Revisitando Meus Clássicos: Angela Ro Ro (1979)

“Eu era difícil. Uma preguiça, um pavor de me tornar famosa”; a cantora carioca rememora as histórias por trás de seu primeiro disco, composto (despretensiosamente) durante toda a década de 1970 e com hits como “Amor Meu Grande Amor”

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Fotos: Arquivo Pessoal

Revisitando Meus Clássicos é um quadro no qual os próprios músicos destrincham grandes álbuns e pérolas escondidas de sua discografia.

 

Angela Ro Ro teve um começo de carreira diferente do habitual. Enquanto a maioria dos artistas, na juventude, faz de tudo para mostrar seu trabalho e gravar o primeiro disco, a cantora carioca ficou quase 10 anos trilhando o caminho oposto: com composições prontas, recusava convites de gravação e fugia de possíveis shows.

“Não queria trabalhar”, ela conta. Acabou fazendo sua estreia em um estúdio por acaso. Por acaso ainda, foi no clássico Transa (1972), de Caetano Veloso, em Londres. Só viria a gravar o primeiro disco sete anos depois, em 1979.

Angela Ro Ro tornou-se um clássico. 40 anos depois, ela reconhece o valor do disco e brinca: “Deveria ter feito antes”. Mas diz que não mudaria nada e que ainda erra e acerta do mesmo jeito. Ela esmiuçou a década que compôs o disco em uma conversa divertida com o Monkeybuzz:

 

É seu primeiro disco, mas você já estava no meio musical havia quase uma década. Como foi esse período e por que levou esse tempo para gravar?

Na realidade, quando eu tinha 20 anos, em 1970, fiz uma apresentação no Teatro Vereda – não mais existente – aí em São Paulo. Dois showzinhos com um parceiro meu que morreu cedíssimo, Sérgio Bandeira, parceiro em “A Mim e a Mais Ninguém” [faixa 11]. Foi uma coisa cult, né? Alternativa. Desde então, tiveram interesse em mim. O público gostava, eu tocava alguma coisa no piano, tocava alguma coisa com a banda do Sergio Bandeira. Mas eu era difícil. Uma preguiça, um pavor de me tornar famosa… Então, eu fui pra Europa.

Logo depois?

Isso. Fui pra Europa porque todo mundo tava saindo mesmo. Aquela coisa da ditadura “Ame-o ou deixe-o”. Eu tinha uma turma do Arpoador que tinha gente famosa: [a atriz] Patrícia Travassos, Evandro Mesquita, eu, um monte de gente. A gente ia e colocava o rádio no crepúsculo, bem alto, ficava dois ou três carrinhos na praia. Os meninos do quartel – hoje em dia, é um parquezinho, mas ali era o quartel – ficavam encantados. Sabe? Se sentiam menos presos. Não só presos dentro daquela casinha de cimento, a guarita, mas presos a um treco, a um sistema de regime militar, obrigatório, ditatorial ao qual eles não queriam. Já imaginou servir o Exército naquela época querendo ser hippie? Querendo ter cabelo cumprido e tendo que estar dentro daquelas coisas ali, representando o mal da ditadura. Enfim, a gente pintou no paredão em frente ao quartel: “Por amá-lo, o deixarei”. Muita gente foi para os Estados Unidos, Califórnia, algumas pessoas Canadá, Havaí. E algumas outras foram para a Europa. Eu optei pela Europa, tinha feito uns cursinhos, uns quatro bons anos de inglês. Nunca tive nenhum interesse, engraçado, pelos Estados Unidos.

Nunca ligou?

Nunca pus os pés lá. Se me chamarem para trabalhar, numa hora que houver segurança de saúde, eu iria, com todo prazer, mas nunca fui. Parti direto para encontrar com gente de cinema que eu já conhecia. Desde nova, 19, 20 anos, eu era mascote do Cinema Novo. Conhecia Glauber Rocha, que me ouviu cantar naquelas rodinhas, adorou me conhecer. Então eu acabei virando uma privilegiada. Glauber foi pra Roma, onde ele tinha muitos conhecidos, porque Roma – não sei se hoje em dia ainda o é – era a Hollywood europeia, com a Cinecittà. E eu tinha uma namorada, que infelizmente também morreu aos 27 anos de acidente de automóvel aqui no Brasil. Ficamos nós três hospedados numa cobertura com triplex lá na Via del Corso, do Gianni Barcelloni, um produtor executivo da Cinecittà. Glauber tinha sempre compromisso de ir jantar e passar uns tempos com o pessoal lá em Cuba. Era proibido, ele partia de Paris ou de Roma para Cuba. Até da última vez eu falei: “Ah Glauber, que que você vive focado em Cuba? Deixa!” Eu era meio assim, alienadona.

Em que sentido?

Eu não era uma fútil, louca, leviana, não, mas não era engajada. A gente tava mais no paz e amor. Catava lixo na praia, sabe?

E, aí, foi para Londres?

Fui, de pouquinho em pouquinho. Me afastei da minha namorada… Me arrependendo sempre, porque eu gostava muito dela – um namorico, né? Não era nada sexual. Pra variar, era eu com as minhas broxadas. [risos] Eu era muito infantilóide pra minha idade, sempre fui muito infantil pra minha idade e, nesse ponto, eu era toda trancadona. Fui seguindo meu caminho, parei em Londres. Em Londres, eu mal cheguei, tinha o pessoal da Tropicália lá, que já tinham ouvido falar de mim. Eu já tinha tido um pinguinho de contato com algumas pessoas da Bahia. Então, Caetano sabia da minha existência, Gilberto Gil sabia da minha existência.

Foi aí que surgiu o convite para gravar o Transa?

Exatamente. Gil, que é caseiro, canceriano, falou: “Venha, tá aqui meu telefone, aparece lá em casa. No dia tal vai ter um monte de gente lá, por que você não aparece?”. Pensei: “Vou criar coragem, vou pra casa do Gilberto Gil, meu Deus”. Tava a mulher do Gil na época [Sandra Gadelha], que tinha tido neném, um monte de gente, tinha a Gal [Costa]. Mas as moças ficavam no andar de cima, eu me lembro, e eu fiquei com os garotos no andar de baixo. [risos] Porque tava Caetano, Gil, um inglês lá tocando dois, três violões, alguém fazendo uma percussãozinha. E vivia dentro da minha mochilinha uma flauta doce de madeira e uma gaitinha de blues. Eu tirei, experimentei para ver qual era o tom. Quando achei, fiquei brincando um pouco com eles. Olhe só que privilégio: Gil, Caetano, mais um povo lá e eu de gaiata tocando gaita. Aí, eu fui para casa e eles me chamaram. “Olha, vem cá, a gente tem gravação de Caetano.” O Jards Macalé tava lá fazendo produção, Tutty Moreno tocava bateria.

Esse foi seu ingresso oficial na música?

Foi minha entrada num estúdio de gravação. Para tocar uma gaitinha, um pedacinho, de um rockzinho chamado “Nostalgia”. Só que Gal começa a gravação tocando uma gaita com a voz. Menino… Pra que que eu tava lá? [risos] Porque não precisava, Gal é sagrada, né? Acho a Gal uma das cantoras maiores do mundo. E ela abre essa faixa imitando uma gaita. Depois, quando eu toco a gaita um pedaço você nem liga, porque ela fez uma gaita melhor que qualquer gaita. [risos]

“Eu não era uma fútil, louca, leviana, não, mas não era engajada. A gente tava mais no paz e amor. Catava lixo na praia, sabe?”

Quando você volta para o Brasil?

Eu volto em 74.

Você leva, então, mais cinco anos para gravar. Por quê?

Eu não trabalhava na noite quando eu cheguei de Londres, nunca trabalhei na noite. Eu frequentava a noite onde tinha um piano. É aquela coisa, né? Na brincadeira de beber, tu acaba bêbada. [risos] Eu enchia a paciência do gerente até ele me deixar tocar o piano enquanto não tinha freguês. Um dos bares que eu mais frequentava era o 706, na separação de Ipanema com o Leblon, onde – você imagina o luxo – quem cantava profissionalmente era Áurea Martins, Emílio Santiago e Djavan, meu filho. Você acredita? Emílio, Deus. Djavan, também. Djavan era um pouco arredio, não dava muita confiança, eu ficava respeitando ele na boa. Emílio já fizemos amizade, chamava para cantar junto com ele, e Áurea me emprestava o caderno de crooner – isso era uma coisa rara entre os crooners. Eles abriram as portas para mim. Mas eu dizia: “Não quero trabalhar, não”. Eu queria tudo, menos trabalhar.

Você já compunha naquela época, tocava coisas suas?

Já compunha. Por exemplo, “Amor, Meu Grande Amor” [faixa 5] é em inglês, eu compus aos 23 anos com quatro partes. Era a “Split Up Song Number One” – a “Canção de Separação Número 1”. Eu até brinco em show que eu sou a pessoa que mais separei que casei. [risos] Em 79, eu acabei fazendo ela em duas partes, A + B, com a letra da Ana Terra. Caiu como uma luva. Cai como uma luva até hoje, impressionante.

Virou o grande hit do disco, né?

É, rapaz. Faz 40 e pouquinhos anos. Mesmo quem não gosta de mim gosta da música. [risos] Ainda bem.

Mas, se você não queria trabalhar, como chegou à gravação?

Em 1976, tinha uma coluna no jornal que era da Scarlet Moon e do Nelsinho Motta. Esses dois doidos maravilhosos eram quem me davam o incentivo. Nelsinho escrevia Ro Ro com H. Aí, fizeram um festival durante o campeonato de surf internacional aqui em Saquarema, o Som, Sol & Surf, que agora tem documentário e tudo, ia tocar Rita Lee, Raul Seixas, uma galera. E eles me chamaram, através de Nelsinho, para fazer participação como Ângela Roh Roh. Eu fui na buena, com um backing vocal dos mais exóticos: Sandra Pêra, das Frenéticas, irmã de Marília Pêra, [a atriz] Maria Sílvia e Zé da Gaita. Eu fiz um pot-pourri  de Otis Redding, Jimi Hendrix e Bob Dylan, umas coisas em inglês e cantei umas coisas minha já.

O quê?

“Minha Mãezinha” [faixa 9], por exemplo, já tava pronta.

Era uma provocação? “Já não carrega mais o doce mel da abelha-rainha; Me deixe em paz, minha mãezinha”. Vocês se davam bem?

Minha mãe dizia: “Eu ainda vou escrever uma música Minha Filhinha”. [risos] Ela ficava possessa. Nós nos dávamos bem pra caramba, mas, às vezes, aquela coisa emocional, de quem se ama. Minha mãe era muito engraçada… Mas, enfim, fiz esse show e todo mundo dizia: “Dessa vez ela vai começar a trabalhar, vai fazer 27 anos, é impossível que ninguém empurre essa mulher trabalho a dentro”. Fugi. Fugi solenemente. [risos] Nelsinho ficou: “Como pode não começar? Já começou!”.

Então nem ali você tinha o plano de seguir carreira na música?

Não! Eu fugia. Fugia do compromisso, fugia de assinar contrato. Fugia de tudo. Era a minha intuição, porque, logo depois de um ano de carreira, joga pedra na Geni de tudo que é jeito. Acho que eu já tinha medo de isso acontecer. [risos]

E o que a fez gravar?

Em 79, eu tava aqui em Saquarema com um pianinho de madeira e o produtor Paulinho Lima e um amigo meu da época do Arpoador, Luis Felipe Aguiar, diretor da rádio Nacional FM, vieram: “Quantas músicas você tem pronta para tocar agora para a gente? Finge que é um show”. Aí eu toquei. Fui tocando praticamente o primeiro disco todo.

E eles gostaram.

Obviamente que sim, porque, sinceramente, é um ótimo trabalho de composição. Eles olharam pra minha cara: “Você sabe que você tem compromisso, então, agora dia 11 de maio no Teatro Ipanema, meia noite, depois do show do Beto Guedes?”. Eu falei: “Ah é?”. [risos]  Ele: “Você não é louca de fugir!”. Depois do teatro lotado – ficaram mais de 150 pessoas pro lado de fora – Paulinho falou: “Já marquei estúdio pra 11 e 12 de junho”. [risos] “Tá bom, vou nessa, já que não vai dar pra fugir mais.”

Você não tinha muito interesse nos Estados Unidos, mas é um disco de forte influência de música norte-americana, né? É um disco de Blues e Rock. Era isso que você ouvia?

Sem parar. Minha influência maior não era bem a Janis Joplin, foram os Rhythm & Blues e os boogies. Muddy Waters, Howlin’ Wolf, Fats Domino, Odetta, Big Mama Thornton. Se você for ver, as harmonias são simples. Como eu não sou nenhum gênio no teclado, aquelas harmonias eu levava até no violão mesmo.

Você costuma compor no piano ou no violão?

Olha, eu compus algumas coisas no violão que é difícil de acreditar: “Fogueira” [A Vida É Mesmo Assim, 1984] eu fiz no violão. Eu não sei mais tocar [risos], mas fiz no violão. Agora, o resto é praticamente mais no piano ou na cabeça.

É um disco que fala, basicamente de amor, desilusões amorosas. Você é uma pessoa passional?

Aí é que tá, rapaz. Uma amiga minha me perguntou um dia desses – aliás, muita gente me pergunta volta e meia – se têm endereço, as músicas. Mas não necessariamente. Às vezes eu posso estar envolvida na situação, mas às vezes é a situação de outra pessoa, às vezes é um comentário social.

Tem um exemplo?

Ah… “A Mim e a Mais Ninguém”, por exemplo. Eu fiz por alguém? Não. “Se não gosta do medo, não venha comigo; Não gosto de quem nunca corre perigo” Mas eu não estou falando aquilo para ninguém. “Me Acalmo Danando” [faixa 6] tem quem jure que eu estou falando para alguém, mas não estou falando para ninguém. “Amor, Meu Grande Amor” até hoje tem gente que esquece que a letra é da Ana Terra e vem me perguntar o que quer dizer “a vida do seu filho desde o fim até o começo”. Eu falo: “Não sei, pergunta pra Ana Terra”. [risos] Música não tem endereço, música tem inspiração.

“Minha influência maior não era bem a Janis Joplin, foram os Rhythm & Blues e os boogies. Muddy Waters, Howlin’ Wolf, Fats Domino, Odetta, Big Mama Thornton. As harmonias são simples. Como eu não sou nenhum gênio no teclado, aquelas harmonias eu levava até no violão mesmo”

O que geralmente te inspira a compor? O que inspirou o disco?

Para você entender, são músicas feitas, na realidade, a partir dos meus 20 anos. Eu era bem assim: não tava namorando ninguém, mas achava que estava sofrendo por amor. Tá entendendo? [risos]

Aquela coisa da juventude, hoje chamam de “sofrência”.

É, aquela coisa da juventude de “já estou sangrando de paixão”. Aí você diz assim: “Mas, uai, eu não estou apaixonado por ninguém”. [risos] Enfim, não têm endereço. Eu conto mil histórias. Algumas foram verdadeiras, outras metade é verdade e metade não.

Como qual?

Tipo “Mares da Espanha” [faixa 8], eu inventei. “Me Acalmo Danando” parece que eu estou sangrando de amor. “Amo somente o vazio e me acalmo danando”. Mas isso é coisa feita com 24 anos. Graças a Deus eu não tava danando nada. E foi uma música do primeiro disco que é emocionante porque eu cantei com a Ângela Maria no especial da Ângela Maria. Tinha um convidado chamado João Bosco, gênio total, e eu de gaiata tocando piano para a Ângela Maria tocar comigo, cê acredita? Esse primeiro disco é fantástico mesmo, é um disco hiper-sortudo e genial para ser o primeiro da carreira de qualquer um. Porque eu toco piano nele, além de Antônio Adolfo, em uma ou duas. Em “Abre o Coração” [faixa 12]… essa tem endereço.

Quem?

Uma falecida namorada minha, que morreu de AIDS. Infelizmente, nova ainda, entrou na cilada da droga pesada, cocaína. E você sabe que é difícil de sair. “Abre o Coração” eu fiz justamente para ela. “Para de gelar, de entorpecer; Para de secar o que quer escorrer; Como é bom fazer a festa; Ao invés de pela fresta; Ver a vida se esvaindo sem viver”. A letra é linda, é uma música linda – nunca tocou no rádio, mas é linda.

Essa não, mas “Tola Foi Você” [faixa 3] também tocou muito, não?

Sucesso mesmo foi “Tola Foi Você” e “Amor, Meu Grande Amor”. E “A Mim e a Mais Ninguém” depois que eu gravei o DVD no Circo Voador [Ao Vivo, 2006].

Esse disco tem também sua cota da noite, de boemia. “Balada da Arrasa” [faixa 10], “Agito e Uso” [faixa 7] tem seu ritmo meio de cabaré…

É, “Agito e Uso”! [risos] Genial. É um rockzinho. A gente frequentava os bares em Ipanema, ali… Não era bem Baixo Leblon, não. Depois é que ficou Baixo Leblon, tipo… Aglomeração? Todo mundo com todo mundo no meio da esquina.

Isso já era forte na época?

Isso na época já tinha, não. Nós fundamos a boemia doida rock n’ roll alternativa ali! Porque, antes, a boemia era coisa de playboys granfinos.

Você curtia muito?

Ah, curtia, sim. Porque em Londres eu trabalhava desde cedinho, às vezes acordava num frio, 5h30, no máximo 6h, para estar 8h trabalhando. Então era uma vida que não tinha curtição. Agora, quando cheguei no Rio: “Ih, caramba, tá todo mundo na gandaia. Tem praia, tem bar depois da praia”. E a gente ia. Eu frequentava um lugar que era meio gay – bastante gay, aliás – o Pizzaiolo. Eu me espalhava por diversas áreas. Tinha lugares que eu ia careta. Tipo o 706. O Djavan era um crooner, você imagina o nível do lugar. Mas eu ia sozinha, quietinha. Agora, Cazuza, Barão [Vermelho], a galera já frequentava o Guanabara, que era no Baixo Leblon. E tinha o bar das moças, que a gente sentava, conversava… Eu era versátil.

“Música não tem endereço, música tem inspiração”

Quando você olha para esse disco, 40 anos depois, como o vê?

Hoje, eu concordo com as pessoas. Até alguns anos atrás, eu ficava assustada.

Com o quê?

Que as pessoas tinham esse interesse no primeiro disco. Tiago Marques Luz, um produtor muito bom, me chamava para tocar Virada Cultural, em São Paulo, e dizia: “Tem que ser o primeiro disco”. Eu: “Gente, que mania vocês têm do primeiro disco”. Agora, ao fazer, a primeira Virada, a segunda Virada, e a última, eu vi. Esse primeiro disco é muito bom. Para um primeiro disco, é raro alguém acertar tanto. Na gravação dos arranjos, o Antônio Adolfo dizia para mim: “Eu não quero tirar o que você faz da forma que você faz, eu quero apenas tocar, mas o mais perto de você”. Eu dizia: “Antônio, então tu vai ter que errar pra caramba”. [risos] Mas ele respeitou a todo o jeito de composição meu, apenas tocando melhor. Agora, eu entendo plenamente o bom gosto das pessoas, de realmente reverenciarem essa minha humilde obra desde o início. Mas também tem aquilo: era uma coletânea já feita desde os 20 e poucos, que, quando gravei, praticamente já tinha 30 anos, né, meu querido? E tem outra coisa. Esse disco me gerou o primeiro suporte financeiro da minha vida, meu dinheirinho, através de uma música chamada “Gota de Sangue” [faixa 2].

Que a Maria Bethânia gravou?

Exatamente. Gravou e ainda me chamou para tocar piano, no Mel [1979]. Vendeu 1 milhão e 500 mil cópias, superando o Roberto Carlos! O Caetano e o Waly Salomão fizeram “Ó, abelha rainha; Faz de mim; Um instrumento de teu prazer”, que é lindo, né? Essa tocou na rádio. Quando comecei a receber os direitos autorais, eu me assustei. “Paulinho, Paulinho, vem cá! Olha o cheque, tem um monte de zero pro lado da direita!” [risos] “Por que eu não comecei isso antes?” Aí eu peguei todo o dinheiro e coloquei na caderneta de poupança. Minha mãe ficou alucinada. “Você não troca de roupa, faz o show com a mesma roupa, parece uma louca, não tem carro, não tem conta no banco!” Eu já era famosa, enfiei o dinheiro na poupança pra construir uma casa que acabei nem morando. Daquela fama, sabe o que eu fiz? Comprei uma bicicleta. [risos] Por Deus do céu, cara, eu sou tão maluca.

Qual a diferença daquela Angela estreante aos 30 para a Angela de hoje?

Ah, mas nenhuma. É impressionante. Eu acerto os mesmos acertos, eu erro os mesmos erros. É triste como eu sou igual, tenho uma essência imutável. Não sei se é bom ou ruim, sei que sou assim.

Angela, muito obrigado pelo papo e pelo seu tempo.

Põe bem claro aí que eu desejo, antes de mais nada, muita sorte, proteção, saúde, prosperidade, paz e muito amor entre os povos, entre as pessoas. Chega de pensar em armas, vamos partir para as vacinas, para as curas. Vamos parar de achar problemas e sim acharmos soluções. Que todos sejam felizes. Valeu!

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ARTISTA: Ângela Ro Ro