Lançado em um momento de introspecção e redescoberta, Aries (2023) marca um novo capítulo na carreira de Paola Navarrete. Após dois anos morando na Cidade do México, a artista equatoriana revisita suas primeiras paixões musicais e as memórias de sua juventude para criar um álbum lúdico e confessional. “Eu queria capturar a nostalgia dessas lembranças, desse tempo que eu jorrava entusiasmo. E nesse sentimento, recorri também às lembranças musicais do que fazia minha cabeça na época”, conta Paola. Ao longo de 10 músicas, o indie bubblegum que a destacou na última década como um dos principais nomes da cena alternativa do Equador ganha um ar vintage do pop rock setentista. Complementando a veia retrô da sonoridade, Paola embarca numa viagem em busca dos símbolos da sua identidade — seja no signo que intitula o álbum ou no tom de diário revisitado que marca a temática das letras.
Em busca de expandir suas conexões e oportunidades na música, Paola se mudou para a capital mexicana, onde, junto de seu companheiro, estava estudando produção cultural. “Sempre vi o México como o lugar das oportunidades — na música, na vida. Eu senti que tinha que ir para onde as coisas realmente acontecem”, comenta. O distanciamento trouxe o espaço necessário que nutriu a vontade de olhar em retrospecto, refletindo e idealizando o embaraço e a euforia das lembranças que a colocaram num caminho sem volta de compromisso com a música como forma de autoentendimento. “Se definir a partir de lembranças é ir de encontro às contradições e reconhecer a complexidade da própria identidade”, elabora.
“Se definir a partir de lembranças é ir de encontro às contradições e reconhecer a complexidade da própria identidade”
Em busca de expandir suas conexões e oportunidades na música, Paola se mudou para a capital mexicana, onde junto de seu companheiro, estava estudando produção cultural. “Sempre vi o México como o lugar das oportunidades — na música, na vida. Eu senti que tinha que ir para onde as coisas realmente acontecem”, comenta. O distanciamento trouxe o espaço necessário que nutriu a vontade de olhar em retrospecto, refletindo e idealizando o embaraço e a euforia das lembranças que a colocaram num caminho sem volta de compromisso com a música como forma de auto entendimento. “Se definir a partir de lembranças é ir de encontro às contradições e reconhecer a complexidade da própria identidade”, elabora.
Partindo da primeira de suas inspirações, Paola abre o álbum contextualizando sua relação com a arte como algo que veio de casa. Ela cresceu em um ambiente musical, cercada por irmãs que se dedicam à pintura, fotografia e design, e sempre encontrou na arte um meio natural de expressão. “Minha irmã mais velha é pintora, a mais nova é fotógrafa e a outra também pinta e faz design. Sempre tivemos uma energia muito forte de expressão”. Dessa dinâmica veio “Cómplices”, que captura a confiança e a sensação de segurança que sempre permeou a comunicação de Paola com sua família sobre suas ambições artísticas. “Olhando em retrospecto, era natural que nós decidíssemos seguir por esses caminhos, e isso sempre me motivou e me fez enxergar sentido no que estava fazendo. Mesmo no começo, quando minha mãe tinha certo receio, o entendimento de que era isso mesmo que eu queria fazer para vida, foi algo que a deixou orgulhosa”, explica a artista.
“Para mim, vermelho é a cor deste disco. Representa meu ego, minha identidade como artista, minha explosividade”
Sua identidade artística em Aries é refletida nos símbolos, na capa e no título do álbum. Desde o início, Paola desejava que o trabalho fosse uma extensão de si mesma, uma expressão tangível de suas experiências e emoções. “Sempre soube que o título tinha que ser Aries, porque meu signo define muito de quem sou – a energia, a intensidade, o fogo”. A capa do álbum, idealizada pela própria cantora, é uma colagem de fotos que remete às paisagens de sua juventude e incorpora elementos astrológicos e naturais, como o sol vermelho, que simboliza a força e a vitalidade associadas ao seu signo. “A ideia do sol sempre esteve clara para mim, já que o disco se chama Aries e meu signo é de fogo, então o sol precisava estar lá, e tinha que ser vermelho. Para mim, vermelho é a cor deste disco. Representa meu ego, minha identidade como artista, minha explosividade”. A escolha visual e simbólica cria conexão entre o conteúdo pessoal do álbum e sua persona artística, trazendo a imagética como uma das formas de contar sua história no álbum. “Desde que decidi o que daria forma ao disco conceitualmente, quis elaborar todos os pontos, inclusive a parte visual. Nunca fiz isso, minhas irmãs é que sempre mexeram com artes visuais, e era uma amiga que desenvolvia minhas outras capas, mas senti que tinha que registrar esse disco com todos os sentidos.”
Ao sair de Guayaquil para explorar a cena multicultural da capital mexicana, Paola teve contato com o produtor franco-mexicano Adán Jodorowsky, filho do renomado cineasta chileno Alejandro Jodorowsky. Adán é conhecido por seus trabalhos no teatro, por sua carreira solo e por produzir nomes como Natalia Lafourcade e Mon Laferte. A aproximação com a veia teatral de Adán deu o direcionamento estético das músicas, previamente cruas em sua concepção. “As conversas com Adán foram essenciais, porque como escrevi a maioria das músicas sozinha, chegando ao estúdio queria testar de tudo um pouco com cada uma, e não conseguia vê-las individualmente”, relembra a cantora. Da parceria, ainda saiu “Beso de Luna”, que entre o indie folk e a ranchera mexicana captura de forma onírica a primeira paixão e desilusão amorosa de Paola.
Além da presença de Adán Jodorowsky, outra colaboração essencial para a musicalidade do álbum é a de Mauro Samaniego, coautora de 6 das 10 canções. Amigo de longa data, o compositor de Quito é conhecido pelo trabalho de suas bandas, De Pawn e Tripulación de Osos. A parceria criativa com Paola começou durante a pandemia, em 2020, no single “Otra Vez”. “A parceria com o Mauro sempre foi especial e fundamental para mim quando estou criando. Encontrei nele um parceiro com quem me conecto musicalmente de forma plena”, conta Navarrete. Amarrando a fluidez pop do disco, o violão de nylon de Mauro traz ecos de seus projetos, como o folk alternativo da De Pawn, com seu timbre gotejante que adiciona frieza na ambiência esfumaçada dos sintetizadores twee pop que envolvem músicas como “Algo Discreto” e “Van a Construir al Lado”.
Tal como quem lembra com afeto de uma viagem de férias, Paola traz em Aries acenos aos sons que a levaram a querer a música como parte de sua vida. No álbum de estreia, Ficción (2015), seu som se aproximava mais do indie rock melódico da época, de nomes como Young The Giant. Já em Verde Fugaz (2018), ela se aproximou do synthpop vaporizado pós-bedroom pop. “Estava pensando mais na produção, na descoberta de texturas… Não sei se tanto na composição em si, esse talvez não fosse o foco principal”, relembra. Em Aries, Paola sintetiza suas experimentações anteriores ao mesmo tempo em que abraça suas primeiras inspirações, como o pop rock dos anos 1970 e o college rock dos anos 1990. “O pop rock dos anos 1970 foi algo que abriu meus sentidos. Ao mesmo tempo, queria trazer os sons que descobri sozinha, que foi meu primeiro parâmetro do que eu queria atingir, e esse som é o college rock dos anos 1990 e o indie dos anos 2000”.
“Acho que a nostalgia carrega lamento, e não foi isso que senti revisitando as coisas para esse álbum. Acho que o português cabe melhor nesse caso, porque se aproxima mais da saudade mesmo”
Na música pop, a introspecção e o teor confessional geralmente se atrelam à melancolia – mas em Aries ganham contornos de ternura e leveza. Ao mesmo tempo em que o som consolida as ambições ecléticas e teatrais, as letras destacam a preciosidade das lembranças para a Paola de hoje. “Acho que a nostalgia carrega lamento, e não foi isso que senti revisitando as coisas para esse álbum. Acho que o português cabe melhor nesse caso, porque se aproxima mais da saudade mesmo”, define. Estando uma vez onde sempre quis estar, explorando as possibilidades cosmopolitas distante de casa, a sensação de indefinição e confusão sobre si encaminhou Paola a rever com carinho o conforto da monotonia dos primeiros anos. “Claro, tem momentos no disco que acenam à incompreensão e à solidão da juventude, mas como um ciclo, é mais bonito do que triste. Descrevo assim, porque ao instrumentar e cantar, quis trazer essa sensação de conforto, de companhia, de se entender ao longo desse processo e olhar para trás com realização”, complementa Paola.
Com leveza, Paola Navarrete traz, não em narrativa, mas em temática aberta, como um quadro, a imagem de quem queria conquistar o mundo, mas no caminho percebeu que a verdadeira conquista está em compreender e abraçar a si mesma. “Acredito que esse é um álbum que remete à felicidade, à leveza de entender o que te cura, o que te faz se sentir livre”.