Perfume Genius por Telefone

Mike Hadreas comentou recém-lançado “No Shape” e vontade de voltar ao Brasil

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A noite de São Paulo tinha nascido poucos instantes antes quando, na hora marcada, o telefone toca e a voz afirma: “Mike Hadreas está pronto para falar com você agora”. O primeiro encontro do Monkeybuzz com Perfume Genius, documentado pela MonkeyTV em 2013, logo serviu para quebrar o gelo (“eu sou o cara que te fez ouvir música e comentar cada uma”, disse, relembrando o Monkey Listening, e ouvi “ah, é claro, me lembro sim. Foi em vídeo, não foi?”) e a entrevista, já em clima de bate papo, seguiu como aqui registrado.

Monkeybuzz: Como você está? Mike Hadreas, Perfume Genis: Estou… bem. Acho que estou começando a ficar gripado. Mb: Poxa, que pena, sinto muito. Mike: Tudo bem, prefiro ficar gripado entre turnês do que durante uma (risos). Mb: Por falar em turnês, já faz quase quatro anos desde que você veio ao Brasil e conversamos pela primeira vez, e, nesse meio tempo, você já lançou dois discos. Mike: Verdade, que medo. Mb: Naquela vez, você comentou que o próximo disco seria mais sombrio que o anterior, mas daí veio Too Bright com esse título e essa capa doce, com você em uma roupa dourada. Você parece ser alguém que gosta de brincar com as expectativas das pessoas. Que você acha disso? Mike: (rindo) Acho que tem a ver com muitas coisas. Eu sempre fui muito rebelde. E depois de fazer meu segundo disco e todo mundo ficar constantemente me falando o quanto eu era frágil, sensível… “fofo” até (risos), sei lá, acho que decidi me rebelar de novo. Sempre achei que meu segundo disco tinha muita força, mas decidi depois fazer algo de volume mais alto. Nos EUA, as pessoas entendem mais claramente o que você está dizendo se você berrar na cara delas ao invés de apenas sussurrar (risos). Achei que me mostrar dessa forma era uma maneira de encontrar uma força que eu já tinha, transformar minha raiva, minha ansiedade ou o que fosse em algo mais “na cara”. Nos primeiros dois discos, eu cobri o meu rosto, e eu queria que aquele fosse clean e queer ao mesmo tempo. Mb: Para mim, tudo isso que você falou, tirando a parte da capa, se aplica também a[o recém lançado] No Shape. Mike: De certa forma, sim. Acho que estou sempre procurando maneiras de mudar o caminho que as coisas seguiam antes. Gosto de compor e fico mais inspirado quando sinto que o que estou fazendo é mais original, talvez até mais difícil de escrever, como quando falo de coisas que ainda não entendi direito. Acho que minha tentativa é de sempre me superar. Só não sei o que isso significará no próximo disco. Mb: Você então é alguém que curte desafios. Mike: Sim. Mas também é consequência. Eu estou sempre fazendo coisas que eu não sabia que conseguiria fazer, mas fui lá e fiz. Quando fui fazer meu primeiro show, achei que não conseguiria cantar na frente dos outros, mas rolou. Aí resolvi sair de trás do piano, depois quis dançar… a questão é sempre fazer mais. Mb: E aonde isso vai parar? Mike: Eu não quero que pare nunca (risos). Mb: (risos) Boa resposta! Faz sentido o que você disse, até quando vemos o clipe de Die 4 You, que saiu não tem nem um mês. Você sabe que está vendo Perfume Genius, mas, ao mesmo tempo, tem algo ali diferente do que já vimos antes. Você se preocupa em, no meio disso, manter alguma identidade? Mike: Sei lá, eu achava que tudo o que eu ia fazer deveria ter uma história, eu achava que era essa a “mágica” da minha música. Mas a minha cabeça foi mudando e eu acho que consigo manter o mesmo espírito hoje, só que consigo ir além. Já estou nessa há tempo suficiente para sacar que eu posso sempre fazer algo mais. E uma novidade não cancela o lançamento anterior. Mb: Você me disse da outra vez que estava aprendendo que uma música não precisava ser sobre algo específico. Me disse que estava se dando conta disso. Mike: (rindo) É que não precisa ser uma história, pode ser só um humor, por exemplo. Você pode levar alguém a algum lugar, mas não precisa dizer onde é. Mb: É uma escolha de narrativa também, né? Ela pode ser mais linear ou ter uma outra estrutura. Mas quando eu ouço uma música como Alan, vejo que você ainda está contando uma história. Mike: É verdade. Algumas acabam sendo mais como um filme do que as outras. Mb: Sobre No Shape, quais as diferenças e quais as semelhanças que você enxerga com a maneira que contou as histórias antes? Mike: Não sei. Eu quis escrever músicas que fossem grandiosas. Eu não queria ser minimalista dessa vez, ou manter as coisas simples. Eu queria que o álbum fosse complicado. Eu consigo fazer algo bem simples se eu quiser, mas eu quis que tudo fosse tão louco quanto eu estava quando as compus. Então a própria gravação foi um processo bastante diferente dos outros. Mas é aquilo, né, ainda sou eu. Não importa o quanto as músicas cresçam, ou se eu grave de outro jeito… a minha voz ainda é estranha (risos). Eu costumava ter vergonha dela, mas agora eu até gosto (risos). Mb: Isso tem a ver com a resposta que você recebe das pessoas? Isso influencia a maneira com que você mesmo se vê? Mike: Como assim? Mb: Você comentou que as pessoas te chamavam de sensível, aí você quis fazer algo diferente, depois que tinha vergonha da sua voz, mas hoje gosta dela. Isso foi depois de ouvir o que as pessoas estavam comentando? Mike: É, acho que sim, mas isso me incomoda. Toda a minha infância e minha adolescência foram baseadas no que os outros pensavam de mim. Sempre fui muito inseguro e ansioso, tive muito a tratar, mas agora, com a música, eu sinto que posso falar sobre qualquer coisa usando essa própria voz. E eu percebi que ainda tenho muito o que trabalhar, mas isso é bom, é libertador. Não sei se isso responde sua pergunta.

Antes do “tchau”, Mike Hadreas afirmou que não vê a hora de voltar ao Brasil. Com sua voz não tão estranha assim, nem tão prejudicada pela quase gripe, conclui, ainda que não há planos concretos, que “vai rolar sim”.

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MARCADORES: Entrevista

Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.