Redescobrindo os anos 1980: 5 reedições do Captured Tracks

Casa de Beach Fossils e Wild Nothing, selo nova-iorquino expande seu catálogo com lançamentos de raridades oitentistas – da pioneira Linda Smith, passando pelo breve e intenso Bona Dish, até o OXZ, precursor do Punk japonês

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Fotos: Reprodução

Quem já é fã do catálogo contemporâneo do selo Captured Tracks não vai se arrepender de escutar os discos relançados pela label do Brooklyn. Frustrado com a sua experiência em bandas, o músico e pesquisador estadunidense Mike Sniper fundou a CT em 2008 na expectativa de lançar os próprios discos. Em menos de cinco anos, tornava-se referência de uma nova leva de artistas Indie despontando na cena: DIIV, Beach Fossils, Wild Nothing, Mac DeMarco, entre outros. Com pouco mais de 10 anos no mercado, a label segue consistente nas apostas, e hoje cuida da carreira de artistas como as cantoras norte-americanas Becca Mancari e Molly Burch, e a banda espanhola Mourn.

Já em 2014, Sniper apresentou o grupo Omnian Music Group com sete labels, entre elas a 2MR, focada em música eletrônica, e a Flying Nun, fundada em 1981 na Nova Zelândia por Roger Shepard, dono de loja de discos. Em paralelo ao trabalho com bandas contemporâneas, o curador nunca deixou de pesquisar o passado, especialmente o que acontecia na década de 1980. A lista de reissues conta com mais de 30 bandas, muitas delas pouco conhecidas pelo público. Conheça cinco relançamentos que redescobrem talentos dos anos 1980:

Linda Smith: Till Another Time: 1988-1996

Nos Estados Unidos, Linda é conhecida como uma das pioneiras nas gravações caseiras. Nascida em Baltimore, cresceu com a influência de bandas como The Beatles e The Raincoats, e começou a compor no final dos anos 1970. Na década seguinte, em Nova York, enquanto tocava guitarra na banda The Woods, também criava as suas ideias em casa. Em 1986, comprou o gravador em fita cassete Fostex X-15,e passou a registrar suas músicas para um pequeno círculo de apreciadores. Suas faixas Lo-Fi são inspiradas no Pós-Punk e na New Wave, misturadas com Indie Pop e Bedroom Pop. A sua obra foi revisitada em março deste ano na coletânea Till Another Time: 1988-1996, com 12 faixas lançadas originalmente em cassetes, CDs e vinil, mas todo o seu catálogo está disponível para escutar online.  “Diria que, como uma das primeiras mulheres a gravar a própria música nos primórdios dos home studios, me sentia uma raridade e me perguntava porque outras mulheres não compravam equipamento”, comentou Linda em entrevista ao fanzine Woman In Sound, em 2015. A artista parou de fazer música no início dos anos 2000 para se dedicar às artes visuais, mas até então, havia participado de outras bandas como The Silly Pillows, The Window Shoppers e Yours Truly.

 

Strum & Thrum: The American Jangle Underground 1983-1987

Para estrear a série Excavations do selo – na qual irão lançar músicas esquecidas entre 1970 e 1990, mas que possuem conexão estética com o catálogo da label – a Strum & Thrum fala de uma época específica. Lançada em novembro de 2020, a coletânea joga luz no Indie Rock produzido no circuito universitário em um período meio esquecido da música estadunidense. Em entrevista ao site Aquarium Drunkard, Mike Sniper, fundador da Captured Tracks, explicou a curadoria: “considero este período como um buraco negro porque haviam poucas coisas rolando, mas quis mudar essa narrativa. Escolhi 1983, o ano em que o Pós-Punk tinha acabado, e 1987, quando o Indie Rock começa a acontecer com a Matador, K Records, Guided by Voices e Yo La Tengo”. O projeto trouxe 28 bandas pouco conhecidas do Jangle Pop: músicas com som marcante de guitarra, melodias divertidas e um certo flerte com o som dos anos 1960.

OXZ: Along Ago: 1981 – 1989 

Formada no início dos anos 1980 em Osaka, o trio de Punk Rock fundado pelas amigas de colégio Mika (vocal/guitarra), Hikko (baixo) e Emiko (bateria) não resistiu à mudança de década e se separou em 1989. O catálogo do grupo foi relançado em março de 2020 na coletânea Along Ago: 1981-1989, são 19 músicas de três EPs, singles e demos inéditas. Desafiando os estereótipos da época, pois havia pouquíssimas bandas formadas por mulheres no underground japonês, são reconhecidas como pioneiras. Outra exceção é o quarteto Shonen Knife, ainda na ativa, entretanto, por mais que elas se conhecessem, as referências não eram as mesmas. Quem fazia a cabeça do trio eram nomes como Siouxsie and the Banshees, Patti Smith, The Clash, Sex Pistols, entre outros. O resultado não foi intencional, mas acabou sendo Punk, como Emiko explicou à revista i-d no ano passado: “Não gostava da disciplina. Era proibido pintar o cabelo, todo mundo usava o mesmo corte e o mesmo uniforme, todo mundo com o mesmo look. Cresci com meus pais vanguardistas, então comecei a descolorir com 14 anos”.

Bona Dish

O quarteto de Harford, na Inglaterra, foi formado em 1979 pelos irmãos Steven Chandler (guitarra) e Shelford (bateria), e suas respectivas namoradas, Julie Devine (baixo e vocais) e Jo Bell (vocal). Os músicos já haviam participado de bandas de Pós-Punk, mas unidos pelo amor à música e inspirados pelos shows que frequentavam, decidiram criar as próprias composições. Na época, o famoso radialista britânico John Peel chegou a tocar a faixa “Actress” em seu programa na BBC, mas o grupo não decolou. Na última década, os fãs de música colocaram algumas tracks da banda online, então em 2013, veio o relançamento em forma de coletânea. As 14 músicas de The Zaragoza Tapes: 1981-1982 falam sobre as angústias da juventude da era Tatcher, sexualidade e feminismo. Nos primeiros anos da década de 1980, as duplas gravaram dois mini álbuns em cassete com apenas 500 cópias de cada. Durante uma viagem no inverno, o grupo ficou preso no aeroporto da cidade espanhola de Zaragoza e, com o tempo livre, os integrantes permaneceram em um bar, que permitiu que eles escutassem a própria música – ou seja, colocar as fitinhas da banda para tocar. As memórias do ocorrido batizaram o lançamento como uma homenagem a esta época nostálgica. “A gente tentava fazer músicas simples na linha das nossas bandas favoritas – The Velvet Underground, The Supremes, The Fall, PIL… Felizmente, nós fizemos parte de uma geração que organizava shows e festas com bandas locais. Tivemos várias oportunidades para tocar, mas nunca deixou de ser algo íntimo”, lembra Steven em entrevista ao jornal espanhol Heraldo de Aragón.

 

Saäda Bonaire

Formado em 1982 na cidade de Bremen, na Alemanha, o grupo foi idealizado pelo DJ Ralf Behrendt, ao lado das modelos e vocalistas Stephanie Lange e Claudia Hossfeld. O trabalho foi gravado no estúdio N, do Kraftwerk, por 20 músicos de diferentes nacionalidades e estilos musicais – Punk, Jazz, Disco e Kraut. Nascido em Barbados, o produtor e guitarrista de Reggae Dennis Bovell acompanhou o processo. “Não era sobre moda ou estilo, a dupla buscava um objetivo: música Pop dançante, inteligente, com combinações de sons de culturas diferentes (Caribenha e Arabe) e letras sobre relacionamentos lésbicos”, escreveram no site na banda. Após registrarem as faixas, a gravadora desistiu de lançar o material e o trabalho ficou na gaveta até 2013. Criado como um projeto de arte experimental pelo trio, a banda realizou apenas um disco, mas o seu status de cult foi construído ao longo das décadas. A música “You Could Me More as You Are” foi lançada como single e se tornou um “santo graal” dos DJs europeus. Em janeiro deste ano, a cantora Stephanie Lange participou da faixa “Puissance Femme”, do EP PrimaDonna vol.1, novo trabalho da banda Moodoïd, liderada pelo músico francês Pablo Padovani.

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