa cena Eletrônica. Reproduzem esse comportamento sem saber por viverem na bolha. O raio também significa propagação”, explica Euvira, que estudou na UFBA e começou a carreira artística como drag queen no icônico Bar Âncora do Marujo, reduto underground gay em Salvador.

Expansão de ideias No candomblé, a música é ponte de comunicação entre os Orixás e seguidores. Do mesmo jeito, a performer acredita no poder transformador causado nos ambientes movidos pela música como meio de diálogo. Muda comportamentos. “Eu imagino que as festas desejam construir uma sociedade a parte, ir além do entretenimento, manter um espaço de 20 horas de tolerância e de abrigo, inexistente no dia a dia. Onde você pode ser quem realmente é, pode beijar homem ou mulher. Mas não dá para fazer isso repetindo comportamento arcaico do século passado. O principal da festa é a música, e não tem um DJ negro tocando? Ter DJs negros tocando na festa é importante. A questão racial é seríssima, mas ninguém parava para se questionar e mudar isso”, reflete a performer, que faz questão de destacar o fato de ser ouvida e manter amplo diálogo com organizadores para abordar questões raciais. “O foco da NÁMÍBIÀ é de gerar uma equidade. Isso não vai rolar de um dia pro outro, é um processo. Mas daqui alguns anos, meses, vai ter resultado”.

Afro House Made in Brazil Aos 12 anos, Pedro Otávio foi à Casa das Caldeiras participar dos shows da Feira Preta. Anoiteceu e sua mãe resolveu esticar o rolê, fazendo o menino ficar perambulando por lá. Até que se aconchegou ao lado de uns dos DJs e questionava o tempo todo para o que serviam os botões acionados em cada música. Na mesma noite, seria sorteado um curso de discotecagem desse cara, que simpatizou com Pedro e lhe deu a vaga.

O camarada em questão era apenas Grand Master Ney, filho do primeiro disc jóquei do Brasil, DJ Osvaldo, e uma lenda dos bailes black. “Passei um ano no curso, aprendi a discotecar com vinil, ia às aulas todo sábado. Eu deveria tocar na equipe nos bailes, mas era menor de idade. Só voltei a tocar quando entrei na faculdade, em 2013, ainda assim, no computador”, relembra Pedro. No ano passado, ele se viu novamente ao lado do mestre, mas para dividir o line-up.

Adalu

“Tivemos uma pista da coletividade na Carlos Capslock. Grand Master Ney foi nosso convidado. No meio da festa, ele avisou que precisava dar uma breve pausa e me deixou cuidando do som. Imagina a responsa. Fazia anos que eu não discotecava com vinil e ainda peguei os toca-discos pelas mãos dele, no meio do set. Na hora fiquei nervoso. Mas é igual andar de bicicleta. Deu um tempinho e lembrei como faz”.

Pedro Otávio é mais conhecido pela faceta Adalu, com a qual assina um projeto de live. Ao lado da cantora Aretha Sadick, forma uma dupla investe na combinação de Afro House e Afro Tech apimentada por letras viscerais. Uma surra de tabu impulsionada por temas que vão do gouinage (sexo sem penetração) a diferenças de gênero, uso de drogas e tensões sociais

“As músicas brincam com temas sexuais, afetividades perdidas e nightlife. Cum In; por exemplo, é sobre preencher alguém com todo o seu amor e afetividade usando o termo ‘gozar dentro’ do pornô. Mas, na verdade, essas músicas só expressam o nosso desejo de falar sobre nosso lifestyle. Falamos sobre as dificuldades afetivas tão presentes na vida de pessoas negras, assim como colocação, nightlife e sexo. Atualmente, eu tenho trazido as letras, mas, no caso de O.K (Hole&Love), o Adalu trouxe beat que se transformou em letra. Cantamos sobre paixões furtivas e passageiras da noite, do eletrônico e do after assim como uma onda de ‘keyla’ (risos). Acho importante trazer as drogas para a cena como uma possibilidade de discussão sobre uso consciente, prevendo a redução de danos, auto cuidado e proteção. Para nós é importante ‘traduzir’ o nosso ‘paulistano way of life’ falando sobre nós e para nós como um ato necessário de sobrevivência. Vivemos a noite, no final das contas, para celebrar a vida e nossa existência transviada da norma”, declara Aretha.

Aretha

A dupla não tem um canal com músicas disponíveis. Ambos preferem apostar nas apresentações ao vivo como meio de comunicação e exibição. “A nossa sonoridade está entre o Afro Tech e Afro House, Honey Dijon é uma grande inspiração pra nós”, complementa a artista.

Sobre as influências musicais, Adalu afirma: “Eu ouço muito Afro House. O que eu encontro de Afro Tech é mais de origem europeia. Quando faço o live toco Afro Tech, pois faz sentido para mim… não faz sentido tocar produção de origem europeia ao invés de africana. Curto DJs que tocam ao lado de alguém com outros instrumentos, como o Black Coffee e o live dele junto de um percussionista. Mas pesquiso muito sobre Samba Rock, Dancehall, gosto de ir além do Eletrônico e conhecer ritmos de raiz da música negra”

O duo se formou para Aretha interpretar Grace Jones, na última Virada Cultural. A partir daí, eles foram desenvolvendo produção própria e mesclando repertório com clássicos da diva black.

“Nos encontramos um dia há poucos meses para experimentar, brincar, testar a união de voz e beat e nossos desejos enquanto sonoridade se conectaram, ele é ótimo e bem rápido em captar o que ta dentro da minha cabeça e muitas vezes eu nem sei, e consigo dar voz aos beats dele transformando em letra o que pra ele é sentimento”,relata Aretha, que dá um ar mais pop à dupla, enquanto Adalu incrementa com as pesquisas eletrônicas clássicas e afro. “Sabe aqueles encontros que se dão? A Euvira tinha me falado dele na NÁMÍBIÀ e que ele tinha uma sacação ótima de sonoridades, daí pra mim era realmente importante e interessante um produtor musical negro, por inúmeros motivos na ‘white cena Eletrônica’. Eu tive medo da minha voz durante muito tempo, por motivos tais que nem preciso citar aqui; e o Adalu acreditou nela sem precisar dizer isso pra mim”.

Os DJs da Coletividade NÁMÍBÍA

Miuccia Afro Tech, House, Disco e musicalidades africanas compõem o projeto musical da DJ e produtora Miuccia. Paralelo aos seus estudos de psicologia, Ana Carolina, de Bauru, pensa nos gêneros da Eletrônica e nas fronteiras estabelecidas com outros gêneros, ideias, discursos, imagens e sentimentos e busca catalisar algumas tendências e estender até onde for possível do mainstream às periferias. Suas referências musicais também têm Hip Hop, Trap e Bass também fazem parte de seu histórico/pesquisa musical. Neste ano, Miuccia, produziu uma faixa pra coletânea Tormenta Hits Vol. II. Na construção dos seus sets sempre se preocupa em trazer a sua identidade, pesquisando músicas produzidas por mulheres e sonoridades negras. Conheça: mixcloud.com/miuccia

Guedes Jaca Envolvido com a música Eletrônica desde o início da década de 90, Guedes, frequentou alguns clubes lendários na capital de SP: Sound Factory, Toco, Overnight, Contra Mão, Sunshine e também é um dos idealizadores e residente da cultuada e respeitada Festa Jaca, que há onze anos mantém a postura underground e de extrema atitude no centro velho de São Paulo. Já se apresentou em alguns clubs/festas importantes da cena noturna de São Paulo: Lions, Alôca, Vegas, Tapas, D-Edge, Lab, Mono, Carlos Capslock, Quitanda, Function. Conheça: mixcloud.com/guedes-jaca/

Max Underson Incansável em sua pesquisa musical, Max Underson conquistou a atenção dos ouvidos mais exigentes com sets sofisticados e mixagens precisas. Grande apreciador da música eletrônica desde os anos 90, Max foi adquirindo um estilo único e refinado, sua identidade musical emotiva e dançante tornaram-se marcas na pista de dança. Sempre atento a vanguarda da música Eletrônica underground, é daqueles DJs que está sempre preparado para arriscar seu repertório e construir sets cheios de histórias e sentimentos. Como produtor Max, já lançou por muitos selos nacionais de destaque, como Sudd, Paunchy Cat, Psychosomatic, Primitive State, entre outros. Conheça: soundcloud.com/max-underson

MC Dellacroix Ela grita a perspectiva de um corpo preto marginalizado desenvolvendo arte a partir da sua existência travesti. Cecília Da Silva Dellacroix é uma artista, rapper e performer, que utiliza do próprio corpo e voz, nos palcos e na rua, buscando resignificar a sua existência marginal dentro de uma causa político-artística e segue hackeando espaços, se conectando com suas iguais – travestis pretas e periféricas – a fim de registrar suas realidades historicamente apagadas, através da arte. Conheça: facebook.com/ceciliasilvadellacroix

Guillerrrmo Projeto de Acid House e Techno iniciado em 2014 pela manauara Viviane Mendes, com influências que vão dos álbuns de disco que ouvia na infância, passando pelo Chicago House e Detroit Techno. A admiração por labels como L.I.E.S, Hyperdub, warp, DFA são exemplos dos estilos e conceitos que modelam o desenvolvimento do projeto. Conheça: soundcloud.com/guillermo321

DJ Alberto Neto Sua pesquisa musical foca na House, Disco, Tech House e Minimal. Formou-se em estilismo no Rio de Janeiro e sempre soube associar diversão e bom gosto. Seu primeiro trabalho com música foi o projeto do MC Supablack, que criou junto com amigos, no qual cantava sobre bases eletrônicas. Em 2012, a vida boêmia e super dançante o trouxe para São Paulo, onde participou do projeto JACA, além detocar nas pistas do Club Jeromê, Alôca, Igreginga e Lourdes. Conheça: soundcloud.com/djlabertoneto

SELEÇÃO MUSICAL – ADALU

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