Reprocessando Secos e Molhados com Primavera nos Dentes

Projeto lança disco com releituras de mitológico grupo dos anos 1970

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Fotos: Kaio Caiazzo

Diz o manual nunca escrito da música Pop: se alguém resolve gravar uma canção já registrada com sucesso por um artista, que faça diferente. Não faça como se quisesse imitar a primeira gravação. Esperamos que esta máxima do bom senso esteja nos planos do novíssimo projeto Primavera nos Dentes, que se prepara para lançar um álbum no qual regrava várias canções do grupo Secos & Molhados. Chama a atenção a presença de um nome envolvido com a divulgação da obra do grupo para novos ouvintes, especialmente a partir dos anos 1990: o baterista e pesquisador musical Charles Gavin. Para quem está acostumado a vê-lo à frente do ótimo programa Som do Vinil (que vai ao ar às sextas-feiras, 21:30h, pelo Canal Brasil), será interessante ver Charles impulsionando os ritmos que moverão os moinhos do projeto. Há mais de 20 anos, foi escolhido para comentar e participar da curadoria de um projeto de relançaria discos inéditos em formato digital, via CD “dois em um”. Os dois álbuns do trio paulista foram os primeiros a fazer parte.

Interessante notar os integrantes de Primavera nos Dentes. Paulo Rafael, nas guitarras (com passagens pela banda de Alceu Valença e no mitológico grupo Ave Sangria), Pedro Coelho, no baixo (tocou com Cassia Eller) e Felipe Ventura no violino e guitarra (Baleia, Xóõ). À frente dessa galera, nos vocais, uma das mais interessantes vozes surgidas no país nos últimos anos: Duda Brack. A pilotagem de estúdio fica por conta de Rafael Ramos, da gravadora Deck, que teria insistido em gravar o grupo em disco, uma vez que a ideia original era apenas tocar ao vivo, de forma esporádica. Não por acaso, o nome do projeto é homenagem direta e literal a uma das inúmeras canções sensacionais do primeiro álbum de Secos & Molhados.

A primeira gravação de Primavera nos Dentes é a do maior clássico do grupo: Sangue Latino. Ainda que possa soar como uma decisão mercadológica, optar por canção tão emblemática acena para a disposição em, de fato, modificar os arranjos e estruturas originais. O instrumental é esparso e tenso, vai sendo construído de forma bem diferente da gravação de 1973, sendo que a voz de Duda soa como o grande, imenso diferencial por aqui, mostrando que a ideia dos sujeitos passa realmente por uma reinterpretação, abrindo mão de qualquer traço que pareça herdado dos originais. Falta ouvir o restante do álbum, que sai em breve nos formatos digital e vinil.

Este tipo de iniciativa serve para oxigenar as noções que formamos ao longo do tempo sobre obras de arte que parecem intocáveis. Renová-las não é substituí-las e este exercício de novas abordagens pode revelar o potencial duradouro que músicas, filmes, livros e outras obras possuem em relação ao tempo. A letra de “Sangue Latino” e sua temática por liberdade de expressão, continua tristemente adequada neste Brasil de 2017.

O disco tem lançamento marcado para esta sexta, 18 de agosto.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.