PJ Morton canta a esperança em meio à escuridão

“Watch The Sun”, recém-lançado disco do músico americano, é uma reflexão (cheia de groove) sobre abraçar o insólito e navegar, com fé, por tempos turbulentos; ele destrincha o projeto, analisa estratégias do mainstream e conta como foi reunir Stevie Wonder e Nas em uma mesma faixa

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Fotos: Laiken Joy

PJ Morton fala sobre música com brilho nos olhos e empolgação na voz. A forma como ele encara seu fazer artístico mostra que, mesmo com sucesso, prêmios e aclamação, sua mente está sempre em processo criativo, longe de se acomodar. O artista estadunidense é presença constante no topo das paradas musicais como integrante do Maroon 5, banda da qual é tecladista desde 2012, mas sua produção é ainda mais vasta, com colaborações com vários artistas, além de um trabalho solo marcado por influências de gospel, soul e r&b. Watch The Sun, seu oitavo e recém-lançado álbum, explicita essa diversidade de referências e sensibilidade melódica, e reúne alguns de seus ídolos, como Stevie Wonder, Nas, Jill Scott e El DeBarge.

Natural de Nova Orleans, cidade de efervescência musical, PJ Morton contou em entrevista ao Monkeybuzz que, na infância, sua relação com a música foi muito mediada pela família religiosa – seu pai é pastor. Ainda que os genitores fossem apaixonados por r&b – o que fez com que ele crescesse ouvindo Michael Jackson, Prince, Anita Baker e DeBarge – a música gospel era a matriz do que eles escutavam em casa, com artistas como The Clark Sisters e Commissioned, influência que permanece forte nele. Por meio de amigos e de sua própria curiosidade, ele foi conhecendo outras referências que moldaram sua sensibilidade, como Stevie Wonder.

“Além do r&b e do gospel, minha mãe também me apresentou aos Beatles muito cedo. Aquelas melodias mudaram minha vida. E eu conhecia Stevie Wonder, mas sua produção dos anos 1980, como “I Just Called To Say I Love You” e “Part-Time Lover”. Até que um amigo me deu uma fita cassete com “Never Dreamed You’d Leave in Summer” [do álbum Where I’m Coming From, de 1971] e pensei: ‘O que é isso? Não é o Stevie que conheço’. E comecei a ir à loja de discos toda semana para comprar álbuns dele e a ouvir cronologicamente até virar uma enciclopédia de Stevie (risos). Depois, vieram Donny Hathaway e James Taylor. Esse foi o quarteto que moldou tudo e acho que por isso sou influenciado por todos os tipos de música”, explicou.

A devoção de Morton para a música fez dele um artista diligente, sempre à procura de aperfeiçoar sua arte, independentemente das tendências do mercado. Desde o aclamado Gumbo (2017), seus álbuns são lançados por um selo próprio, a Morton Records. Esses trabalhos autorais caminham paralelos à sua produção com o Maroon 5 e têm angariado elogios da crítica e de seus pares. Desde o início da carreira solo, PJ Morton já foi indicado a 16 prêmios Grammy, ganhando quatro estatuetas: Álbum do Ano, em 2022, como colaborador do disco We Are, de Jon Baptiste; Melhor Álbum Gospel, em 2021, por seu Gospel According to PJ; Melhor Canção R&B, com “Say So”, em 2020; e Melhor Performance R&B Tradicional, por “How Deep Is Your Love”, em 2019.

“Foi ao começar a lançar meus discos por minha gravadora que os Grammys começaram a vir. Para mim isso foi um sinal. Tipo: ‘Nossa, tudo que você precisa fazer é ser você mesmo’. Eu tentei, algumas vezes, ser estratégico e seguir o mercado, então essa resposta [de ser independente] foi uma grande lição para mim. É por isso que o sucesso recente é tão especial para mim, porque veio de nós, sem uma grande gravadora. Poder criar livremente é uma dádiva – e eu entendo isso porque também escrevo e produzo para outros artistas”, pontuou.

Sempre produzindo, ele acabou, inicialmente de forma acidental, criando uma espécie de “trilogia pandêmica”, com o lançamento de The Piano Album, disco ao vivo e acústico no qual revisita destaques do seu repertório, em fevereiro de 2020, Gospel According To PJ, em agosto do mesmo ano, e, agora, Watch The Sun.

“Eu tentei, algumas vezes, ser estratégico e seguir o mercado, então essa resposta [de ser independente] foi uma grande lição para mim. Poder criar livremente é uma dádiva – e eu entendo isso porque também escrevo e produzo para outros artistas”

“É interessante porque esses últimos três álbuns meio que representam três partes da pandemia. The Piano Album foi gravado em 2020, antes de a gente realmente saber o que estava acontecendo. Eu inclusive estava na América do Sul com Maroon 5 quando foi lançado (o grupo se apresentou no Brasil no início de março). Acabou virando um álbum pandêmico porque todo mundo tinha uma coisa nova para ouvir no isolamento. O álbum gospel não tivemos que começar do zero [por conta da pandemia], porque já tinha muita coisa escrita, mas fizemos muitas sessões virtuais e isso foi difícil, era uma dinâmica muito particular da pandemia.  Mas senti que as pessoas precisavam daquela inspiração. E Watch The Sun sou eu processando a pandemia. Fala sobre como eu estava vivendo a pandemia”, pontuou.

Para PJ Morton, escrever durante a crise sanitária foi um processo de autoanálise. A perda de pessoas próximas e toda a transformação da dinâmica social exigiram dele resiliência e, também, algum tipo de esperança. E, ao se agarrar a essa visão otimista, ele criou músicas que irradiam essa ânsia por vida, por estar junto, por sonhar. O título, tirado da música homônima em parceria com o cantor de reggae Chronixx, é uma celebração ao porvir. “O álbum reúne os pensamentos que me fizeram atravessar a pandemia. Observar o sol me deu esperança porque, mesmo que não parecesse, saber que o sol nasce e se põe todo dia me dava a perspectiva que, ainda que estivéssemos vivendo o momento mais sombrio, em algum momento iria clarear. ‘Be Like Water’ eu escrevi para mim, dizendo para parar de lutar contra a falta de perspectiva e tentar transformar esse momento em que não podia fazer nada e tentar entender o que isso tudo significa, a razão de estar aqui, crescer. São músicas sobre o que eu estava sentindo durante a pandemia, mas sempre pensando no final dela, em como vamos sair dela; porque vamos sair. Estamos em um momento estranho agora, mas vai melhorar. Era essa a positividade e a esperança que eu tinha”, reforçou.

Watch The Sun é sobre o que eu estava sentindo durante a pandemia, mas sempre pensando no final dela, em como vamos sair dela; porque vamos sair”

Para ele, a celebração da vida existe, inclusive, no contexto da morte. Sua criação cristã e a tradição da música gospel reforçam a importância de agradecer e de encontrar forças na comunidade, no luto coletivo, mas também na solidariedade. Reflexivo, Watch The Sun é também catártico, com letras sobre abraçar o insólito, investigar a complexidade do amor e dos relacionamentos e navegar por tempos turbulentos com fé na vida, para além do sentido religioso.

Com o processo de lançamento do álbum já finalizado, os próximos meses serão intensos na estrada. Além dos shows para divulgar Watch The Sun, PJ Morton também tem agenda cheia com o Maroon 5. O cantor, compositor e produtor adiantou que, com o novo disco, se inspirou nos sets de DJs e pensou em uma estrutura fluida, já visualizando como elas iriam soar no repertório ao vivo.

E, como na maioria dos seus projetos, PJ conseguiu reunir nomes de peso da música negra norte-americana, entre eles seus ídolos Stevie Wonder e Nas, que aparecem na faixa “Be Like Water” (“Nem nos meus sonhos mais loucos achava que juntaria Stevie Wonder e Nas em uma música”, disse na entrevista), Jill Scott e Alex Isley, em “Sill Belive”; El DeBarge, em “On My Way”, uma homenagem ao r&b dos anos 1980; Wale, em “So Lonely”; JoJo, em “My Peace”, entre outros. Além de um excelente instrumentista, produtor e compositor, Morton também brilha como intérprete nas faixas e os convidados conseguem sempre adicionar camadas interessantes às músicas, que, em conjunto, transitam por diferentes vertentes da música negra estadunidense. Ele reforçou que, ao compor uma música, nunca pensa com antecedência nas parcerias, pois acredita que, muitas vezes, adicionar outro intérprete na faixa se torna uma muleta para os artistas e não adiciona à canção.

“É muito comum as pessoas acharem que chamar um grande nome vai fazer as pessoas prestarem atenção para a música, mas o material não é bom – e eu odeio isso. Sempre faço a música sem pensar em ninguém e, quando termino, ouço e penso em quem se encaixaria nela e levaria a canção para outro nível. Não é um processo personalista, não é sobre colocar meus amigos – é literalmente sobre descobrir qual voz serve melhor à música. Por isso é tão orgânico. Não poderia estar mais feliz com esse álbum porque todos os colaboradores se encaixaram como uma luva. Esse álbum é uma realização para mim”, reforçou.

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ARTISTA: PJ Morton