Por Dentro da Academia de Sonhos

Trio britânico The Dream Academy é um dos grandes tesouros perdidos dos anos 1980

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Os anos 1980 tem um número imenso de bandas maravilhosas que nunca tiveram o sucesso merecido. Para cada cena de Bono Vox se esgoelando nos estádios ou clipes neo-psicodélicos de The Cure, um sem número de artistas de valor tentava um lugar ao sol, sobretudo na Inglaterra. Alguns chegaram a colocar algum single nas paradas de sucesso mais alternativas, outros nem isso e, claro, uma quantidade absurda de gente talentosa ficou pelo caminho nessa corrida pela visibilidade. O trio londrino The Dream Academy surgiu com uma ideia bastante diferente da maioria e, mesmo que tenha feito algum ruído na mídia, encerrou suas atividades após o terceiro disco. O que Nick Laird-Clowes, Kate St.John e Gilbert Gabriel tinham em mente era misturar Folk britânico (sobretudo Nick Drake) com molduras sonoras do então moderníssimo Pós-Punk, mas com espaço suficiente para influências externas, tanto de Pop clássico ou mesmo de World Music. Sim, o trio era ambicioso.

Tive um pequeno impacto quando vi o clipe de Indian Summer em algum momento de 1988. O título, conhecido aqui como “veranico” ou “verão fora de época”, ilustrava um romance que findava com o próprio verão, numa daquelas tão belas analogias entre a estação mais quente do ano e tudo o que queremos que aconteça nela. Versos belos, arranjo econômico, instrumental não-convencional, tudo apontando para algo realmente novo e interessante. Após alguma pesquisa (lembrem-se, era 1988), descobri que a canção estava no segundo disco deste trio inglês. Eu jamais ouvira falar em The Dream Academy, mas encontrei o LP à venda por aqui sem muita dificuldade e me aprofundei para descobrir quem eram essas pessoas. Nick Laird-Clowes já passara por algumas outras formações ao longo dos anos 1970 e ficara amigo de ninguém menos que David Gilmour, guitarrista e cantor de Pink Floyd. Nick encontraria Gilbert Gabriel nessas idas e vindas em bandas e grupos com duração limitada. Os dois conversaram e viram que havia bastante em comum entre as ideias musicais de ambos. O desejo era de montar um grupo com instrumentos pouco convencionais para a época (1982/83), adicionando flautas, metais, cordas e percussão aos já tradicionais sintetizadores, tão comuns então. Nick conheceria Kate St.John em uma festa e a convidou para integrar a banda. Após mudarem o nome de Politcs Of Paradise para The Dream Academy, os três estavam prontos.

A banda batalhou nos subterrâneos londrinos por dois anos até ser contratada pela Warner. Quando o sinal verde para o primeiro disco surgiu, Laird-Clowes lembrou de Gilmour para produzir o álbum. Como Pink Floyd estava em suspenso, o guitarrista aceitou o convite. Decidiram que o primeiro single seria uma canção cujo título era Life On A Northern Town, uma espécie de homenagem a Nick Drake. A letra não dava qualquer pista sobre isso, uma vez que a narrativa tratava de uma cidade americana, mencionando ícones culturais de lá, como Frank Sinatra e o Presidente Kennedy, com a ação situada em 1963, em plena Beatlemania. A homenagem a Drake estava no terreno do subtendido e das coincidências da vida, uma vez que Laird-Clowes comprara o violão que Drake empunha na capa de seu segundo disco, Bryter Later, de 1970. O conceito de Life On A Northern Town é sobre isso, uma homenagem não literal, mas, digamos, “de espírito”.

A canção fez um sucesso inesperado e levou a banda aos Estados Unidos quando o álbum foi lançado. Batizado com o nome do trio, o disco ainda teve em Edge Of Forever outro sucesso, que foi parar na trilha sonora do clássico filme Curtindo A Vida Adoidado. Com participações especiais do próprio David Gilmour nas guitarras, do percussionista Luis Jardim (R.E.M., Peter Buck e do baixista Pino Palladino, o primeiro trabalho de The Dream Academy apontava para um futuro promissor. Passaram o ano de 1986 na estrada e entraram em estúdio em 1987 para gravar Remembrance Days. Como Gilmour já estava envolvido com a produção do álbum de retorno de Pink Floyd, Momentary Lapse Of Reason, o trio convocou o produtor de Police e Genesis, Hugh Padgham para chefiar o estúdio, ao lado de Nick. Também vieram Lindsey Buckingham (Fleetwood Mac), JD Souther (compositor e parceiro de Eagles), Jerry Marotta, Patrick Leonard (o compositor de Like A Virgin e Like A Prayer, da Madonna), entre outros. O primeiro single foi justamente a canção cujo clipe me impressionou tanto em 1988. Indian Summer tinha estrutura bastante semelhante a Life On A Northern Town, incluindo o mesmo refrão “africano”, com percussão e cânticos. Mesmo que houvesse canções belas como Hampstead Girl, Ballad In 4/4 e In Exile, o segundo trabalho não conseguiu repetir o mesmo êxito da estreia.

O terceiro – e último – disco do trio veio em 1990 e trouxe um inesperado sucesso, pelo menos no Brasil: a cover de Love, de John Lennon, envolta por beats dançantes e instrumental indiano. Era a primeira e única incursão do trio no terreno da música para dançar e mascarava o restante do álbum, cheio de mais belezuras Pop, com climas, ambiências, vocais, instrumentais diáfanos. David Gilmour voltara ao posto de produtor e, além de tocar em várias faixas, compôs a bela Twelve-Eight Angel, uma canção Pop perfeita que lembrava os melhores momentos de gente como Tears For Fears e Simple Minds. No ano seguinte, a banda se desfez amigavelmente, diante da aparente incapacidade de fazer sucesso.

Kate St.John e Gilbert Gabriel seguiram carreira como músicos de estúdio e são bem requisitados. Nick reuniu-se a Gilmour na composição e produção do último disco de Pink Floyd, The Division Bell (1994), e lançou um disco em 1999 sob o nome Trashmonk, chamado Monalisa Overdrive. Mais recenemente, ele se envolveu na produção de trilhas sonoras para o cinema, assinando a música do belíssimo About Time (no Brasil, Questão de Tempo), filme do diretor britânico Richard Curtis, o mesmo de Simplesmente Amor.

The Dream Academy permanece como um tesouro bem guardado dos anos 1980. A gravadora Edsel vai lançar em outubro uma bela coletânea dupla, chamada Morning Lasted All Day, com faixas inéditas, fotos, notas e tudo mais que a banda merece. Altamente credenciada para uma generosa redescoberta.

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MARCADORES: Redescobertas

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.