Que Blur É Esse?

Como está o quarteto inglês às vésperas do lançamento de “The Magic Whip”

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Estamos a poucos dias de um evento que aconteceu pela última vez há doze anos, o lançamento de um álbum de inéditas do quarteto londrino Blur. Você lembra, o derradeiro registro da banda em estúdio foi Think Tank, um álbum que tem seus fãs mas que, no geral, significava que o grupo havia estourado sua cota de relevância e originalidade. Os tempos eram outros, sabemos que o início dos anos 2000 eram inóspitos para qualquer formação sobrevivente da década anterior. Para cada milhar de gente ouvindo novíssimos trabalhos de gente como The Strokes, The White Stripes e congêneres, talvez uma solitária alma ainda se interessasse pelo que dinossauros precoces teriam a dizer. De qualquer forma, após o lançamento daquele que era o sétimo disco de sua carreira, Blur deu um tempo, fechou pra balanço, separou escovas de dente ou qualquer outro eufemismo que servisse para “ok, paramos, não aguentamos mais continuar”.

Olhando para o início dos anos 1990, é possível perceber que banda legal era Blur. Em cerca de quinze anos houve tempo para imprimir uma marca sonora bastante característica, que, no entanto, variou significativamente ao longo deste período. A banda migrou do flerte com o Rock dançante do início da década, indo à aurora do Britpop como protagonista daquela sonoridade híbrida de tradição com modernidade, encontrando espaço nos anos seguintes para flertar com o Rock alternativo americano de gente como Pavement e Guided By Voices, chegando ao início do milênio com um pé pesado na eletrônica. No meio desse caminho gravaram ao menos dois clássicos da música Pop do período, Modern Life Is Rubbish (1992) e Parklife (1994), quando estavam, justamente, definindo o ideário britpopper. Além disso, realizaram mais dois álbuns muito acima da média, The Great Escape (1995) e Blur (1997) e entraram até na abertura do saudoso game Fifa 98 com sua incendiária Song 2, mantendo-se (ainda que por pouco tempo) relevantes quando todas as formações do Britpop sumiram como dinossauros depois do asteróide.

O grande barato da banda sempre foi a interação entre seu vocalista Damon Albarn e o guitarrista nerd extraordinário, Graham Coxon. Oriundos da mesma região de Essex, na periferia de Londres, ambos tiveram a chance de frequentar bons colégios e a famigerada escola de arte, na qual deram asas à imaginação. Começaram como Seymour em 1989, mudaram de nome no ano seguinte e soltaram um álbum de estreia surpreendentemente bem sucedido, chamado Leisure, em 1991. Coxon e Albarn são figuras opostas, mas que sempre funcionaram como irmãos de pensamento. Suas ideias foram complementares enquanto a banda teve algo de concreto a oferecer. De nada adiantaria a visão arejada de Albarn em relação à música Pop mundial – algo que ele cultiva desde muito tempo – se não houvesse um contraponto guitarreiro/punk acima de qualquer suspeita em Coxon. Os dois integrantes restantes, Dave Rowntree (bateria) e Alex James (baixo), apesar de importantes na sedimentação da sonoridade ora rascante, ora elaborada das canções do grupo permaneceram discretos ao longo do tempo.

Era a aurora do ano 2000 quando Albarn resolveu formar Gorillaz, um projeto paralelo com o artista Jamie Hewlett e mais uma penca de convidados, dando vida e som à uma banda de personagens desenhados, era certo que Blur perderia em popularidade, pelo menos naquele primeiro momento. Engraçado que Graham Coxon, àquela altura, já ostentava uma carreira paralela como guitarrista e vocalista solo desde 1998. Mesmo assim, descontente com o surgimento do projeto do amigo, Coxon deixou as gravações de Think Tank enquanto ainda ocorriam. O trio restante precisou segurar as pontas e soltar o álbum, que já antecipava o hiato que se seguiu. Coxon seguiu sua carreira solo enquanto Albarn aumentou o número de projetos paralelos. Visitou a música do Mali em 2002, gravou com colaboradores de peso como Tony Allen e Paul Simonon (ex-The Clash) sob o nome The Good The Bad & The Queen, em 2006 e um álbum solo no ano passado. Alguns anos antes, entretanto, Blur dera sinais de que um retorno estava por acontecer.

Foi especificamente em 2009, quando a banda se reuniu para uma turnê extensa pelo Reino Unido. A cordialidade entre Albarn e Coxon se restabelecera, mas a química criativa de antes ainda era um desafio, uma vez que o grupo não pretendia retornar ao estúdio tão cedo, aproveitando o surto de nostalgia e mergulhando fundo no repertório do passado. A posição emblemática de atração principal do Glastonbury daquele ano provou o tamanho da importância de Blur para a música da Velha Ilha. O grupo sucedeu então uma bem sucedida incursão pelo passado, realizando um belo documentário sobre as origens e o sucesso da carreira, No Distance Left To Run, realizado em 2010. Junto e lançado em DVD, além de dois álbuns duplos ao vivo, gravados nos dias 03 e 04 de julho, contendo a íntegra dos shows realizados no Hyde Park, as primeiras apresentações da banda em sete anos. Junto com o filme, mais uma surpresa: a primeira canção inédita da banda em anos, Fool’s Day, que saiu como um single de curta tiragem para as comemorações do Record Store Day daquele ano. Dois anos depois, Albarn, Coxon, Rowntree e James estavam relançando todos os álbuns de sua carreira em versões duplas, cheias de faixas alternativas, empacotados numa caixa sensacional, chamada Blur 21. Além dos discos, 4 CD’s e 3 DVD’s de material inédito e ao vivo, bem como duas outras faixas inéditas, Under The Westway e The Puritan. O horizonte parecia mais próximo quando Blur foi convidado para encerrar as comemorações pelas Olimpíadas de Londres num enorme concerto no Hyde Park, que forneceu material para Parklive, em CD/DVD duplos, que documentaram o show com detalhes. Desde então, Blur está na estrada.

Em meados de 2013 a banda se viu com um problema. Ao se deparar com o cancelamento de shows no Japão, os quatro sujeitos precisaram passar cinco dias em Hong Kong aparemente sem qualquer compromisso. Aproveitaram uma vontade antiga e entraram no estúdio para colocar em prática algumas ideias que vinham coçando em suas mentes. O resultado foi surpreendemente bom, causando uma segunda reunião, já em 2014, da qual participou o produtor Stephen Street, responsável por cinco dos sete álbuns gravados pela banda até então. Aos poucos e em pouco tempo as notícias davam conta de que o sucessor de Think Tank estava em gestação, até que o ano de 2015 se iniciou com a certeza de que The Magic Whip, o novo trabalho, era uma realidade esperando por acontecer. A data foi marcada para 27 de abril e já entramos na expectativa, que só foi aumento à medida que a banda soltava algumas canções novas, caso de Go Out, Lonesome Street e There Are Too Many Of Us, que já foram preparando o mundo para o novíssimo disco.

A versão 2015 de Blur é mais comedida que a banda irreverente e inteligente dos anos 1990. Não há algum caminho a desbravar ou nova tendência musical a se criar, mas é possível que o novo álbum traga o equilíbrio entre a criatividade de Coxon e Albarn como colegas, profissionais, deixando de lado as afinidades do passado. Por outro lado, é de se aguardar a interação das influências adquiridas nos últimos tempos, nos quais Albarn deu asas à imaginação e pos em prática alguns dos projetos mais interessantes da música Pop. Enquanto isso, Coxon permaneceu ativo e lançando álbuns com regularidade. Podemos afirmar que, por pior que seja, The Magic Whip já é um dos grandes acontecimentos musicais deste ano e falta pouco para ele ser lançado (27 de abril). Aguentem!

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ARTISTA: Blur
MARCADORES: Redescobertas

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.