Phillip Long e o Espírito do Tempo

Em apenas três anos, músico de Araras lançou o número expressivo de nove obras

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“Quem é Phillip Long? Se pudéssemos responder essa questão com exatidão, provavelmente não estaríamos falando sobre a mesma pessoa, tamanha a complexidade que sua personalidade nos mostrou nos últimos três anos, período em que lançou oito registros, entre álbuns e EPs”, disse Lucas Cassoli em sua resenha de Zeitgeist, mais recente obra do músico de Araras. Essa é uma observação astuta sobre a imprecisão de uma análise completa de um músico em constante transformação e que desafia-se como artista a cada lançamento. Phillip não só parece ser movido por fases, mas por pequenas revoluções do “eu”. E se uma obra é reflexo do que o artista é naquele momento, cada disco vai soar como algo novo, como vindo de um novo Phillip.

Apesar da mudança ser uma constante em sua música, não podemos dizer que a inconstância também é. “Cameleônico” não é um adjetivo que sirva para a música de Long. Camaleões se camuflam no ambiente, absorvem as características dele para se misturar e às vezes se mesclam tanto a ele que não são mais distinguíveis aos olhos dos outros. Phillip, por sua vez, tem a qualidade de adaptar ao ambiente de forma a fazer melhor proveito de seus recursos. Sua curta, porém prolífica, carreira é prova disso e vamos mergulhar nela agora, passando em breves momentos pelos últimos anos (e nove obras) deste músico que se revelou um dos mais produtivos de nossa geração.

Sua primeira obra, A Man on A Tighrope, talvez seja sua mais crua e que mostre Phillip ainda como um músico em formação, ainda sonoramente bem ligado a suas principais referências, como Bob Dylan e Neil Young. Ainda assim, há muita pessoalidade neste álbum, principalmente nas letras que expunham um músico com grande interesse em não se camuflar em meio a suas referências, mas sim de se mostrar, de revelar suas verdades através de suas canções. Esse é sem dúvida um belo disco e um pontapé para uma carreira que se transformaria bastante em questão de alguns poucos meses.

E foram poucos meses mesmo. Logo em seguida, viria ao mundo seu segundo álbum, Caiçara, que nas palavras de André Felipe, mostravam esse centelha de reinvenção e constante mudança de seu trabalho, além de uma rapidez em criar uma nova obra: “Essa inquietação gerou um disco que encontra seu equilíbrio ao movimentar-se entre canções mais parecidas com a de seu primeiro trabalho, predominantemente acústicas (apesar do baixo elétrico), e as faixas marcadas pela guitarra e bateria inquietas, mas que ainda conseguem soar intimistas e contemplativas como o gênero demanda”. O ator pode até ser o mesmo, o papel é bem diferente e Phillip mostra aqui bem diferente do que em seu primeiro álbum.

Na sequência, Phillip se mostra como mais uma persona, uma fragilizada que procura o equilíbrio após uma grande perda em sua vida. Personagem de sua própria tragédia, Long supera as dores do fim de um amor: “Num tom melancólico, ele nos fala sobre paixão, lágrimas, desespero, insegurança, redenção e uma gama de sentimentos humanos que acompanha a cada um de nós”. Dancing With Fire é um disco ímpar em sua carreira e digno de sustentar um título como Ópera Folk, pois cada uma de suas músicas conta uma parte de uma narrativa muito bem amarrada e que mostra o arco de um personagem se resolvendo em cada nova canção.

“Essa característica aparece em canções, no geral, com uma interpretação mais sussurrada do cantor. Phillip desabafa sem exaltar a voz, encontrando o tom certo para transmitir sua melancolia – que aparece aqui em cargas ainda maiores, mesmo nos arranjos mais doces”; é o que diz André Felipe sobre Atlas, um disco mais maduro e que tira proveito das lições ensinadas com a dor de seu antecessor. E acho que esse é outro elemento natural da música de Long, o aprendizado com o passado, mas o um olhar ainda sonhador para futuro. Longe de qualquer cinismo, o músico se reinventa novamente como uma Fênix que ressurge de suas próprias cinzas – uma metáfora e tanto para o sucessor de Dancing With Fire.

Cinco discos mais tarde, Gabriel Rolim tira uma conclusão sobre a obra de Phillip, que cresce rapidamente, mas sem nunca perder sua qualidade. “Espécie de continuação espiritual de Atlas, o disco demonstra-se mais um Folk exemplar sendo feito em terras tupiniquins, mas cantado em inglês. As faixas aqui são especialmente boas como a delicada Grace ou a bucólica Far On A Distant Field e chegamos à conclusão de que não conseguimos ver algo ruim sendo feito por Long”. Gratitude é assim. Um disco que soa como sequência, como evolução, ainda que não seja uma revolução. A continuação de um processo que reflete também a continuidade do estado de espírito do músico que está por trás da obra.

Seven, sétimo disco de Long, tem uma grande carga simbólica para ele, que chegou a publicar um texto pouco tempo antes do lançamento falando um pouco sobre isso: “O sete é uma combinação do três com o quatro (…) o número quatro que simboliza a terra, associado ao três, que simboliza o céu, permite inferir que o sete representa uma totalidade em movimento ou um dinamismo total”. Vitor Ferrari, em sua resenha, usa esse simbolismo antecipado pelo músico, para falar do dinamismo de sua obra: “Ainda fazendo alusão a essa figuração de céu e terra, o álbum se inicia com Closer To God, que nos remete a um Phillip Long que ouvimos em Atlas, com uma carga sentimental interior maior. É talvez o primeiro caminhar para essa transição dinâmica entre o céu e a terra, onde mais para frente sentimos o toque mais humanizado com linhas de violão e guitarra com um toque mais aceso e exteriorizado, onde End Of The Line surge com seu simples arranjo acústico de fundo para uma envolvente canção”.

Se até agora falamos de personagens, personas, narrativas, histórias e trajetórias – o que seria capaz de encher um livro -, A Blue Watlz é um novo capítulo na obra de Long, que busca inspirações bem diferentes e busca também quebrar com um padrão estético seguido até aqui. Sobre isso, André diz: “‘Why would you care about music/Music is dead’ – O verso de If the Band Leaders Are Dead, terceira faixa de A Blue Waltz, explica muito deste novo álbum de Phillip Long, o oitavo de sua carreira – porém, de certa forma, pode ser visto como seu primeiro, já que parece recomeçar do zero um novo momento em sua carreira, ou mesmo como seu segundo lançamento, já que os sete anteriores podem ser vistos como o capítulo de estreia em sua história. A melancolia daquele verso prolonga as características que já conhecíamos do músico em um território inédito e bem intencionado.”

E eu não poderia terminar esse texto de outra forma se não citando o que representa seu novo álbum segundo Lucas: “‘Zeitgeist’ pode ser traduzido como o espírito de uma determinada época e, quando Phillip nos mostra seu nono trabalho com este título, percebemos rapidamente a época à qual ele faz referência: toda a sua vida. O disco traz uma retomada de sonoridades e pode até parece um pouco previsível, mas ele simboliza tudo que construiu a trajetória do compositor até então. As referências smithianas, o Folk que lembra trabalhos anteriores como Gratitude, as ambientações alegres de Caiçara, entre outros elementos típicos da música de Phillip, estão presentes com força aqui. É um ótimo trabalho para apresentar a um ouvinte que desconheça sua discografia, pois mostra sua essência de uma forma direta e simples. Sem excessos, apenas Phillip Long”.

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ARTISTA: Phillip Long
MARCADORES: Redescobertas

Autor:

Apaixonado por música e entusiasta no mundo dos podcasts