Por que The National É Tão Amado?

Entramos nas questões estéticas e musicais de um dos grupos mais emocionantes de se ouvir e chegamos a uma conclusão

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O que determina que uma banda seja amada ou querida? Músicas de qualidade estão sempre em pauta e a simpatia de seus integrantes também pode ser um fator considerado, mas e a carga emocional que uma experiência sonora pode te trazer? Aquele sentimento que muitas vezes parecia estar escondido e que eclode quando um verso é proferido, te levando cuidadosamente a um momento distante e saudoso, na minha opinião, é o que realmente me conecta a música. É o elemento orgânico que mais me chama atenção em composições e, sim, uma canção que me faça dançar me cativa igualmente, entretanto sempre estará ligada a um instante pontual, à curtição daquele momento. Por isso que eu me vejo constantemente voltando ao som de The National, uma das bandas mais tocantes da música atual.

Chamar de atual é simplesmente se ater ao fato de que o grupo está em atividade e ainda realiza shows, mas a verdade é que ele já está na cena musical há pelo menos 15 anos – seu primeiro disco, The National, é de 2001. No entanto, tivemos no ano passado mais uma vez a chance de nos depararmos com uma obra que parece tocar no lado oculto do seu ser, forçando até o mais gélido dos corações a se despedaçar com a intensidade musical proposta. Foi assim que mais uma vez eles nos prenderam pelos ouvidos no pessoal Trouble Will Find Me, disco emotivo que, como sempre, a voz barítona de Matt Berninger nos proporcionou, mas que ainda assim é extremamente doloroso. O que cativa no som da banda? Um fator evidentemente é o seu corpo sonoro envolto em músicos vibrantes que conseguem transpor seus sentimentos através de seus instrumentos e coincidi-los com a teatralidade de seu vocalista, criando verdadeiros contos orquestrados de forma bela. Outro fator é, entretanto, a capacidade dos versos cantados serem facilmente adaptados a ouvintes e situações. Mas como assim?

Muitas vezes, nos identificamos com uma letra porque ela nos remete momentos especiais: o primeiro beijo, a festa que você aproveitou com seus amigos ou um relacionamento. A verdade é que todos nós sofremos por amor de uma forma ou de outra, seja pela eterna busca de uma paixão ou pela constante insatisfação com o que temos. Dificilmente, e isso é minha opinião sincera, conseguimos realmente nos dar por satisfeitos em um mundo constantemente mutável. O amor é líquido, por isso que nos desprendemos e nos aproximamos tão repentinamente em uma rede de relações em que podemos nos movimentar e nos apaixonar rapidamente. E o que isso tem a ver com a banda? As letras de Matt sempre abordam de uma forma ou de outra a saudade e o término de um romance, mas sua forma emotiva de cantar cada verso aliada a seu estilo trovadoresco de contar suas histórias acabam colocando o ouvinte em um papel misto. Este acaba se identificando com a letra independente da situação, seja ele o agente do término ou quem sofreu essa ação de outra pessoa.

A abordagem pode ser ainda mais ampla quando usamos a maior obra do grupo, High Violet de 2010. Podemos considerar este disco responsável por amplificá-lo para outros lugares, sendo muito elogiado por fãs e críticos na época em que foi lançado. Nele, podemos constatar o fato curioso e confuso entre como interpretamos suas letras e o que elas realmente querem dizer. Como na épica abertura abertura de Terrible Love, em que Matt diz, em meio uma percussão trovoada de sua bateria, “It takes a ocean not to break”. Existe uma imensidão para seu amor não se desfazer, mas nunca sabemos se alguém nos está dizendo isso ou se é uma conclusão de nosso própria consciência. A voz grave dele é propícia para nos deixar confusos, pois, ao mesmo tempo em que sentimos o som de seus instrumentos, Matt parece sair de dentro de nossa cabeça, como uma voz interna que consultamos em grandes decisões. Este fantasma surge de novo em Anyone’s Ghost, na qual o mesmo afirma que não quer ser essa “consciência”: “Didn’t want be your ghost, didn’t want be anyone’s ghost”. E isso percorre a obra completamente. Saudades de casa, amores frágeis, o questionamento da fé – tudo isso existe em suas palavras e na instrumentação teatral. A verdade é que independente de como interpretamos as letras, existe sempre um diálago entre a banda e o seus ouvidos, seja ele direto como se Matt estivesse diante de você ou de forma indireta através dessa “voz interna”.

Em This is the Last Time de Trouble Will Find Me, ele canta “Jenny I am in trouble Can’t get these thoughts out of me Jenny I’m seeing double I know this changes everything”. Você não consegue distinguir de onde vem o sofrimento e logo se prende a toda a intensidade desta música extremamente bem construída. Quando svê, se não está sofrendo por um amor acabado, começa a sofrer por pensar se realmente ama a pessoa. É ambíguo, adaptável e bonito perceber como podemos nos identificar com uma música de acordo com uma situação.

Mas, leitor, você pode muito bem dizer que cada pessoa consegue capturar o que canção passa de acordo com o seu momento de vida, a situação em que a escuta e o local. E sim, este “determinismo musical” pode ser aplicado a qualquer artista ou música, no entanto é dificil não ficar tocado quando se escuta The National. Todos os elementos da banda e como os próprios músicos se adaptam as suas faixas, trazendo vibração e intensidade como poucos, ao mesmo tempo em que cantam palavras tão relacionadas ao coração, acabam colocando-os como cantores de Blues modernos, proferindo as suas mazelas, seus desejos e a eterna insatisfação amorosa, algo que dificilmente não toca o ouvinte.

Agora, como lidar com um show do grupo? Com todos os músicos e a percepção de que o sentimento é ainda mais verdadeiro ao vivo? Apresentações, como as nos festivais Primavera Sound de Barcelona e Porto, devem certamente cativar mesmo aqueles que vão ao evento em busca de outros sons. E antes que você possa generalizar a música do grupo, o chamando de depressivo e “pra baixo”, lembre-se que muitas vezes é bom se soltar, se libertar de seus preconceitos e se entregar a música. A emoção faz parte da vida e não o torna frágil, somente consciente de que é importante entender os seus sentimentos, e poucos grupos conseguem unir a capacidade lírica e instrumental em um só pacote perfeito para te fazer emocionar e aproveitar aquela doce melancolia que nos afeta sem percebemos, que nos atinge quando menos esperamos. Ao meu ver, por isso que uma banda pode ser tão querida, por se relacionar de forma tão verdadeira com quem a escuta, e The National faz isso como poucos, pelo menos na minha humilde opinião. Dê uma chance para se entregar a este som, da mesma forma que os músicos da banda fazem em relação ao seu trabalho, e você certamente não irá se arrepender.

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Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.