Os sons miraculosos de Nyron Higor

Lançado pela Far Out Records, novo disco do artista alagoano foge aos rótulos e demarca seu reconhecimento internacional

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Fotos: Frances Rocha

Parte de uma instigante geração de artistas alagoanos que desponta no país, Nyron Higor é um exemplo de pura sensibilidade viva. Aos 26 anos, o jovem maceioense conta que está emocionado ao ver o seu segundo disco, autointitulado, sair com distribuição internacional através do selo inglês Far Out Recordings, em vinil e em CD: “É meio milagroso”, ele diz.

Lançado em 2022, Fio de Lâmina, seu álbum de estreia, foi um trabalho que Nyron define como “artesanal”. Praticamente instrumental, exceto pela faixa-título, é o resultado de uma imersão no home studio que ele havia acabado de conseguir montar. Na verdade, foi o registro de um processo artístico e didático, no qual Nyron estava ao mesmo tempo criando e aprendendo a gravar. Na época, ele ainda morava em Maceió, e não havia um projeto de circulação, de modo que não houve shows de lançamento. “Foi mais uma ideia no mundo”, ele conta.

Nas suas palavras, Nyron Higor é o seu primeiro lançamento oficial. Coproduzido pelo próprio artista junto aos também alagoanos Bruno Berle e Batata Boy, e com a coprodução de Ico dos Anjos e Rubens Adati, o álbum dá espaço inédito para a interpretação vocal de Nyron. Nele, o músico defende uma sequência de canções de peso, em sua maioria de coautoria do alagoano João Menezes: “Estou Pensando Em Você” (de João e Rubens Adati), “Me Vestir de Você” (de João e Paulo Novaes) e “Eu Te Amo” (apenas de João) — a exceção é “São Só Palavras” (de Nyron, Bruno, Batata e Alici Sol).

“Adoro cantar, quero usar a minha voz”, assume. Mas Nyron Higor é sinônimo de música, e a sua expressão se manifesta de muitas formas, seja em palavras, melodias ou ritmos. Em seu novo disco, ele toca violão, guitarra, baixo, bateria, teclado, piano, sintetizador, diferentes instrumentos de percussão e escreveu a maioria dos arranjos. Junto a ele, se uniram as cantoras Alici Sol e Johanna e a curadora e pesquisadora Nathalia Grilo, contribuindo com suas vozes. Tico Lima (trombone), Stefan Costilhes (baixo), Bianca Godoi (bateria) — além dos já citados Bruno, Batata, João e Rubens — completam o time instrumental do álbum gravado entre Maceió e São Paulo.

Na conversa que segue, Nyron repassa a sua trajetória, desde quando aprendeu a tocar baixo em um protótipo feito por seu tio com madeira de guarda-roupa até o atual reconhecimento internacional. Se tudo isso foi um milagre, parece ser apenas o primeiro de muitos outros que virão.

Como a música entrou na tua vida?

Então, eu venho de uma família com ímpeto musical. Meu avô estava envolvido com música, meu tio é contrabaixista, minhas primas tocam violino. Fui crescendo e desenvolvendo essa sensibilidade. Eu tinha um violãozinho barato, toco contrabaixo por conta do meu tio, que era luthier. Ele fez um protótipo, de madeira de guarda-roupa, e me deu, foi com ele que aprendi a tocar. E em torno dos 15, 16 anos, comecei a despertar pro jazz, música mineira, música brasileira, tudo.

E o seu trabalho autoral?

Foi mais em 2019, por querer gravar mesmo. Eu tinha várias ideias, e aí surgiu um edital. Passei, investi tudo em equipamento de estúdio e entreguei o objeto do edital, que era o disco Fio de Lâmina. Aí entendi como funciona o universo da produção e da criação dentro de um home studio. Do meu jeito, bem artesanal, até porque eu estava aprendendo.

Por mais que eu tenha uma vida musical antiga, só vim poder mostrar o que eu tenho na minha cabeça de uma forma concreta recentemente. Até porque eu não tinha grana para investir em material, microfone, nunca pude ter isso. Se eu tivesse equipamento de gravação mais cedo, com certeza já teria feito bastante coisa.

Você classifica o Fio de Lâmina como um trabalho artesanal, mas as músicas são sofisticadas. Como foi o processo de criação dele?

Foi um diário de registro. Ali, eu estava descobrindo como gravar, como usar a DAW, como microfonar e tal. Eu ficava meditando, com violão na perna. Se achasse algum campo harmônico, ou uma melodia, começava a gravar. Isso guiou o disco inteiro. Só “Fio de Lâmina” foi uma composição feita. Na maioria das vezes, não tinha nada predisposto, foi surgindo desse experimento, tentando encontrar um lugar de satisfação na ideia de colagem e na colagem das ideias também. Eu ia construindo de uma forma bem lúdica. Pode parecer romântico, mas foi como eu estava aprendendo.

“Por mais que eu tenha uma vida musical antiga, só vim poder mostrar o que eu tenho na minha cabeça de uma forma concreta recentemente”

O disco saiu em 2022, mas não circulou muito, correto?

É, acho que não, até porque foi uma distribuição independente. Só paguei a distribuição para estar no Spotify e tal. Ele chegou em algumas pessoas bem específicas.

Você tinha uma banda na época? Chegou a se apresentar?

Não, não toquei, meio que não existe espaço pra música autoral em Maceió. [Fio de Lâmina] foi mais uma ideia no mundo.

Agora, a situação é bem diferente, você mora em São Paulo, está em contato com um gravadora internacional. Como surgiu seu segundo disco, o Nyron Higor?

Então, ele tem músicas que eu ia lançar no Fio de Lâmina, mas não lancei, tipo “Som 24” e “Demo Love”. Mas esse disco é diferente, já é mais pensado. É mais sério, não tão freestyle quanto o primeiro, foi uma outra abordagem. Por exemplo, “Ciranda” foi uma música em que eu orquestrei tudo na minha mente antes de gravar. Fui pro estúdio sabendo o que eu queria e como queria soar. Levantei “Ciranda” e “Louro [Cantador]” quando ainda morava em Maceió, e aí surgiu essa abertura de porta com Bruno e Batata e com a Far Out.

Como foi isso?

Eu estava em Maceió, no shopping, fazendo alguma coisa, e o Bruno me ligou e falou sobre a proposta da gravadora. Aí a gente se juntou, mostrei tudo que eu tinha, e foi entrando: “Ciranda”, “Louro Cantador”, “Demo Love”, “São Só Palavras”, que ainda nem tinha letra.

E como foi a gravação do Nyron Higor?

Foi itinerante. Nesse disco, tem São Paulo e Maceió. Foi iniciado no meu home estúdio em Maceió. Eu trouxe sete faixas de lá, e a gente acrescentou outras músicas com produção de Bruno e Batata, como “Eu Te Amo”, “Me Vestir de Você” e “Estou Pensando Em Você”, também produzida por Rubens Adati. O primeiro contato que eu tive com um estúdio grande foi esse, foi uma experiência muito boa.

Como foi o trabalho de produção com o Bruno e o Batata?

Foi ótimo. Eu já tinha entrado em estúdio com o Bruno, mas com o Batata, não. Foi perfeito perceber a sagacidade do Batata como produtor. Eles ajudaram a ter certezas.

Vocês se conheciam desde quando?

Primeiro, conheci o Bruno, por volta de 2019. Eu já tinha admiração pelos trabalhos que ele fazia, acompanhei tudo. Com o passar do tempo, a gente foi aprofundando isso. Eu me apaixonei pela forma como ele vê a música, virou uma amizade que me deu vários nortes. Depois, conheci o Batata, não me lembro o ponto exato, mas ele era meu vizinho. Só sei que a gente tinha afinidade e eu estava o tempo todo lá na casa dele. Era bem perto, ficava lá fazendo som. Aos poucos, fui conhecendo João, Marina [Nemésio, artista alagoana], foi gradativo.

“Quando fui compor o disco, uma das coisas que eu estava pensando era em fazer uma música o mais libertadora e esperançosa possível. Queria soar alegre, até nos timbres. Pensei nisso conscientemente, nessa coisa da vitória, da esperança”

Vocês compõem um grupo de amigos com obras que se cruzam, como você vê isso?

Cada um tem uma peculiaridade, e só o fato de a gente conviver juntos já torna isto uma consequência: não tem como não se somar no trabalho do outro. Acho que o Bruno e Batata têm uma sagacidade de produção mais peculiar do que todo mundo, e isso é somado. João é um puta compositor, meu trabalho não existiria sem o João, digamos assim. E eu adoro arranjar, mexer com harmonia, arranjos de sopros, isso também é somado.

Fio de Lâmina é quase todo instrumental, tirando a faixa-título, enquanto Nyron Higor tem um equilíbrio nesse ponto, é praticamente metade com voz e metade sem. Como você enxerga o papel da voz na sua obra?

É poesia em palavra, não mais só poesia em música. Adoro cantar, meu pai também cantava, minha mãe, enfim. Sempre tive essa vontade de construir um trabalho com a minha voz, ainda vou fazer muito mais isso. Quero cantar, interpretar as músicas dos meus amigos, compor muita coisa. Quero usar a minha voz.

O que você acha que Nyron Higor mantém do Fio de Lâmina e no que ele vai além?

Ah, eu acho que ele extrapola no arranjo. Mas o que tem do primeiro no segundo é a profundidade de trazer coisas intensas. É um pouco subjetivo, mas é isso. Eles são parecidos no quesito da harmonia, isso aí vai ter em todos os meus trabalhos. E o segundo também tem freestyle e experimento, “Demo Love” e “São Só Palavras” são faixas criadas dentro de home studio. Mas tem essa diferença, o segundo é mais pensado em termos de arranjos do que o primeiro.

E me fala sobre os sentimentos que guiaram as músicas do disco novo.

É difícil responder isso, porque é mais uma relação de pessoa/instrumento, do meu inconsciente musical. Mas quando fui compor o disco, uma das coisas que eu estava pensando era em fazer uma música o mais libertadora e esperançosa possível. Queria soar alegre, até nos timbres. Pensei nisso conscientemente, nessa coisa da vitória, da esperança. Falando de uma forma subjetiva, ao mesmo tempo técnica, porque era um artifício que eu usava para pensar de modo que filtrasse a minha criação.

Reparei que as canções escolhidas enfatizam temáticas amorosas. Qual é a importância do amor no seu trabalho?

Ah, eu sinto até demais. É um prazer poder cantar o amor. O amor é uma das coisas principais da música que eu faço. Não me vejo fazendo outra coisa, tem muito amor nisso. Tô falando de outro tipo de amor, mas o amor romântico também. Canto o presente, e faz total sentido cantar o amor. Tem que ser isso mesmo. E é uma parada meio espiritual, spiritual music.

Queria ouvir você sobre a presença das convidadas do álbum: Nathalia Grilo, Alici Sol e Johanna.

Isso é totalmente produção de Bruno e Batata. Eu já conhecia a Nathalia de internet, mas a gente se aprofundou com esse trabalho. “Maravilhamento” é uma das minhas faixas preferidas, e me encantei de cara por Nathalia, acho que foi a melhor pessoa para ter escrito algo em cima dessa música. Ela tem essa coisa espiritual, tem essa essência. A Alici e a Johanna também conheci através de Bruno e Batata, são insights da produção, de reflexão de como o disco deve soar. Esses feats mudaram tudo, foi para onde o disco está hoje.

E agora o disco está chegando, saindo em vinil na Europa… Quais são os seus próximos planejamentos?

O meu propósito é tocar, realizar os shows autorais que eu tenho na minha cabeça e nunca fiz ainda. Também temos pretensões de turnês na Europa, estamos vendo isso. Acho que essa abertura com a Far Out proporcionou várias coisas, principalmente poder circular, conhecer outra galera, tocar para outro público.

O público estrangeiro é bem interessado, o Brasil é objeto de pesquisa. Eles estão muito interessados na vanguarda, o nosso som chega de uma forma positiva lá. Os próximos passos são vender discos, marcar shows, viajar. Fazer o trabalho, agora de uma forma oficial. Esse é de fato o meu primeiro lançamento oficial, e aí tô tendo essas oportunidades.

E como você se sente hoje com tudo isso que está acontecendo? Como você vê a importância desse trabalho, enquanto o disco de um jovem negro alagoano?

Acho que esse disco se tornou bem político. Dentro da minha condição financeira, de onde eu venho e a forma como esse trabalho está sendo lançado, tem um contexto político, das minhas afirmações, das minhas raízes. Partindo do ponto de que eu sou uma pessoa vinda de uma família humilde, que só vim poder ter meus equipamentos bem tarde e não tinha dinheiro para investir, é meio milagroso chegar onde eu cheguei em tão pouco tempo assim.

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ARTISTA: Nyron Higor