Remix é Ferramenta Preciosa para a Música de Hoje

Bandas como Portugal. The Man sabem utilizar o recurso a seu favor

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Falemos sério: o remix é algo que faz parte das nossas vidas de escutadores de música, certo? É difícil pensar num mundo sem ele. Mas, é claro, assim como um mundo sem a roda, o smartphone e a penicilina, já houve um planeta Terra sem remix. Tempos áridos e estranhos, eu diria. É engraçado como esse tipo de produção artística – o remix é, sim, um produto artístico em essência – se naturaliza com o tempo. No caso em pauta, o conceito é tão amplo e gentil que se espalha para outras áreas da arte na rapidez da produção de informações que vão se tornar conhecimento em algum ponto do futuro. Dessa forma, tudo que seria remanejado, remexido, refeito, de forma pouco detida ou dedicada se torna “remix”.

Enquanto batuco as teclas, ouço uma belezura de canção do ano passado, Feel It Still do grupo norte-americano Portugal The Man. É dançante, tem um arranjo que brinca com criações do Pop sessentista, um climão de trilha sonora de filme de espionagem, em suma, um pequeno docinho auricular. Ao dar uma olhada no Spotify, vejo que o grupo lançou nove versões da música, remixes feitos por outros artistas, que modificam arranjos, andamento, abordagem, mas que preservam a essência da canção, mantendo os elementos básicos – letra, melodia – para que possamos reconhecê-la. Essa prática é essencial para o Pop atual, uma forma de renovar e manter a esteira da criatividade funcionando. Engana-se quem pensa que essas recriações são muito diferentes de fazer uma obra “original” ou “nova”. Remixar seria então encontrar novas nuances, explorar novos aspectos e dar novos significados para a música, certo? Sim. Assim como o uso do sampler, o remix é uma das armas mais poderosas para ampliar o escopo de uma canção e, usando um termo apropriado, fazê-la ter até novas vidas em outros lugares.

O remix surgiu nos anos 1970. Era uma ferramenta da gravadora, utilizada para vender alguma canção que estivesse no topo das paradas. Claro, nem todo tipo de música era própria para isso. Na verdade, o remix é mais uma instância da música popular vinda de baixo, de guetos negros e marginais em relação à sociedade, que buscavam formas baratas de prolongar o sucesso de algumas canções. Era mais fácil entrar no estúdio e mexer em elementos ritmicos da criação, em vez de pagar músicos e técnicos para uma nova gravação. Sendo assim, o remix seria equivalente a uma versão, uma nova gravação, detendo aí o percentual de novidade que lhe concede o status artístico que muita gente teima em desmerecer. Então, lá nos anos 1970, as canções que faziam sucesso nas pistas de dança da Disco Music começaram a ganhar versões maiores, de modo a fazer com que seu fim demorasse cada vez mais tempo para chegar. Eram gravações de dez minutos de duração, com partes longas de instrumental, loopings, partes com alguns instrumentos e sem outros, enfim, era curto o alcance que a tecnologia da época proporcionava para os produtores.

Com o tempo e a incorporação da música Eletrônica, tudo isso se ampliou e os anos 1980 abriram as porteiras para a naturalização do remix, chegando, aos poucos, no que temos hoje em dia. Gente que ouvimos e gostamos, seja do Rock, do Pop, do Hip Hop, da música eletrônica, todo mundo ama um remix e se vale dele como uma importante ferramenta comercial. Claro, há o lado mau disso. Como é mais simples em termos logísticos e isso só aumenta com o uso da tecnologia, o remix é, de fato, uma muleta nas mãos de gente pouco talentosa. São inúmeros os exemplos de artistas e produtores que são acusados de indigência criativa e ainda maior o número de DJ’s “de pendrive”, que sobem ao palco com um setlist preguiçoso, feito sob medida para uma audiência que não tem muito compromisso com o que ouve, mas com o fato de estar presente em algum lugar.

A verdade é que o remix já é quarentão. Deve ser encarado por suas virtudes e não por seus maus usos nas mãos dos espertalhões. E como é algo democrático por natureza, é apropriável por todo mundo. Em dias atuais, vemos qualquer um remixando qualquer um, além das participações especiais, versões, enfim, tudo amarrado num complexo emaranhado de alternativas que, bem ou mal, se colocam à nossa disposição para que as filtremos. E é nisso que a gente insiste por aqui: ouvir o que nos interessa, que nos toca, que nos leva para onde queremos ir, seja qual for a direção. O remix nosso de cada dia, comum, habitual, tem parte nisso.

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MARCADORES: Remix

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.